Acórdão nº 10545/2006-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 02 de Maio de 2007
Magistrado Responsável | NATALINO BOLAS |
Data da Resolução | 02 de Maio de 2007 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa I - Relatório P… intentou a presente acção com forma de processo comum contra o Banco… pedindo que se declare a ilicitude do despedimento e se condene a Ré a pagar ao Autor: (…) Para fundamentar a sua pretensão invoca que foi admitido ao serviço da Ré e foi despedido sem justa causa, tendo sofrido prejuízos patrimoniais e não patrimoniais em virtude do despedimento, bem como nulidades praticadas no decurso do processo disciplinar.
A Ré contestou invocando que despediu o Autor com justa causa e que não se verificam as nulidades invocadas.
Procedeu-se a julgamento, e, após assente a matéria de facto, foi proferida sentença cuja parte dispositiva se transcreve: "Nestes termos, julgando a acção improcedente, absolvo a Ré dos pedidos contra si formulados.
Custas pelo Autor".
Inconformado com a sentença, veio o Autor interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes conclusões: (…) O Réu contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação.
Nada obstando ao conhecimento da causa, cumpre decidir.
O âmbito do recurso é triplamente delimitado.
Primeiro, é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida.
Segundo, é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil).
Terceiro, o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente.
Na perspectiva da delimitação pelo recorrente, os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil) , salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).
Assim, as questões a que cumpre dar resposta no presente recurso são as seguintes: - Se a sentença é nula por excesso de pronúncia ou por falta de fundamentação; - Se a matéria de facto deve ser alterada conforme pretendido pelo recorrente; - Se o poder disciplinar se encontra prescrito; - Se o despedimento do autor foi ilícito porque - o processo disciplinar é nulo por violação do direito de defesa do Autor; - não existe justa causa para despedimento II - FUNDAMENTOS DE FACTO Os factos considerados provados, com interesse para a decisão da causa, são os seguintes: (…) III - FUNDAMENTOS DE DIREITO 1.ª Questão - As invocadas nulidade da sentença por excesso de pronúncia e falta de fundamentação.
Não tem razão, o recorrente, conforme veremos de seguida.
As nulidades da sentença estão estabelecidas, de forma taxativa, nas várias alíneas do n.º 1 do art.º 668.º do CPC sob a epígrafe "Causas de Nulidade da Sentença", e que têm o seguinte teor: 1. É nula a sentença:
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Quando não contenha a assinatura do juiz; b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão; d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Todas as eventuais anomalias da sentença que não possam ser reconduzidas a qualquer destas alíneas, não constituem nulidades da sentença.
No caso dos autos o recorrente invoca a nulidade da sentença por: a) - excesso de pronúncia, na medida em que: a1) - o tribunal considerou que o dever de exclusividade resulta da declaração de fls. 77, sendo que não poderia tomar conhecimento desses factos ou questões, pois não constavam do processo disciplinar e não foram alegados pelas partes.
a2) - o tribunal, para justificar o despedimento, "ainda que de forma vaga", entende que "não está só em causa a violação do pacto de exclusividade, mas também a concreta actividade que o A, passou a exercer", sendo que a questão da profissão de solicitador de execução não consta da nota de culpa, só tendo surgido no relatório final e na decisão do despedimento.
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- por falta de fundamentação, tendo em conta que, afirmar-se que "… a relação de confiança constitui o substrato de qualquer contrato de trabalho" e que "ponderado o tipo de actividade exercida pelo A. se solicitador de execução, por confronto com as tarefas que lhe incumbiam enquanto trabalhador da R. como solicitador, parece-me não ser exigível à R. a manutenção do contrato" não pode ser considerada uma fundamentação relevante.
Em primeiro lugar analisaremos a invocada nulidade por excesso de pronúncia (art.º 668.º n.º 1 al. d) do CPC).
Conforme determina o art.º 660.º n.º 2 do CPC, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
O excesso pronúncia consiste no facto de o juiz conhecer, na sentença, de questão de que não podia tomar conhecimento.
Há que precisar, desde logo, o que se entende por "questão" suscitada pelas partes.
Para o Prof. Alberto dos Reis - Código de Processo Civil anotado (Reimpressão), Coimbra Editora, Lim., vol. V pág. 58 - a palavra «questões» "designa, não só o pedido propriamente dito, mas também a causa de pedir. Desta maneira, quando o juiz julga procedente a acção com fundamento em causa de pedir diversa da alegada pelo autor, conhece de questão que o autor não submeteu à sua apreciação, isto é, de questão de que não devia tomar conhecimento, atento o disposto no art.º 660.º; a sentença incorre, portanto, na nulidade prevista na 2.ª parte do n.º 4 do art.º 668.º (nulidade actualmente prevista no n.º 1 al. d) do mesmo artigo)".
