Acórdão nº 702/06.8GBCNT-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Setembro de 2007

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução12 de Setembro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, na secção criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

  1. – Relatório.

    Estimando ter o tribunal a quo violado os artigos art.s. 191º, 193º, 202º, nº 1, alínea a) e 204º, alíneas a), b) e c), todos do Código de Processo Penal, ex vi dos art.s. 131º, 132º, nºs. 1 e 2, alínea i), 22º, nºs. 1 e 2, alínea c) e 26º, do Código Penal, recorre o Ministério Público, do despacho do Mmo. Juiz de Instrução Criminal da comarca de Cantanhede que, desatendendo a douta promoção lavrada no processo supra referenciado, não aplicou ao arguido A...

    a medida de coacção de prisão preventiva.

    Da motivação com que ceva o recurso, extracta a síntese conclusiva que a seguir se deixa transcrita.

    1. A conclusão do Tribunal quanto ao juízo indiciário a que se reporta as als. k), I) e m) da matéria de facto dada como indiciada não está conforme aos elementos de prova que foram carreados para os autos e contraria abertamente as regras da experiência comum, já que resulta inequívoco dos autos que a entrega do cheque no valor de € 2.500 efectuada pela B...

    ao arguido, D..., o foi como princípio de pagamento do serviço contratado pelo seu companheiro, ora arguido, A..., para matar a sua ex-mulher, que só não veio (ainda) a efectivar-se em virtude de problemas surgidos com a provisão do cheque.

    2. Ao assim não julgar violou o tribunal a quo o art. 127º do Cód. Proc. Penal.

    3. E autor mediato o “homem de trás”, que persuade o aliciado a praticar o facto criminoso através de uma contrapartida pretendida pelo executor, pois tem o domínio do facto, sob a forma de domínio da vontade 4. No aliciamento o acordo criminoso é o momento decisivo do início da execução do crime, o acto determinante da resolução criminosa do autor imediato.

    5. Na autoria mediata a tentativa inicia-se com o final da actuação do autor mediato sobre o instrumento, ou seja, com a saída do acontecimento do âmbito do domínio do autor mediato.

    6. O ponto de partida para determinar o início da tentativa do autor mediato é o primeiro acta de execução que tanto pode ser realizado pelo autor mediato como pelo autor imediato, desde que realizado algum acta que possa considerar-se abrangido por algumas das alíneas do n.º 2 do artigo 22º do Código Penal.

    7. Dos autos resulta fortemente indiciado que o arguido, A..., praticou actos que segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, sempre seria de esperar que se seguissem actos, praticados pelo arguido D..., que preenchessem os elementos constitutivos do crime ou que fossem idóneos a produzir a morte da vítima C...

    .

    8. Pelo que está, assim, fortemente indiciado, nos presentes autos, a prática pelo arguidoA..., como autor mediato, de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 131º, 132º, nºs 1 e 2, alínea i), 22º, nºs 1 e 2, alínea c) e 26º, todos do Código Penal.

    9. Ao assim não considerar, fez o tribunal a quo uma incorrecta interpretação do direito aplicável à materialidade fáctica indiciada, violando, desta maneira, o disposto nos citados artes. 131º,132º, nos. 1 e 2, alínea i), 22º, nos. 1 e 2, alínea c) e 26º, todos do Código Penal.

    10. Ainda que se entenda que a conduta do arguidoA... se enquadra antes no conceito de instigação, sempre teríamos de concluir pela existência de fortes indícios da prática de actos de execução pelo instigado D..., pelo que, mesmo assim, estaria fortemente indiciada prática pelo arguidoA..., como instigador, de um crime de homicídio, na forma tentada, previsto e punido pelos artigo 131º, 132º, nºs 1 e 2, alínea i), 22º, nº 1 e 2, alínea c) e 26º, todos do Código Penal.

    11. No caso sub judice verifica-se a existência dos perigos concretos de perturbação da tranquilidade pública, continuação da actividade criminosa, fuga, perturbação do decurso do inquérito e para aquisição da prova no que tange ao arguidoA....

    12. Sopesando os critérios de proporcionalidade, adequação, necessidade, a prisão preventiva é a única medida de coacção adequada às I exigências de natureza cautelar que o presente caso requer nos termos das disposições conjugadas 191º, 193º, 202º, n.º 1 alínea a) e 204º, alíneas a), b) e c), todos do Código de Processo Penal.

    Termos em que deve o despacho em apreço ser revogado e substituído por outro que, considerando fortemente indiciado a prática pelo arguido, A..., como autor mediato, de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p.p. pelas disposições conjugadas dos art.s. 131º, 132º, nºs. 1 e 2, alínea i), 22º, nºs. 1 e 2, alínea c) e 26º, todos do Código Penal, lhe aplique, em conformidade com o disposto nos art.s. 191º, 193º, 202º, nº 1, alínea a) e 204º, alíneas a), b) e c), todos do Código de Processo Penal, a medida de coacção de prisão preventiva

    .

    Ao recurso respondeu o arguido, tendo rematado a peça processual adrede, com a síntese conclusiva que a seguir se deixa transcrita.

