Acórdão nº 1054/2007-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 27 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelMARGARIDA BLASCO
Data da Resolução27 de Março de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa1-Nos autos de inquérito com o n.º358/05.5GFLRS-A, pendentes nos Serviços do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da comarca de Loures, em que se investigam factos susceptíveis de integrar, em abstracto, a prática de ilícito criminal, crime de roubo qualificado p. e p. 210º, nºs 1 e 2, al. b) por referência ao art. 204º,nº2, al. f), ambos do Código Penal (CP), o Ministério Público (MP) pretende apurar a identificação do titular de conta da CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS (adiante designada por CGD), para o que notificou esta entidade bancária no sentido de informar a identidade completa e morada daquele.

2- Esta instituição bancária recusou-se a fornecer tais elementos, alegando que os mesmos estão sujeitos a segredo bancário.

3- Perante esta recusa, o MP requereu à Mma. Juíza de Instrução o levantamento do sigilo bancário que impende sobre esta instituição bancária, e a consequente junção aos autos dos elementos em causa, em cumprimento de um dever de colaboração com a administração da justiça.

4- A Mma. Juíza de Instrução proferiu despacho ordenando o levantamento do sigilo bancário para obtenção dos referidos elementos de investigação e que aqui se transcreve: (…) Promove a Digna Magistrada do Ministério Público que se determine o levantamento do sigilo bancário e seja solicitada à CGD informação quanto à identificação dos titulares da conta através da qual foram efectuadas transacções de carregamento de telemóvel.Apreciando.

Dispõe o art. 78 °, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 298/92, de 31 de Dezembro que "os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários (..) não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes (..) ".

Especifica o seu n° 2 que "estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as' contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias ".

Todavia, dispõe o art. 79.° do mesmo diploma, como excepção a essa regra, que o dever de segredo cessa nos termos previstos na lei penal e de processo penal.

Nos termos do art. 195.° do Código Penal, "quem, sem consentimento, revelar segredo alheio de que tenha conhecimento em razão do seu 'estado, oficio, emprego, profissão ou arte, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias".

Muito embora este normativo só refira o consentimento como facto negativo ou de exclusão da ilicitude do tipo, não deverá ser esquecido o normativo geral do art. 31.1', n.°S 1 e 2, al. c) ou do art. 36.°, n.° 1, ambos do Código Penal.

Do primeiro resulta que o facto não é punível se for praticado no cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima de autoridade.

O segundo, por sua vez, exclui a ilicitude do acto quando, em situação de conflito de deveres; se satisfizer dever ou ordem, de valor igual ou superior ao dever ou ordem que sacrificar.

Ora, o segredo bancário não constitui um direito absoluto, mas antes um direito que deve ceder perante as exigências de uma correcta e eficaz administração da justiça, cuja responsabilidade incumbe aos tribunais, enquanto órgãos de soberania.

No conflito entre o respeito pelo segredo bancário e o acatamento das ordens das autoridades judiciárias competentes, tendo em vista a apreciação dos crimes em investigação, deve prevalecer este último, de valor superior.

Esta ponderação, que exclui a ilicitude da conduta prevista no art. 195.° do Código Penal, assenta no facto de o interesse da realização da justiça criminal, onde prepondera o interesse público (em especial nos crimes com natureza pública ou semi-pública), dever ser considerado na hierarquia dos valores superior ao do interesse particular do cliente bancário visado ou de algum interesse público conexo com a preservação do segredo bancário (neste sentido, Acórdãos da Relação de Lisboa, de 28/0111997 e de 01/1211996, respectivamente, in CJ XXII e XXI, tomos I e V, ps. 155 e 152).

Como se escreveu no Acórdão da Relação de Lisboa de 21/10/1997, in CJ, ano XXII, tomo IV, p. 118, a proibição de divulgação de elementos bancários, enquanto objecto do dever de segredo bancário, só pode ir "até onde é útil e necessário e cessa quando a sua manutenção só pode representar a impunidade de criminosos ou o favorecimento de devedores inadimplentes ".

Acresce que não há que suscitar o incidente de quebra do segredo bancário perante o Tribunal da Relação de Lisboa.

À matéria do segredo profissional refere-se o art. 135.° do Código de Processo Penal, que preceitua no seu n.° 2, parte final, que se o tribunal concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena a prestação das informações, devendo o tribunal, se pelo c9ntrário concluir pela legitimidade da escusa, suscitar perante o tribunal superior a prestação de colaboração com quebra do segredo bancário (o que será ordenado sempre que tal quebra se mostre justificada perante o princípio da prevalência do interesse preponderante).

