Acórdão nº 10502/2006-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 27 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelJOSÉ ADRIANO
Data da Resolução27 de Março de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, em audiência, na 5.ª Secção (Criminal) da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO: Em processo comum que correu termos no 2.º Juízo Criminal do Tribunal de Oeiras, sob acusação do Ministério Público e após pronúncia, foi submetida a julgamento - entre outros arguidos que foram absolvidos - e condenada a arguida S…, pela prática de um crime de desobediência simples - p. e p. pelos arts. 88.º, n.º 2, al. a), do CPP, 348.°, n.º 1, al. a), do Código Penal, com referência aos arts. 29.º, 60.º, n.º 1 e 67.º, da Lei 31-A/998, de 14/7, a que correspondem actualmente os arts. 33.º, 65.º, n.ºs 1 e 2 e 81.º da Lei 32/03 de 22/8 e art. 30.º, n.ºs 1 e 2 e 31.º, n.º 3, da Lei 2/99, de 13/01 - na pena de 40 (quarenta) dias de multa, à razão diária de 10 (dez) euros, para além das custas do processo, tendo sido determinada a não transcrição da sentença nos certificados de registo criminal a que se referem os arts. 11.º e 12.º da Lei 57/98, de 18/08.

Inconformada com tal decisão, recorreu a arguida para este Tribunal da Relação, formulando as seguintes conclusões: «

  1. Os documentos e excertos publicados na notícia em causa pertenciam, então, a processo abrangido pela disposição contida nos preceitos no artigo 86 do CPP, porquanto o mesmo se encontrava no culminar da fase de inquérito e antes, sequer, de ter sido requerida Instrução; B) Assim sendo, não se acha preenchido o elemento objectivo da norma penal em branco contida no art. 88 n.º 2 a) do CPP, uma vez que esta só se aplica a documentos ou elementos de processo que já não se encontrem em segredo de justiça; C) Pelo que deve a recorrente ser absolvida da pena em que foi condenada, uma vez que não vem acusada da comissão do crime de violação de segredo de justiça, único em que o seu comportamento poderia estar incurso; D) Mas mesmo que assim se não entenda, o que se admite por cautela, não só é lícito o comportamento da Recorrente, E) Como foi levado a cabo condicionado por princípios de ressonância ética, portanto, sem consciência da sua eventual ilicitude, caso ela venha a ser reconhecida, F) Pelo que o mesmo se acha justificado, do ponto de vista da culpa e da ilicitude, devendo, em consequência, ser a Recorrente, mais que não seja por isso, absolvida; G) O artigo 88.º do Código de Processo Penal está ferido de inconstitucionalidade material, por violação dos princípios da proporcionalidade ou necessidade de incriminação e do princípio da culpa; H) E é inconstitucional a aplicação, ao caso concreto, do artigo 88 n.º 2 a) do CPP, por violação do disposto nos arts. 37° e 38° da CRP e no art° 10.º da CEDH; I) Ao decidir de outro modo, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 18, 25, 37 e 38 da CRP, 86 e 88 do CPP, 14 a) da Lei n.º 1/99, de 13 de Janeiro e artigos 31, n.º 2, b) e 36 n.º 1 do CP».

Admitido o recurso, respondeu o MP, que defendeu a manutenção da sentença recorrida, concluindo da seguinte forma: «1. O artigo 88.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal aplica-se à reprodução de peças processuais ou de documentos incorporados no processo, quer estes estejam - como sucede no caso "sub judice" - quer não estejam abrangidos pelo segredo de justiça; 2. Caso contrário não se compreenderia a expressão "até à sentença de 1.ª instância" constante daquele normativo, essa sim delimitadora do âmbito de aplicação da disposição legal; 3. Para lesar o bem jurídico protegido pela incriminação prevista no artigo 88.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal - serenidade na administração da justiça - basta a simples reprodução não autorizada de peças processuais no decurso de um processo judicial, sendo indiferente, para este efeito, que as mesmas se encontrem abrangidas pelo segredo de justiça.

  1. O artigo 88.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal comina com a desobediência simples a reprodução de peças processuais ou de documentos incorporados no processo, até à sentença de 1.ª instância, sem que tenha havido autorização expressa para o efeito, independentemente de tais peças ou documentos se encontrarem abrangidos pelo segredo de justiça.

