Acórdão nº 1161/10.6PCSTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 21 de Junho de 2011

Magistrado ResponsávelSÉNIO ALVES
Data da Resolução21 de Junho de 2011
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES QUE COMPÕEM A 2ª SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: I. No Proc. Comum Colectivo que com o nº 1161/10.6PCSTB corre termos na Vara Mista de Setúbal, o arguido Rui, com os demais sinais dos autos, foi julgado e a final absolvido de cinco crimes de roubo qualificado, p.p. pelo artº 210º, nºs 1 e 2, al. b), com referência ao artº 204º, nºs 1, al. h) e 2, al. f), todos do Código Penal, por cuja autoria vinha acusado; bem assim, foi condenado pela prática de cinco crimes de roubo simples, p.p. pelo artº 210º, nº 1 do Cod. Penal, nas penas de 1 ano e 6 meses de prisão, cada um; pela prática de um crime de roubo qualificado, p.p. pelo artº 210º, nºs 1 e 2, al. b), com referência ao artº 204º, nº 2, al. f) do Cod. Penal, na pena de 3 anos e 2 meses de prisão; pela prática de um crime de condução ilegal, p.p. pelo artº 3º, nºs 1 e 2 do DL 2/98, de 3/1, na pena de 8 meses de prisão; em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, foi o arguido condenado na pena única de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sob regime de prova.

Inconformado, o Digno Magistrado do MºPº interpôs recurso, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões (transcritas): «1ª- O presente recurso é restrito à matéria de direito na parte em que o douto acórdão recorrido afastou a existência da circunstância qualificativa do crime de roubo relacionada com a utilização da arma referida nos autos, bem como relativamente às penas parcelares aplicadas quanto aos crimes de roubo cometidos pelo arguido; 2ª- O douto acórdão seguiu uma das orientações existentes relativamente à forma como deve ser interpretada a circunstância qualificativa prevista art. 204º, nº 2, al. f) do Código Penal (aplicável por via do art. 210º, nº 1, al. b) do Código Penal), defendendo que aquilo que está na sua base é o perigo objectivo da utilização para a vítima, ao mesmo tempo que permite que o agente se sinta mais confiante e audaz, e para que isso aconteça é necessário que esteja munido de uma arma eficaz; 3ª- No entanto entende-se, ao invés, que aquilo que esteve na base da consagração desta agravação é a utilização pelo agente de arma que tenha a virtualidade do homem médio ou comum pensar que o agente da infracção está na posse de uma verdadeira arma, causando-lhe um justo receio de poder vir a ser atingido e lesado corporalmente; 4ª- Esta interpretação é a que melhor se adequa aos valores que a existência da referida agravante pressupõem, os quais se relacionam com a eficaz tutela dos interesses dos ofendidos, estando na sua base o “acréscimo de fragilidade na defesa … que pode ser desencadeada, justamente, pela percepção de um objecto que é tido, pelo comum e normal dos cidadãos, como instrumento capaz de ferir ou de matar” (cfr. Comentário Conimbricense, t. II, p. 81); 5ª- Nestes termos, arguido deveria ter sido condenado por mais três crimes de roubo qualificados, relativamente aos factos provados referidos nos nºs 8 a 16, já que relativamente aos factos provados nos nºs 1 a 7 (dois crimes de roubo) ocorre desqualificação por via do valor em causa ser inferior a uma UC, já que se apoderou de 70 e 100 euros (cfr. arts. 210º, nº 2, al. b), parte final e 204º, nº 4 do Código Penal); 6ª- Por outro lado, no caso em análise, há um conjunto de aspectos que não permitem a aplicação de penas parcelares tão baixas, como aquelas que foram fixadas na douta decisão; 7ª- Estes aspectos são os seguintes: a gravidade dos factos praticados; a existência de dolo directo; o facto do agente não ter atenuado as consequências da sua actividade criminosa; o facto de não ter antecedentes criminais; e as prementes necessidades de prevenção geral nestes casos que impõem algum rigor punitivo; 8ª- Termos em que se entende, nos termos do disposto no art. 71º, nº 1 do Código Penal, que as penas parcelares a aplicar quanto aos crimes de roubo em questão deverão ser fixadas, da seguinte forma: - crimes de roubo simples: 2 anos de prisão; crimes de roubo qualificados: 4 anos de prisão; mantendo-se a pena quanto ao crime de condução ilegal; 9ª- O relevo dado ao facto do arguido ter praticado os factos num clima de perturbação não pode ter o valor atenuativo atribuído no douto acórdão, atenta a forma reiterada como os factos foram praticados no período compreendido entre 12.9.2010 e 4.10.2010, renovando o seu desígnio criminoso com o intuito de obter as quantias monetárias de que se apoderava, através do recurso à força e intimidação; 10ª- Assim sendo, em face dos critérios legais, considera-se ser justa e adequada a aplicação das seguintes penas únicas ao arguido: a) no caso de procedência do recurso quanto à questão do enquadramento dos factos no crime de roubo qualificado: pena de 7 anos e 6 meses de prisão; b) no caso de improcedência do recurso: pena de 6 anos de prisão; 11ª- O douto acórdão recorrido violou o disposto no art. 204º, nº 2, al. f) do Código Penal, por via do art. 210º, nº 2, al. b) do Código Penal; 12ª- O douto acórdão interpretou o disposto nesta norma no sentido de que a mesma não se aplicava aos casos em que o arguido utilizou a arma referida, quando tal norma deveria ser interpretada no sentido de estar verifica a sua aplicação perante os factos provados; 13ª- O douto acórdão recorrido violou ainda o disposto no art. 71º, nº 1 do Código Penal, ao aplicar as penas parcelares em questão, entendendo-se que não foram respeitados os critérios legais aí fixados».

E termina, pedindo que com a procedência do recurso, seja revogado o acórdão na parte em que afastou a existência do crime de roubo qualificado do art. 204º, nº 2, al. f) do Código Penal e sejam alteradas as penas parcelares e única aplicadas.

Respondeu o arguido, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida, extraindo da sua resposta as seguintes conclusões (igualmente transcritas): «1. Quanto à qualificativa prevista na alínea f) do nº 2 do art. 204º, o douto tribunal a quo considerou que “estamos apenas perante um objecto que tentava reproduzir uma arma de fogo, perante uma simples imitação num material tipo plástico, unicamente aparentando ser uma arma, mas sem capacidade de deflagração, ( ... ) ou seja um brinquedo imitando uma arma de fogo”.

  1. Considerou ainda que “tem sido decidido na Vara de Setúbal, na sequência do que maioritariamente tem defendido a nossa jurisprudência (designadamente do STJ) que o conceito de arma aparente ou oculta não abrange a aparência de arma, isto é o objecto que aparentando ser uma arma o não é”.

  2. O Ac do STJ de 17/01/2002, refere que se o agente, munido de uma pistola simulada, fictícia ou de simples alarme lograr, pelo medo com que tal pseudo-arma provoque na vítima, a apropriação ilícita de coisa móvel alheia, está ele incurso no crime de roubo previsto e punido pelo art. 210, n º 1 do CP, mas não incorre na punição mais severa do nº 2 do mesmo preceito.

  3. Isto porque defende a jurisprudência do tribunal superior, o que está na base da agravação prevista na al. f) do nº 2 do artº 204 do C.P é o perigo objectivo da utilização da arma, determinando uma maior dificuldade de defesa e maior perigo para a vítima, ao mesmo tempo que permite que o agente se sinta mais confiante e audaz, e para que isso aconteça é necessário que esteja munido de uma arma eficaz.

  4. No caso em apreciação, o objecto que o arguido empunhou era um simples brinquedo, uma imitação em plástico de um revólver sem capacidade para efectuar qualquer disparo.

  5. O tribunal a quo concluiu que o facto do arguido empunhar um objecto que não é uma arma, aparentando simplesmente sê-lo, não permite a qualificação dos 5 crimes de roubo, ocorridos nos dias 12, 13, 26 e 30 de Setembro, nos termos do citado artigo 210, nº 2 alínea b) do C.P.

  6. Ac. do STJ de 19.12.2007: “O STJ tem vindo a decidir que a circunstância qualificativa da al. f) do nº 2 do art. 204º do Código Penal pressupõe um perigo objectivo emergente das características da arma como instrumento de agressão, sendo irrelevante que tenha sido ou não criado qualquer receio à pessoa lesada com o crime. (...) Em sede de roubo agravado, a qualificativa da al. f) do nº 2 do art. 204º do CP só deverá operar quando o instrumento usado constituir um perigo objectivo (daí decorrendo ser a qualificativa também de ordem objectiva): quando o agente tiver usado uma arma e não um mero simulacro de arma, ou uma arma de alarme (…)”.

  7. Nesta conformidade, considera-se o tribunal a quo aplicou a jurisprudência que se mostra mais adequada e predominante.

  8. Pelo que, deve se manter a qualificação jurídica do douto acórdão recorrido.

  9. Salvo do devido respeito, mas não concordamos com a posição do recorrente que considera ser justa e adequada a aplicação da pena de 7 anos e 6 meses de prisão (em caso de procedência do recurso) ou 6 anos (em caso de improcedência do recurso).

  10. A douta decisão do tribunal a quo foi justa, adequada e respeitou todos os critérios legais.

  11. O tribunal a quo considerou o seguinte: -“os antecedentes criminais do arguido relacionam -se com crimes diferentes dos roubos, não envolvendo violência contra as pessoas, e não atingindo o património dos particulares”.

    - “a confissão integral e sem reservas e a colaboração que prestou no decurso do inquérito no sentido do apuramento dos factos, o que demonstra arrependimento”.

    - “o facto de ser uma pessoa integrada socialmente” - “A circunstância de os crimes em causa terem sido praticados num clima de perturbação, com prévia e simultânea ingestão de álcool e comprimidos para tratamento de depressão, tendo o arguido em Julho de 2010 sido vítima de uma agressão, situação que se repercutiu em diversas sequelas físicas, neurológicas e psicológicas, e após aquela agressão, passou a apresentar sinais significativos de alteração comportamental e emocional...

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