Na verdade, é nosso entendimento que ao tribunal de la instância é que cumpre ordenar a prestação das informações pelo recusante se entender que a escusa é ilegítima, só lhe sendo possível remeter para o tribunal superior a decisão de quebra do segredo bancário se entender que a recusa é fundada (só há quebra do segredo quando este se puder legitimamente afirmar).

É este o entendimento legal e jurisprudencial. E que, como salienta o Tribunal da Relação de Lisboa (Acórdão citado supra - 04/12/1996), "(..) não se acha qualquer justificação para que os pressupostos da exclusão da ilicitude devam ser apreciados e decididos em processo comum na 1° instância quando se trate de responsabilidade criminal de um arguido e tenham de ser apreciados por um tribunal superior quando se trate de um mero incidente de quebra do segredo profissional".

Nos presentes autos investigam-se factos susceptíveis de integrar a prática do crime de roubo qualificado, p. e p. pelo art. 210 °, n.°S 1 e 2 al. b), por referência ao art. 204.°, n.° 2 al. f), ambos do Código Penal.

Efectivamente, das diligências até agora realizadas resulta que o ofendido nos autos foi abordado, no dia 03/06/2005, por 3 indivíduos que mediante ameaças e a exibição de duas armas brancas, fizeram com o que o mesmo entregasse alguns objectos que lhe pertenciam, entre os quais um telemóvel, que se apurou ter vindo posteriormente a ser utilizado e no qual foram efectuados vários carregamentos, com os códigos referidos a fls. 12 e 14, alguns através da instituição bancária supra referida.

Afigura-se, pois, essencial, à prossecução da investigação com a identificação dos autores do ilícito em causa, apurar quais as contas e a identificação dos respectivos titulares, através das quais foram efectuados os carregamentos em causa, sendo certo que, atenta a forma de actuação utilizada e o resultado das diligências até agora desenvolvidas, não se vislumbram quaisquer outros meios de obtenção de prova que, de forma menos lesiva dos direitos, permitam alcançar, de modo eficaz, as finalidades da investigação.

Conclui-se, deste modo, que do confronto entre o segredo profissional e a necessidade de segurança dos cidadãos e repressão do crime terá o primeiro dos valores, necessariamente, que ceder.

Pelo exposto, considero ilegítima a recusa da Caixa Geral de Depósitos em satisfazer o pedido formulado e, em consequência, determino que a referida entidade bancária informe, no prazo de 10 dias, qual o número das contas e a identificação dos respectivos titulares, através das quais se procedeu aos carregamentos discriminados a Is. 12 e 14.

(…) 5- A CGD, na qualidade de interveniente acidental, interpôs recurso de tal despacho apresentando motivação, da qual, extrai as seguintes conclusões, que se transcrevem: (…) 1.O Tribunal a quo ordena a disponibilização pela CGD de elementos relativos à identificação de titulares de contas abertas nesta CGD, elementos estes protegidos pelo dever de sigilo bancário.

  1. A CGD, invocando o dever de segredo bancário ao qual está por lei obrigada, tinha recusado a satisfação de anterior pedido.

  2. No oficio recorrido, o Tribunal a quo insiste no fornecimento dos elementos em causa.

  3. Ao fazê-lo, o Tribunal a quo viola o disposto no n.° 3 do artigo 135.° do CPP, já que, face à legitimidade da anterior recusa da CGD, deveria ter suscitado junto do Tribunal da Relação de Lisboa o incidente de prestação de informação com quebra do dever de segredo.

    5- Na verdade, concordando com a interpretação daquela norma feita pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 06/02/2003, relativo ao processo n.° 03P159, m www.dgsi.pt, Sumário - ponto III, também a CGD defende que; "A decisão sobre o rompimento do segredo é da exclusiva competência de um tribunal superior ou do plenário do Supremo Tribunal de Justiça, se o incidente se tiver suscitado perante este tribunal.".

    6-O oficio ora recorrido está, nos termos do disposto na alínea e), do artigo 119° do CPP, ferido de nulidade por violação da regra de competência em razão da hierarquia, ínsita no n° 3 do artigo 135° do CPP, na parte em que ordena de novo a entrega da informação bancária já antes recusada ao abrigo do segredo bancário.

    7- Ao que acresce que, uma invocação da ilegitimidade da escusa da CGD pelo Tribunal a quo conduz à nulidade da prova assim recolhida, conforme previsto no nº3 do art. 126º do CPP, já que o segredo bancário pertence ao grupo de direitos destinados a preservar a intimidade da vida privada.

    8- Sendo nulo o ofício e inexistindo decisão do Tribunal da Relação que determine no caso concreto a quebra do segredo bancário, não pode a CGD considerar-se deste desobrigada.

    9- Ao abrigo da 2a parte...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT