Acórdão nº 10566/2006-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 20 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelRUI VOUGA
Data da Resolução20 de Março de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, na Secção Cível da Relação de Lisboa: Nas Varas Cíveis de Lisboa, Banco S. A., intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra Restaurante Lda e João, pedindo a condenação solidária dos réus a pagarem-lhe a quantia de € 20.105,83, acrescida de € 979,98 de juros vencidos até 11 de Julho de 2002, € 39,20 de imposto de selo sobre estes juros e os juros que sobre o dito montante se vencerem à taxa de 20,93%, desde 13 de Julho de 2002, até integral pagamento.

Para tanto, alegou, resumidamente, que: a) no exercício da sua actividade celebrou com a 1ª Ré um acordo pelo qual lhe emprestou a quantia € 17.956,72, com juros à taxa nominal de 16,93% ao ano, devendo a importância em divida ser paga em 60 prestações mensais e sucessivas, no valor de € 456,64 cada; b) ficou acordado que a falta de pagamento de qualquer das prestações implicaria o vencimento de todas elas e, em caso de mora, acrescia à taxa de juros convencionada 4 pontos percentuais; c) Iniciando-se o pagamento das prestações a 10 de Abril de 2001, a Ré não pagou a 7ª prestação (vencida a 10/10/2001) e seguintes, vencendo-se então todas; d) O 2º Réu assumiu, por termo, a qualidade de fiador e principal pagador das obrigações da ré decorrentes do referido acordo.

Os Réus contestaram, alegando, em síntese, que, no momento da celebração do contrato de mútuo invocado pela Autora, não lhe foram explicadas as cláusulas gerais do mesmo, que são por este motivo inválidas. Acresce que tal clausulado, porque subsequente à sua assinatura no documento em que ficou reduzido a escrito o empréstimo, jamais poderia considerar-se parte do acordo celebrado.

A Autora replicou, alegando que foram cumpridos, por parte da mesma, os deveres de comunicação e informação referidos e pugnando pela validade do clausulado geral constante do verso do acordo..

O processo foi saneado, fixaram-se os factos assentes por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena e organizou-se a base instrutória, após o que se seguiu a instrução dos autos.

Discutida a causa em audiência de julgamento (com gravação da prova testemunhal produzida) e decidida a matéria de facto controvertida, veio a ser proferida (em 12/6/2006) sentença final que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou solidariamente os réus Restaurante, Lda. e João a pagar ao Banco, S. A. a quantia de € 24.658,53 ( vinte e quatro mil seiscentos e cinquenta e oito euros e cinquenta e três cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, desde 10 de Outubro de 2001, à taxa legal vigente para os juros comerciais, até integral e efectivo pagamento, bem como o imposto de selo à taxa de 4% que sobre esses juros recair, absolvendo-os do demais peticionado.

"Uma vez que a A. procedeu à venda do veículo, em 18/04/02, ao valor acima referido de Euros 24.658,53 e respectivos juros até 18/04/02, deduz-se, nos termos do art° 785 do C.C., o valor obtido com a venda, de Euros 7.346,73." Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação da referida sentença, tendo extraído das alegações que apresentou as seguintes conclusões: "1. O A., ora recorrente, não violou o dever de comunicação previsto no artigo 5º do referido Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, pelo contrário cumpriu-o inteiramente.

  1. O A., ora recorrente, não tem obrigatoriamente que ler e explicar aos seus clientes os contratos que com eles celebra - excepto evidentemente se estes não souberem ler ou tiverem dúvidas acerca do conteúdo do contrato e lho solicitarem -, o que o A., ora recorrente, tem que fazer - e faz - é assegurar que as condições contratuais acordadas constam dos contratos antes de estes serem assinados, precisamente para permitir que quem use de "comum diligência" possa ler e analisar o contrato, e estar à disposição dos seus clientes para lhes prestar quaisquer esclarecimentos que estes lhe solicitem sobre os contratos que celebra.

  2. Se porventura o representante da sociedade R., ora recorrida, não leu o contrato de locação financeira mobiliária dos autos antes de o assinar foi porque não o quis ler, ou porque não teve o mínimo de diligência para se inteirar do contrato que confessadamente assinou.

  3. Ressalta do contrato dos autos que aquando da assinatura pelo representante da sociedade R., ora recorrida, do contrato de mútuo dos autos já as respectivas condições gerais deste, bem como tudo o que nele é impresso, se encontravam integralmente impressas, pelo que as condições gerais do contrato de locação financeira mobiliária dos autos lhe foram efectivamente comunicadas, tendo este, inclusivé assinado as ditas condições gerais.

  4. Não devia, assim, o Sr. Juiz a quo ter concluído pela exclusão da Cláusula 11ª, n.º 4, alínea c) das Condições Gerais do Contrato por pretenso não cumprimento pela A. do dito dever de comunicação, da referida Cláusula 11ª, n.º 4, alínea c) das Condições Gerais do Contrato de mútuo dos autos, relativamente à R., ora recorrida, sendo que o representante da sociedade R. ora recorrida, para além de ter assinado as ditas Condições Gerais do Contrato do autos, jamais solicitou ao A. ou a quem quer que fosse qualquer esclarecimento quanto às mesmas, pelo que também não solicitou qualquer esclarecimento quanto à dita Cláusula 11ª, n.º 4, alínea c) das Condições Gerais do Contrato.

  5. O Senhor Juíz a quo ao não condenar na sentença recorrida os RR. ora recorridos na totalidade do pedido, em virtude da exclusão das Condições Gerais do Contrato de mútuo dos autos, interpretou e aplicou erradamente o disposto nos artigos 5º e 8º do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro e nos artigos 806º, nº 2 do Código Civil.

  6. Nestes termos, deve ser dado inteiro provimento ao presente recurso de apelação, e, por via dele, proferir-se acórdão que revogue a sentença recorrida e que julgue a acção inteiramente procedente a provada, condenando os RR., ora recorridos, solidariamente entre si, na totalidade do pedido formulado, como é de inteira JUSTIÇA".

Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

O OBJECTO DO RECURSO Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (1)(2).

Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º) (3)(4).

Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.

No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pela Autora ora Apelante que o objecto do presente recurso está circunscrito às questões de saber: 1) Se o cumprimento do dever de comunicação previsto no artigo 5º do referido Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, não implica que a Autora tenha obrigatoriamente que ler e explicar aos seus clientes os contratos que com eles celebra - excepto se estes não souberem ler ou tiverem dúvidas acerca do conteúdo do contrato e lho solicitarem -, apenas implicando que a A., ora recorrente, assegure que as condições contratuais acordadas constam dos contratos antes de estes serem assinados, precisamente para permitir que quem use de "comum diligência" possa ler e analisar o contrato, e esteja à disposição dos seus clientes para lhes prestar quaisquer esclarecimentos que estes lhe solicitem sobre os contratos que celebra; 2) Se do contrato dos autos resulta que, aquando da aposição da respectiva assinatura pelo representante da sociedade Ré, ora apelada, já as respectivas condições gerais do contrato de mútuo dos autos, bem como tudo o que nele é impresso, se encontravam integralmente impressas, pelo que as condições gerais do contrato de mútuo em questão lhe foram efectivamente comunicadas, tendo este, inclusivé assinado as ditas condições gerais; 3) Se, uma vez que o representante da sociedade R. ora recorrida, para além de ter assinado as ditas Condições Gerais do Contrato do autos, jamais solicitou ao A. ou a quem quer que fosse qualquer esclarecimento quanto às mesmas, pelo que também não solicitou qualquer esclarecimento quanto à dita Cláusula 11ª, n.º 4, alínea c) das Condições Gerais do Contrato, não havia lugar à exclusão desta Cláusula 11ª, n.º 4, alínea c) das Condições Gerais do Contrato por pretenso não cumprimento pela A. do dito dever de comunicação, relativamente à Ré, ora recorrida.

MATÉRIA DE FACTO Factos Considerados Provados na 1ª Instância: A sentença recorrida elenca como provados os seguintes factos: 1) No exercício da sua actividade comercial, a autora, a pedido da ré Restaurante Lda., e com destino à aquisição de um veículo automóvel, de marca AUDI A6 TDI, com a matrícula 41-78-MF, a ser fornecido por A Lda., emprestou a esta Esc. 3.600.000$00, por acordo titulado por documento particular, denominado Contrato de Mútuo, e datado de 01/03/01.

2) Foi estipulado o pagamento do empréstimo em 60 prestações mensais, no montante de Esc. 91.548$00 cada, com início a primeira em 10/04/01 e as restantes nos dias 10 dos meses subsequentes, tendo o seu termo em 10/03/06.

3) Sobre a quantia de Esc. 3.600.000$00 incidia juros à taxa nominal de 16.93% ao ano.

4) As prestações deveriam ser pagas por meio de transferência bancária a efectuar para conta indicada pela autora.

5) A ré subscreveu acordo denominado contrato de mútuo onde consta Feito em duplicado, ficando um exemplar em poder...

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