Acórdão nº 2972/07-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelRIBEIRO CARDOSO
Data da Resolução17 de Maio de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, precedendo conferência, na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. Os arguidos C.M. e P. F., invocando o disposto no art. 68.º n.º4 do CPP, vieram requerer, em sede de instrução, fosse declarado nulo e em consequência revogado o despacho que deferiu a constituição como assistente nos autos da denominada Comissão de Moradores …, por entenderem que essa Comissão não existe para efeitos legais e, por isso, não possuindo personalidade jurídica, não tinha legitimidade para se constituir assistente; sustentam ainda que se reconhecesse alguma legitimidade, a procuração junta aos autos pelo porta-voz dessa Comissão não tem validade legal, por não ter havido qualquer acta de reunião da mesma; e que, sendo o crime de poluição, p. e p. pelo art. 279.º do Código Penal, um crime público, "cujo bem jurídico protegido é o meio ambiente, cuja defesa se encontra na esfera jurídica do Estado", nos termos do art. 68.º n.º1 do CPP, não poderia essa Comissão constituir-se como assistente.

  1. A senhora juíza de instrução, precedendo audição do Ministério Público e dos demais sujeitos processuais, veio, em sede de decisão instrutória, a indeferir ao requerido, nos termos e com os fundamentos seguintes: "Nos presentes autos, foi admitida como assistente, a Comissão de Moradores…, por despacho do J.I.C. titular, de fls. 164, datado de 21.07.2006, após cumprimento do disposto no artigo 68°., n°. 4 do Código de Processo Penal, e sem qualquer oposição quer do Ministério Público quer do arguido D.S., único até então constituído nessa qualidade.

    Por requerimento de fls. 229 a 234 (fax: 215 a 220) vieram os arguidos C.M., na pessoa do seu representante legal, e P.F., ao abrigo do disposto no art. 68°., n°. 4 do C.P.P., em 19.10.2006, arguir a nulidade desse despacho por entenderem que: a) essa Comissão não existe para efeitos legais e, por isso, não possuindo legitimidade, não deveria ter sido admitida na qualidade de assistente; b) que a procuração junta pelo porta-voz dessa Comissão não tem validade legal por não ter havido, no entender desses arguidos, qualquer acta de reunião da mesma; e c) que sendo o crime de poluição, p. e p. pelo artigo 279°. do Código Penal, um crime público, "cujo bem jurídico protegido é o meio ambiente, cuja defesa se encontra na esfera jurídica do Estado", nos termos do artigo 68°., n°.1 do C.P.P. não poderia essa Comissão constituir-se como assistente.

    Conclui, por conseguinte, pela revogação do despacho que autorizou a constituição de assistente da mencionada Comissão.

    Notificado o Ministério Público bem como a assistente desse requerimento, vieram respectivamente, a fls. 246 a 252 e 257 e 258, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, pugnar pelo indeferimento do requerido por aqueles dois arguidos, com fundamento nos artigos 68°., n°. l, al. a) e 40°., n°. 4 da Lei de Bases do Ambiente - L.B.A. - (Lei n°. 11/87, de 07.04).

    Foi também notificado o porta-voz da mencionada Comissão, nos termos doutamente promovidos pelo Ministério Público, a fls.251, que veio aos autos, a fls. 284 e 285 e 303, juntar uma lista com a identificação de cinco cidadãos, para além do daquele porta-voz, com pelo menos dois moradores, na zona do Vau, o que não exclui necessariamente que todos eles possuam propriedades nesse local.

    Cumpre apreciar e decidir.

    Como é pacífico na doutrina e na jurisprudência, o despacho de admissão de constituição de assistente não tem efeito de caso julgado formal. Trata-se de um despacho tabelar que pode vir a ser alterado se houverem circunstâncias supervenientes à data da prolação do respectivo despacho de admissão.

    No caso concreto, para além da extemporaneidade do seu requerimento, nos termos do art. 68°., n°. 4 do C.P.P., não assiste razão aos arguidos na sua arguição de falta de legitimidade para a mencionada Comissão se constituir assistente nos presentes autos.

    Efectivamente a Constituição da República Portuguesa, no seu art. 52°., n°. 3, reconhece "a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa" o direito de acção popular e o direito de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização" (cfr. também o art. 40°., n°s. 4 e 5 da L.B.A. e Lei 83/95, de 31 de Agosto).

    O que significa que os cidadãos, individualmente ou associativamente, podem promover a defesa dos interesses difusos, concedendo-se assim, àqueles o "direito de denúncia, queixa ou participação ao Ministério Público" das "infracções", entre outras, da degradação do ambiente e da qualidade de vida.

    A assistente é uma Comissão com intervenção cívica na zona do Bom Sucesso…, residindo naquele local alguns dos subscritores da mencionada denúncia - cfr. fls. 3, in fine e 17 e 18.

    Quanto à procuração junta a fls. 187, a mesma satisfaz os requisitos legais do mandato referente à Comissão em causa (cfr. também fls. 114 a 116 - concessão de apoio judiciário na modalidade "- requerida).

    Relativamente à legitimidade de constituição de assistente da mencionada Comissão no crime de poluição, por ter natureza de crime público, o que está em causa é "a realização do homem na comunidade, ainda que pela via da sua realização social, "como membro da comunidade" (neste sentido. Figueiredo Dias/Anabela Rodrigues, in Temas de Direito de Autor, 114 e segs.).

    Apesar do bem jurídico em causa, o ambiente, ser um bem supra-individual, devem considerar-se ofendidas, para efeito de constituição de assistente, pessoas individuais e colectivas.

    Pelo que não há lugar a qualquer revogação do despacho de fls. 164.

    Indefere-se, por conseguinte, o requerido, julgando-se improcedente a mencionada arguição de nulidade do despacho de fls. 164.

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