Acórdão nº 5062/2005-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 15 de Maio de 2007
Magistrado Responsável | ROQUE NOGUEIRA |
Data da Resolução | 15 de Maio de 2007 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1 - Relatório.
Lusoponte - Concessionária para a Travessia do Tejo, S.A., invocando a sua qualidade de concessionária da obra pública «Nova Travessia Rodoviária sobre o Tejo em Lisboa», no seguimento de pedido de expropriação total da expropriada e ao abrigo do disposto na Cláusula 73ª do Segundo Contrato de Concessão, que a investiu na qualidade de entidade expropriante de todos os imóveis integrados na área das Salinas do Samouco, remeteu ao Tribunal Judicial da Comarca do Montijo o processo de expropriação litigiosa, relativa à Parcela nº106, de que é proprietária a expropriada S.[…] Ld.ª.
Alega que a referida Parcela nº106 é parte integrante de um conjunto de prédios relativamente aos quais a expropriada formulou pedido de expropriação total, na sequência da declaração de utilidade pública de expropriação das parcelas do troço do «Viaduto Sul», identificadas pelos nºs11.1, 11.2, 12.1, 12.2, 13.1 e 13.2, por despacho do Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, publicado no D.R., II Série, Nº68, de 21/3/95.
Mais alega que tal Parcela tem a área de 71 555 m2 e corresponde à totalidade da área do prédio denominado «Contenda Grande», sito na freguesia de Alcochete, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete […] Por despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas, publicado no D.R., II Série, Nº148, de 30/6/97, foi a entidade expropriante autorizada a tomar posse administrativa, entre outras, da mencionada Parcela, tendo-se realizado a vistoria ad perpetuam rei memoriam em 9/10/97 e tendo-se lavrado o auto de posse administrativa em 20/10/97.
Promovida a arbitragem pela entidade expropriante, foi proferido o acórdão dos árbitros, tendo-se obtido uma decisão arbitral por unanimidade, que calculou o valor da indemnização em 23 756 260$00, após o que foi, então, o processo remetido ao tribunal competente, acompanhado de guia de depósito da indemnização arbitrada.
Proferido despacho adjudicando à requerente a propriedade da identificada parcela, o qual foi posteriormente rectificado com declaração de adjudicação ao Estado Português, para integração daquela parcela no seu domínio público, a expropriada interpôs recurso de agravo daquele despacho.
Notificadas da decisão arbitral, expropriante e expropriada interpuseram recurso daquela decisão para o tribunal da comarca da situação dos bens a expropriar.
Admitidos os recursos e respectivas respostas, procedeu-se à avaliação, tendo os Peritos do Tribunal e da expropriante concluído que o justo valor da parcela em questão é de € 90.088,20, enquanto que o Perito da expropriada concluiu pelo valor de € 1.239.332,60.
Apresentadas as alegações, onde a expropriada reduziu o pedido indicado no seu recurso de arbitragem para € 321.233,35, foi proferida sentença, atribuindo à expropriada a indemnização de € 217.615,00.
Inconformadas, expropriante e expropriada interpuseram recursos de apelação daquela sentença.
Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Haverá que conhecer, em 1º lugar, do agravo e, depois, das apelações da expropriada e da expropriante, por esta ordem, atento o disposto no art.710º, nº1, 1ª parte, do C.P.C..
2 - Fundamentos.
2.1. DO AGRAVO 2.1.1. A agravante remata as suas alegações com as seguintes conclusões: 1a - O despacho que adjudica o direito de propriedade do imóvel, interpretou o n° 4 do art° 50° do CE, de uma forma que, ao prescindir da prévia notificação e audição da expropriada, viola o disposto no n° 4 do art. 20° e art°62° da Constituição, art°6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, bem como o disposto nos art°s3°e3°-A do Cod. Proc. Civil.
2a - O despacho em causa, assim, viola o princípio da igualdade das partes na sua vertente do direito da expropriada a intervir no processo judicial após a arbitragem e antes de lhe ser retirado o direito de propriedade - pelo que, face àquelas disposições legais, não podia ter sido proferido como foi.
3a - Sem prescindir, a decisão recorrida baseia-se num falso pressuposto pois considera que o imóvel foi objecto da DUP doc. l do req. inicial, quando, tal acto administrativo, não se refere a este.
4a - Quanto a este, nenhuma parcela do imóvel foi objecto de DUP e, nem tão pouco foi a sua totalidade.
5a - Só pode existir expropriação litigiosa da totalidade de um imóvel, a pedido da expropriada se, nos termos do nº2 do art. 3° e art. 53° do CE, existiu DUP de expropriação de uma sua parcela.
6a - A decisão da Lusoponte, em resposta ao alegado pedido de expropriação total de imóveis da expropriada não abrangidos pela DUP parcelar doc. l do req. inicial (de D.R. 23.3.95), não se refere ao imóvel destes autos, nem pode ser interpretada com tal abrangência, face ao n° 2 do art° 3° e art. 53° do CE.
7a - O alegado pedido de expropriação total, ou resultava em transferência dos direitos de propriedade por mútuo acordo, nos termos do art. 2°, 32° a 36° do CE, ou, na falta deste, não tendo existido DUP sobre parcela do imóvel ora em causa, então, por força do n° 2 do art. 62° da Constituição e, art°s 1° e n° 2 art. 10° do CE explicitam, não há título legal para a expropriação litigiosa.
8a - A obrigação de expropriar o imóvel em causa, tal como consta da Base LXVIII DL n°168/94 de 15/06 DR n°163/94, não dispensa uma especifica DUP, por força do n° 2 art. 62° da Constituição e, art. 1° e n° 2 art. 10° do CE - a qual, de facto, não existe.
9a - Tal falta, configura-se como omissão de causa de pedir ou de elemento/pressuposto nuclear do processo judicial de expropriação, pelo que, face ao disposto na al. e) art. 287° e/ou, al. e) n° l art. 288° CPC, a decisão recorrida não só não podia adjudicar a propriedade, como devia extinguir a instância.
10a - Por se encontrarem nos autos todos os elementos que permitem a correcta apreciação das questões, deve o tribunal "ad quem" anular a decisão e, julgar extinta a instância, por falta insanável da DUP do imóvel em causa.
2.1.2. A agravada contra-alegou, concluindo nos seguintes termos: A. O despacho recorrido não viola o principio do contraditório consignado no artigo 3° do CPC, nem o principio da igualdade das partes que se encontra previsto no artigo 3°-A do CPC, porquanto, B. O primeiro destes princípios não tem aplicação na fase que precede o proferimento do despacho de adjudicação de propriedade, nem sequer nos autos ocorreu qualquer facto que pudesse determinar contradição.
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Do mesmo modo, o despacho sob recurso não violou o principio da igualdade das partes porquanto face à lei aplicável - o artigo 50° do CE - deu, àquelas, o tratamento que se encontra previsto no respectivo n.°4, através da notificação a ambas do despacho e decisão arbitral.
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Por outro lado, a adjudicação de propriedade que se encontra contida no despacho em apreço, não violou os artigos 17°, 20° e 62° da CRP, permitindo antes a correcta aplicação do previsto nestes disposições, ou seja, assegurar à expropriada a determinação da justa indemnização prevista no artigo 22° do CE.
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O despacho sob recurso foi antes proferido em conformidade, e com integral respeito, do preceituado no n.°4 do artigo 53° do CE, uma vez que se encontravam verificados os condicionalismos nele previstos.
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Igualmente, no presente processo de expropriação não cabia, face ao previsto no artigo 53° do CE, proferimento de despacho de declaração de utilidade pública de expropriação, porquanto ela se fundou em deferimento de pedido de expropriação total da aqui agravante.
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Pelo que nem tem aplicação ao caso o artigo 10° do CE, improcedendo, desta forma, o pedido de extinção da presente instância formulado pela agravante.
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Não se tendo sequer verificado as falsidades que a agravante imputa a tal despacho e ao autor do mesmo.
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O citado despacho enferma, apenas, de imprecisão que deverá levar à reforma do mesmo, nos termos do art.669º, nº2, al.b), do CPC, nos seguintes termos: «Por despacho 6-XII/95 de Sua Exa. o Sr. Ministro das Obras Públicas Transportes e Comunicações, de 27.02.95, publicado no D.R., II Série nº68, de 21.03.95, foi declarada a utilidade pública urgente da expropriação das parcelas de terreno da expropriada, tendo a expropriação da parcela 113, que se mostra necessária à recuperação da área das Salinas do Samouco, resultado de deferimento do pedido de expropriação total da expropriada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 53º do Código das Expropriações, e versou as parcelas de terreno correspondentes aos prédios identificados no despacho nº2928-A/97 de 27.06 do Senhor Secretário de Estado das Obras Públicas, publicado no DR nº148/94 de 30.06».
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Face às condutas da agravante que atrás se assinalaram, deverá esta ser condenada em litigância de má fé, nos termos da alínea a) do n.° 2 do artigo 456° do CPC, em multa e indemnização segundo os usos desse Tribunal.
2.1.3. A única questão que importa apreciar no recurso de agravo consiste em saber se o despacho recorrido, proferido ao abrigo do disposto no art.50º, nº4, do Código das Expropriações, aprovado pelo DL nº438/91, de 9/11 (serão deste Código as demais disposições citadas sem menção de origem), que adjudicou ao expropriante a propriedade da parcela nº106, identificada nos autos, é ilegal, por ter sido proferido sem prévia audição da expropriada e por faltar declaração de utilidade pública relativa ao imóvel.
Vejamos o que consta dos autos.
No dia 21/3/95, foi publicada no D.R. a declaração de utilidade pública, com carácter de urgência, das expropriações das parcelas de terreno necessárias à construção da nova travessia rodoviária sobre o Tejo, em Lisboa, identificadas em anexo, entre as quais as parcelas 11.1, 12.1, 12.2, 12.3, 13.1 e 13.2, pertencentes à expropriada Sociedade […] Ld.ª (fls.11 a 13).
Tendo a expropriada sido notificada nos termos da al.a), do art.45º, formulou, em 20/7/95, pedido de expropriação total da área global de 158,124 ha, que incluía diversas marinhas, entre as quais a marinha denominada...
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