  2. Da matéria de facto constante da decisão proferida (cfr. pontos 16 e 19) resulta que a arguida actuou com consciência da ilicitude da sua conduta aí se sublinhando a sua actividade profissional de jornalista, pelo que não tendo sido impugnada pela recorrente a matéria de facto, não pode tal matéria ser posta em causa como pretende a recorrente; 6. O artigo 88.º do Código de Processo Penal estabelece limites à liberdade de informação e de imprensa consagrada nos artigos 37.º, 38.º da CRP e artigo 10.º da CEDH.

  3. No entanto, tais restrições estão em conformidade com o disposto no artigo 18.º, n.º 2 da CRP, não se configurando nesta sede qualquer violação do princípio da proporcionalidade.

  4. Também não se vê como pode ter sido violado o princípio da culpa, sendo certo que nesta sede a recorrente limita-se a tecer considerações genéricas quanto ao citado principio, não identificando em que medida ocorreu com a aplicação do citado artigo 88.º do Código de Processo Penal a alegada violação do princípio da culpa.

  5. O artigo 88.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal apesar de consagrar restrições ao disposto nos artigos 37.º e 38.º da CRP e artigo 10.º da CEDH não enferma de qualquer inconstitucionalidade, na medida em que tais restrições respeitam o disposto no artigo 18.º, n.º 2 da CRP.

  6. Assim, não se vê em que medida poderá a sua aplicação no caso concreto constituir uma violação do disposto nos artigos 37.º, 38.º da CRP e artigo 10.º da CEDH.

  7. Nestes termos, a sentença objecto do presente recurso fez um adequado enquadramento jurídico dos factos e procedeu a uma rigorosa interpretação e aplicação dos preceitos legais vigentes».

    Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta apôs "visto", reservando para audiência de julgamento a produção de alegações acerca do objecto do recurso.

    Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos legais, tendo de seguida lugar a audiência, com observância do formalismo legal. Cumpre decidir***II. FUNDAMENTAÇÃO: 1. Conforme Jurisprudência uniforme nos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelos recorrentes a partir das respectivas motivações, que delimitam e fixam o objecto dos recursos que lhes são submetidos, sem prejuízo da apreciação das demais questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

    No caso sub judice não teve lugar a gravação da prova, porquanto acusação e defesa prescindiram da respectiva documentação, nos termos do art. 364.º, n.º 1, do CPP (cfr. acta de fls. 437). Pelo que, este tribunal de recurso conhece apenas de direito, sem prejuízo do disposto no art. 410.º, n.ºs 2 e 3, do mesmo Código.

    Das conclusões acima transcritas extrai-se que a recorrente submete à apreciação deste tribunal as seguintes questões, restritas a matéria de direito, como aquela expressamente refere ao iniciar a respectiva motivação:

    1. A apurada conduta da arguida não preenche os elementos objectivos do crime de desobediência pelo qual foi condenada, porque o art. 88.º, n.º 2, al. a), do CPP, só se aplica a documentos ou elementos de processo que já não se encontre em segredo de justiça? b) O comportamento da recorrente é lícito, porque justificado, já que foi levado a cabo condicionado por princípios de ressonância ética, portanto, sem consciência da ilicitude? c) O artigo 88.º do Código de Processo Penal está ferido de inconstitucionalidade material, por violação dos princípios da proporcionalidade ou necessidade de incriminação e do princípio da culpa? d) E é inconstitucional a aplicação, ao caso concreto, do artigo 88.º, n.º 2, al. a), do CPP, por violação do disposto nos arts. 37° e 38° da CRP e no art° 10.º da CEDH? 2. Vejamos o teor da decisão recorrida quanto a matéria de facto: a) Factos declarados provados (transcrição): «1°- Todos os arguidos são jornalistas de profissão, exercendo-a no canal de televisão "…", que emite os seus programas em C…, área desta Comarca.

      1. - O primeiro arguido exercia, em 3-6-99, as funções de subdirector para a área da informação dos serviços noticiosos denominados "…" emitido diariamente às 13.00 "…" emitido pela "…" também diariamente às 20,00 horas do referido dia 3-6-99.

      2. - O segundo arguido exercia as funções de coordenador dos serviços noticiosos da "…" e, à data dos factos, coordenou efectivamente quer o "…" emitido às 13.00 horas, quer o "…" que foi para o ar às 20.00 horas.

      3. - A arguida S… é autora da peça jornalística que a seguir se refere, em que a sua voz aparece em off e em que é mostrado às audiências a peça processual que constitui o despacho de acusação, integralmente descrita...

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