Acórdão nº 5836/2006-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 20 de Março de 2007
Magistrado Responsável | GRAÇA AMARAL |
Data da Resolução | 20 de Março de 2007 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam na 7ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, I - Relatório 1. S F e S, Limitada, propôs acção, com processo comum, sob a forma ordinária contra J R R, pedindo a condenação do Réu nos seguintes termos: - a reconhecer o seu direito de propriedade sobre a fracção designada pelas letras ` FT", - a restituir a mesma, livre e desocupada de pessoas e bens; - a pagar a indemnização de acordo com o art. 1271° do Código Civil, que computa em 2.000.000$00 (100.000$00 x 20 meses), bem como os juros vincendos sobre tal quantia, até efectivo e integral pagamento e ainda uma indemnização no valor de 100.000$00 por mês, até efectiva entrega do imóvel.
Fundamenta a acção invocando que, em 15 de Junho de 1998, adquiriu, por compra em execução fiscal, a referida fracção autónoma destinada a habitação e que o Réu a utiliza, sem autorização para o efeito, aproveitando-se do facto da anterior proprietária ter deixado de ter actividade económica.
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Após citação o Réu contestou, excepcionando a aquisição do imóvel por usucapião, alegando possuir a fracção desde 14 de Abril de 1978, data em que celebrou com a sociedade S e I, Lda contrato-promessa através do qual se comprometeu a comprar (e aquela a vender) o referido imóvel, pagando o preço integralmente no acto da outorga do contrato, não tendo a escritura sido logo celebrada por não estar ainda registada a constituição da propriedade horizontal sobre o prédio. Referiu ainda o Réu que a sociedade vendedora procedeu à entrega, naquela data, das chaves, pelo que, juntamente com a sua família, passou a habitar a fracção aí fixando residência.
Alegou ainda ter-lhe sido reconhecido judicialmente o direito de retenção sobre o andar para garantia do pagamento do dobro do que havia prestado, bem como os respectivos juros e actualização monetária.
Em reconvenção pede que se lhe reconheça a aquisição da propriedade sobre o imóvel, por usucapião, e se declare extinto o direito da Autora sobre a fracção, ordenando-se o cancelamento das respectivas inscrições no Registo Predial.
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A Autora respondeu à contestação, mantendo a posição inicialmente assumida.
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Realizado julgamento foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e improcedente a reconvenção, condenando o Réu a reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre a fracção e a restituir a de imediato a mesma, livre e desocupada, bem como a pagar à Autora a indemnização de €374,10 por cada mês de ocupação do imóvel, desde 01.02.2000, até à efectiva entrega.
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Inconformado apelou o Réu formulando as seguintes conclusões: A. A sentença em crise não fez correcta aplicação do direito aos factos provados em juízo. Ao considerar que o Réu não fez prova do exercício da posse sobre o andar dos autos, fez o Senhor Juiz a quo errada aplicação dos art.°s 1263°, 1251° e 1287°, todos do Código Civil.
B. A afirmação, proferida pelo Senhor Juiz a quo, de que o contrato-promessa de compra e venda não é susceptível de, só por si, transmitir a posse do imóvel é meramente genérica, sendo válida apenas como regra geral; Se o Ilustre Julgador tivesse continuado a seguir o Prof. Antunes Varela nas obras citadas, concluiria, como aquele mestre, que casos há em que a posição jurídica do promitente-comprador preenche os requisitos de uma verdadeira posse, dando-se como exemplo a situação em que, com a entrega da coisa, o preço é pago na totalidade, como, in casu, está plenamente provado; C. Também a Jurisprudência do STJ e da Relação de Évora, nos Acórdãos citados, defende a mesma tese, considerando ainda que também é exercida verdadeira posse pelo promitente-comprador quando a tradição da coisa é seguida da prática actos próprios de quem age em nome próprio, nomeadamente quando ali habita com a sua família e celebra contratos de fornecimento referentes ao imóvel, o que é o caso dos autos, tendo o R. provado que tem desde então instalada no local a sua economia familiar e que sempre estiveram por sua conta todos os encargos da fracção; D. O Réu provou todos os elementos constitutivos da usucapião, a saber, a posse sobre o andar dos autos e o decurso de um período de mais de 20 anos (e portanto de mais de 15) do exercício contínuo da mesma, e provou ainda que essa posse é titulada, de boa fé, pacífica e pública, sendo certo que só poderia ser interrompida por notificação judicial avulsa ou citação para a acção, o que só veio a acontecer decorridos 22 anos sobre a aquisição da mesma pelo R.
E. Pelo exposto, tem necessariamente de concluir-se que o R. exerce posse legítima sobre o andar dos autos, e que esta conduziu à aquisição da propriedade por usucapião, o que deverá ser declarado com todos os efeitos legais, nomeadamente retroagindo a aquisição à data do inicio da posse, 14 de Abril de 1978.
F. Não poderá, em consequência, proceder a presente acção de reivindicação de propriedade, nem serem consideradas provadas a detenção abusiva pelo R. e consequente obrigação de indemnizar.
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Em contra alegações a Autora pronuncia-se pela manutenção da sentença, defendendo, essencialmente, que os elementos dos autos evidenciam que o Apelante sempre agiu relativamente ao imóvel como mero detentor.
II - Enquadramento fáctico O tribunal a quo deu como provado o seguinte factualismo: A. O direito de aquisição da fracção destinada a habitação, descrito na 2a Conservatória do Registo predial de Almada sob o n° , encontra-se inscrito a favor da Autora desde 27/08/1998, por compra a S & I, Lda; B. Por escritura pública de 15/06/1998, realizada no Cartório Notarial de Setúbal, J de J J e M do A, na qualidade de gerente da sociedade R - E de L, que outorga na qualidade de mandatário judicial nos autos de execução fiscal n° , em que é penhorada a sociedade S & I, Lda, e A D dos S e P J da S S, que outorgam na qualidade de gerentes e em representação da sociedade S, F & S, Lda, declararam os primeiros que pelo preço de 34.225.000$00, que declararam já recebidos, vendem à sociedade representante dos segundos outorgantes, entre outras fracções identificados na referida escritura, a fracção autónoma designada pelas letras "FT" correspondente ao andar L - Terceira Zona - parte habitacional Bloco A, para habitação, com o valor patrimonial correspondente de 1.018.368$00 e que corresponde o preço de sete milhões, quinhentos e cinquenta mil escudos, e os segundos declaram que aceitam para sociedade, sua representante o presente contrato.
C. Por acordo escrito datado de 14/04/1978, S e I, Lda, como promitente vendedora e J do R R como promitente comprador, declaram entre si celebrar o contrato de promessa de compra e venda de fls. 61 dos autos, cujo conteúdo se dá integralmente reproduzido, nos termos do qual a primeira contraente declarou ser dona do andar, sito no centro cívico das Terras da Costa...
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