    1º - Vem o Digníssimo Representante do ministério público recorrer do Douto Despacho proferido o qual determinou que o arguido, aqui recorrido, aguardasse os ulteriores termos processuais sujeito a Termo de Identidade e Residência, já prestado, determinando ainda a imediata restituição do arguido à liberdade uma vez que o mesmo se encontrava detido.

    2º - Entendendo e bem o tribunal a quo, que a conduta imputável ao arguido, apesar de moralmente censurável, não era punível como crime de homicídio qualificado, na forma tentada.

    3º - Considerou o tribunal a quo, que a conduta do arguido, aqui recorrido, não se poderia enquadrar no conceito de autoria mediata mas tão só no de instigação, no caso, na forma tentada, quer pela ausência de começo da execução, quer porque o executor imediato nunca teve intenção de eliminar a esposa do arguido A..., sendo que a figura de instigação não é punível no código penal.

    4º - Bem considerou o tribunal a quo, “é também patente que enquanto o agente imediato não praticou nenhum acto de execução não há verdadeira instigação. Aliás, nem outra forma podia ser, já que então estar-se-ia a punir as meras cogitaciones. Vale a este propósito a regra da acessoriedade” (Jornadas de Direito Criminal, CEJ, p.173)

    .

    Nesta instância, o Exmo. Senhor Procurador-geral Adjunto, em avisado parecer, é de opinião que a posição assumida pelo tribunal e mostra adequada à factualidade que vem patenteada nas peças processuais que forma mandadas juntar ao processo – cfr. fls. 139 e 140..

    As questões, ainda que não explicitamente expressas nas conclusões do recurso, deverão abarcar ou atinar com as temáticas a seguir enunciadas: - Tentativa – Actos preparatórios/actos de execução; Autoria (Autoria mediata); e Instigação.

  2. – Elementos pertinentes para a Decisão.

    - Promoção do magistrado do Ministério Público, de 31 de Janeiro de 2007 «Conforme já deixámos explanado no despacho que determinou a apresentação do arguido no primeiro interrogatório judicial, pensamos que os autos são eloquentes do plano concebido pelo arguido A..., para pôr termo à vida da sua ex-mulher, ofendida C..., tendo para o efeito contratado para a execução desse “serviço” o arguido D...

    , e a quem como contrapartida entregou como princípio de pagamento da quantia de dois mil e quinhentos euros titulado por um cheque sacado sobre urna conta de que o mesmo é titular, no BPN de Cantanhede.

    Isso mesmo nos dizem os elementos de prova já carreados para os autos, designadamente do que resulta da generalidade dos depoimentos dos intervenientes nos factos denunciados, bem como, dos documentos apreendidos aos arguidos.

    Está ainda por esclarecer, contudo, a razão pela qual o tal serviço não chegou ainda a ser efectuado, ao que tudo Indica derivado a questão relacionadas com o respectivo pagamento, resultante dos autos que os arguidos D..., E...

    estarem a fazer jogo duplo na tentativa de extorquir dinheiro também à ofendida.

    Existem também indícios suficientes que terá sido o arguido a dar instruções expressas sobre o modo como o serviço contratado havia de ser efectuado, bem como das respectivas circunstâncias de tempo e lugar, chegando mesmo a deslocar-se com o arguido D... ao local onde o crime haveria de ser consumado (declarações do arguido D... a fls. 165 a 176).

    Acresce ainda todo o circunstancionalismo em que se deram os factos, ocorridos na sequência dos inúmeros problemas surgidos com o divórcio e com a regulação do exercício do poder paternal filho de ambos, o que motivou que o arguido andasse, segundo as suas próprias palavras “desorientado”, admitindo que chegou a ameaçar a sua ex-mulher de morte e que já tinha contratado alguém para a matar.

    Não nos merecem por isso, qualquer credibilidade as declarações hoje aqui prestadas pelo arguido, não s6 porque em oposição aos demais elementos de prova já constantes dos autos, como também pelo facto, a nosso ver, o mesmo ter adiantado algumas explicações para os factos, que se nos afiguram inverosímeis.

    Desde logo no que se refere à insistência do arguido D..., em fazer o tal trabalho sob ameaças de vária ordem I quando o arguido diz nunca ter manifestado uma real intenção de executar tal serviço. Podemos também surpreender no seu depoimento algumas contradições e incongruências, no que se refere nomeadamente à explicação quanto à razão pela qual a fotografia da sua ex-mulher foi encontrada na posse do arguido D..., não nos parecendo minimamente credível o arguido andar com uma fotografia da sua ex-mulher quando vinha mantendo com ela enormes conflitos, também ficamos sem perceber, nesta visão das coisas, qual a real intervenção da sua actual companheira B......, que segundo as suas palavras terá tido um papel preponderante em toda esta situação, quando à partida os factos nada tinham a ver com ela. Também nos parece incongruente a descrição do episódio relativo à entrega do cheque.

    Estamos assim, convictos que, efectivamente, o arguido quis pôr termo à vida da sua mulher recorrendo a um terceiro para lhe executar esse serviço.

    Uma vez que, felizmente, tal propósito não chegou a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT