Acórdão nº 4018/2006-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelISOLETA ALMEIDA E COSTA
Data da Resolução22 de Maio de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam os Juízes da 1ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: V, solteiro, maior, reformado, residente na R em Lisboa,intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra J , médico oftalmologista, residente na Rua , em Cascais, pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de 7.602.520$00 (sendo 1.602.520$00 a título de danos patrimoniais e 6.000.000$00 a título de danos não patrimoniais), acrescida de juros de mora vencidos desde a citação desde, até efectivo e integral pagamento.

*O réu contestou, No julgamento a que se procedeu foram tidos como assentes os seguintes factos:*1 - O autor em Dezembro de 1992 tinha 70 anos de idade - (A); 2 - Em 16.12.1002 o autor recorreu aos serviços profissionais do réu, a quem telefonou para a respectiva residência, tendo sido pelo referido clínico ministrado o fármaco denominado "Chimar" em formato de drageia - (B); 3 - Em 17.12.1992 o autor foi pelo réu submetido a exame oftalmológico, na "Ó", sita em Lisboa, na R, tendo este último diagnosticado a ocorrência de hemovítreo - (C); 4 - A situação agravou-se e a "esclarótica" do olho direito ao autor ficou completamente raiado de sangue - (D); 5 - Em face de tal situação e como terapia complementar, o réu prescreveu ao autor, em 16.01.1993, o uso do fármaco denominado de "Trisolona" forte em colírio - (E); 6 - Tratamento esse que se prolongou até Março de 1993 por insistência do referido Clínico - (F); 7 - Durante o referido período de tempo o autor foi por diversas vezes examinado pelo réu - (G); 8 - Ao longo desses vários exames a situação clínica do autor foi-se progressivamente deteriorando ao ponto de o mesmo ter perdido, por completo, a visão do olho direito - (H); 9 - Durante essas várias consultas o autor sugeriu ao réu que lhe fossem efectuados diversos exames e intervenções mais aprofundadas e complexos, designadamente laser, fotocoagulação, intervenção cirúrgica(1), em ordem a averiguarem-se as causas e a evolução da sua enfermidade, bem como a saná-la - (I); 10 - Em 15.04.1993 o réu, a instâncias do autor, submeteu-o no "Io" a uma ecografia, em cujo verso prognosticou, pelo seu próprio punho, descolamento da retina e hemovítreo do olho direito, tendo assinado esse documento - (J); 11- Por declaração de 27.09.1993 o réu reconheceu toda a evolução do quadro clínico sofrido pelo autor - (L); 12 - Com a quase completa perda da visão do olho direito o autor tem tido sofrimento(2) - (M); 13 - Essa incapacidade alterou-lhe por completo a sua situação e orientação físicoespacial, assim como os respectivos hábitos pessoais, já que tem que aplicar cinco vezes por dia dois colírios distintos denominados "Betagan" e "Trusopt" em ambos os globos oculares, provavelmente para o resto da vida, o que lhe causa transtorno(3) - (N); 14 - Essa situação também lhe causou e continua a causar dores físicas - (O); 15 - Acresce que o autor vive em permanente estado de angústia com a possibilidade de novo descolamento da retina - (P); 16 - Em 15.12.1992 o autor foi acometido por uma súbita hemorragia ocular interna do olho direito - (1°); 17 - Em 16.03.1993 o autor não tinha visão do olho direito, tendo, então, sido consultado pelo Dr. J., médico oftalmologista da ASMEC e I, com instalações na, em Lisboa - (5°); 18 - Por essa consulta o réu pagou 600$00 - (6°); 19 - Nesse mesmo dia o autor foi submetido a uma gonoscopia ao olho direito - (7°); 20 - Pela qual pagou 1.120$00 - (8°); 21 - O Dr. José Valente, tendo analisado posteriormente a ecografia referida em 10., em face da gravidade da situação, aconselhou o autor a consultar o Dr. P do "Departamento de " do Hospital de São José, em Lisboa - (9°); 22 - Após exame do olho direito do autor, o Dr. P concluiu que se tratava de uma situação grave, não o tendo submetido a qualquer intervenção cirúrgica - (10°); 23 - Em 07.05.1993 o autor foi examinado pelo Dr. Ds, médico oftalmologista que exerce na "Clínica Médico-, Lda.", em …, o qual lhe confirmou o deslocamento da retina do olho direito, sinéquias, nevritas e cataratas - (11°); 24 - Por essa consulta o autor despendeu a quantia de 8.000$00 - (12°); 25 - Devido ao hemovítreo referido em 3., o réu não submeteu o autor a qualquer tratamento, nomeadamente de laser, por o sangue não deixar ver o fundo do seu olho direito e a causa daquela hemorragia, tendo-lhe receitado um anti-inflamatório denominado "Chimar", que o mesmo aplicou durante cerca de quatro meses - (13°); 26 - Em nova consulta ao Dr. D, este aconselhou o autor a ser consultado pelo cirurgião inglês Dr. Z J. Gregor, o qual exerce medicina oftalmológica no Reino Unido - (15°); 27 - Em 17.05.93 o autor consultou o Dr. As, médico oftalmológico, o qual, dada a gravidade da situação, igualmente o aconselhou a consultar o médico inglês referido em 26. - (17°); 28 - Por esta consulta o autor despendeu a quantia de 7.000$00 - (18°); 29 - O autor estabeleceu contrato para Londres, Reino Unido, com o Dr. J. Gregor, o qual lhe confirmou a admissão na Clínica C, sita em Londres, na, n° 80, em 27.05.1993, a fim de ser operada pelas 10 horas do subsequente dia 28 - (19°); 30 - Mais informou o Dr. Z. Gregor o autor de que a Clínica lhe cobraria antecipadamente a importância de 2.550,00 Libras Esterlinas - (20°); 31 - Em 24.05.1993 o autor adquiriu na "E, Lda.", uma passagem aérea de ida e volta Lisboa/Londres, que lhe custou 39.500$00 - (21°); 32 - O autor embarcou via aérea para Londres em 25.03.1993, com regresso previsto para 21.06.1993, na "British Airwais" - (22°); 33 - Uma vez aí chegado nesse mesmo dia, o autor hospedou-se no "Leicester Hotel", sito em 18/24 Belgrave Road, Londres, onde permaneceu até 26.05.1993, com o que despendeu 55 Libras Esterlinas - (23°); 34 - Em 26.05.1993 o autor foi observado pelo Dr. Z. Gregor, em Londres - (24°); 35 - Em 27.05.1993 o autor deu entrada na "Churchil Clinic" e, por escrito, concedeu autorização para ser operado - (25°); 36 - O autor foi operado na data prevista de 28.05.1993 - (26°); 37 - O autor teve alta da "CCc"em 30.05.93 - (27°); 38 - Pelo seu internamento na Clínica referida em 37., o autor despendeu a quantia de 2.550,00 Libras Estrelinas - (28°); 39 - O autor permaneceu internado na Clínica referida em 37. durante três dias, apesar de lhe ter sido solicitado pelo Dr. Z Gr que ali permanecesse durante duas semanas - (29°); 40 - O autor ausentou-se de Londres poucos dias após a data referida em 37. - (30°); 41 - Durante esse tempo, que decorreu de 30.05.1993 a 04.06.1993, o autor ficou hospedado no mesmo Hotel Leicester, estadia essa pela qual pagou 155 Libras Esterlinas - (31`); 42 - Em 02.06.1993 o autor teve nova consulta com o Dr. Z. Gregor - (32°); 43 - Pelas duas consultas com o Dr. Z. Gregor, serviços operatórios por este último prestados, serviços de anestesia e investigações diversas, o autor pagou 2.325,00 Libras Esterlinas - (33°); 44 - O autor adquiriu também em 02.06.1993, por prescrição do Dr. Z. Gregor, um medicamento denominado "Timolol", com o que despendeu 12,66 Libras Esterlinas - (34°); 45 - O Dr. Z. Gregor celebrou o relatório médico junto a fls. 85-89 do qual consta, além do mais, o seguinte: "Examinei o Sr. .. em 26 de Maio de 1993 a Conselho e por indicação do Dr. D de Portugal.

A histórica clínica resume-se ao facto de o Sr. B 6 meses antes ter sofrido uma hemorragia do vítreo tendo sido tratado com comprimidos. A visão piorou 6 semanas após e em 15 de Abril de 1993 foi-lhe diagnosticado um descolamento da retina pelo recurso a ecografia. O olho esquerdo não apresenta sintomas.

Em exame verifica-se que a visão direita está reduzida apenas ao nível de movimentos de mão, mas a visão esquerda é de 6/6. Verifica-se uma sinéquia posterior de 360° com atrofia da íris sem existência de segmento anterior de inflamação activo. A pressão intra-ocular é de 10 mm Hg no olho preito e de 16 mm Hg no olho esquerdo, registando-se um marcado defeito da pupila direita. Tem esclerose nuclear com opacidade subcapsular posterior na lente direita.

O exame do segmento posterior direito é dificultado pela sinéquia e catarata e pela consequente hemorragia do liquido gelatinoso do vítreo. A retina aparenta, contudo, um descolamento total com indícios de membranas epiretinais e uma considerável quebra da retina superior.

A retina esquerda está integralmente colocada sem indícios de quebras.

Afigura-se que o Sr. Brito sofreu uma hemorragia do vítreo seguida de descolamento da retina e, dadas as circunstâncias, a tentativa de um lamento da retina é razoável e adequado.

Na sequência de uma profunda explicação dos prós e contras de uma cirurgia ao olho direito e potenciais complicações, o Sr. B foi admitido Clínica Cl em 28 de Maio de 1993 e submetido a uma lanteoctomia do vítreo direito, a uma dissecação extensiva da membrana epiretinal a uma retinotomia de esvaziamento a 360° com introdução de fluído de silicone e fotocoagulação a endolaser. No decurso da operação a retina apresentou-se extremamente rígida com extensas membranas epiretinais que originaram uma vitreoretinopatia proliferativa do grau IV dotado de um funil aberto retinal mas com vitreoretinopatia proliferativa anterior grave.

Detectaram-se três largas feridas em forma de U nos espaços supertemporal, inferonasal e inferior das periferias retinais. As membranas epiretinais foram dissecadas pelo recurso a perfluorodecalin (líquidos pesados) mas como a retina anterior permaneceu extremamente rígida a 360° "foi efectuado uma retinotomia de esvaziamento. Postoperativamente foi efectuada uma boa recuperação e a retina foi recolada.

Na última consulta em 2 de Junho de 1993 a retina encontrava-se recolocada e foi alcançada uma visão de 2/60. A pressão intraocular subiu a de 32 mm Hg.

Ao Sr. Brito está actualmente ministrado gotas Atropine, Timolol, Dexamatasona e Cloramphenicol, sendo importante que se mantenha sob supervisão oftalmológica regular e que comunique imediatamente quaisquer súbitas alterações.

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