Pedido é toda a questão que a parte submete ao juiz, todo o ponto acerca do qual reclama do juiz um julgamento (e não só o pedido principal, mas também as questões secundárias que constituem premissas indispensáveis para a solução da questão principal).
E a causa de pedir não significa o enquadramento jurídico que o autor deu aos factos.
"Uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, os argumentos e os meios de que a parte se socorre para fazer valer a dita causa" (Ob. Citada, pág. 56).
A causa de pedir é o facto concreto (ou o conjunto de factos concretos) em que a parte se funda para formular o seu pedido.
De modo que, se o juiz se pronunciou sobre as questões que lhe foram colocadas - e só estas - mesmo que com recurso a fundamentos jurídicos diferentes dos alegados pelas partes, não cometeu a nulidade a que se refere a al. d) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC pois não se devem confundir fundamentos ou argumentos jurídicos com as "questões" a que se reportam os art.ºs 660.º n.º 2 e 668.º n.º 1 al. d) do CPC (este é hoje entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência - v, entre outros, o Ac. do STJ, de 11/01/2000, Revista n.º 1062/99 - 6.ª Secção (in www.cidadevirtual.pt/stj/secciv.html): "Só ocorre nulidade do acórdão nos termos do art.º 668.º, n.º 1, al. d), do CPC, se o tribunal deixar de pronunciar-se ou se se pronunciar indevidamente sobre questões suscitadas e não os simples argumentos e opiniões ou doutrinas expendidas pelas partes", ou os os Acs. do STJ de: 11/01/2000, Revista n.º 1062/99 - 6.ª Secção in www.cidadevirtual.pt/stj/secciv.html; 02/10/2003, in "Rec. Rev. nº 2585/03 - 2ª sec." e 02/10/2003, in "Rec. Agravo nº 480/03 - 7ª sec.".].
O recorrente entende que a sentença é nula porque o tribunal: a1) - se pronunciou sobre questão que lhe não foi colocada ao considerar que o dever de exclusividade resulta da declaração de fls. 77, sendo que não poderia tomar conhecimento desses factos ou questões, pois não constavam do processo disciplinar e não foram alegados pelas partes.
Ora ao pronunciar-se sobre a declaração de fls. 77 e nos termos em que o fez, o tribunal apenas analisou, como devia, um elemento de prova constante dos autos - o que não constitui qualquer "questão" de que o juiz não pudesse tomar conhecimento.
Improcede, nesta parte, a alegada nulidade da sentença.
a2) - para justificar o despedimento, afirmou que "não está só em causa a violação do pacto de exclusividade, mas também a concreta actividade que o A, passou a exercer", sendo que a questão da profissão de solicitador de execução não consta da nota de culpa, só tendo surgido no relatório final e na decisão do despedimento.
Também não tem razão nesta alegação.
Logo no art.º 1.º da contestação, vem colocada ao tribunal a questão da profissão de solicitador de execução.
Por isso mesmo, o tribunal teria de se pronunciar sobre essa questão.
Saber se errou ou não nessa apreciação e se era de ter em conta para a decisão final já não é matéria de nulidade da sentença mas de eventual erro na aplicação do direito que poderá conduzir à revogação da sentença.
Improcede, também nesta parte, a alegada nulidade da sentença.
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- não fundamentou a sentença, tendo em conta que, afirmar-se que "… a relação de confiança constitui o substrato de qualquer contrato de trabalho" e que "ponderado o tipo de actividade exercida pelo A. se solicitador de execução, por confronto com as tarefas que lhe incumbiam enquanto trabalhador da R. como solicitador, parece-me não ser exigível à R. a manutenção do contrato" não pode ser considerada uma fundamentação relevante.
A sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto ou de direito que justificam a decisão (art.º 668.º n.º 1 al. b) do CPC)..
Tal como desde sempre se entendeu, quer a nível da doutrina, quer da jurisprudência, só constitui nulidade a falta absoluta de fundamentação.
"A motivação incompleta, deficiente ou errada não produz nulidade, afectando somente o valor doutrinal da sentença e sujeitando-a consequentemente ao risco de ser revogada ou alterada...
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