Acórdão nº 8931/06-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 01 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelEZAGUY MARTINS
Data da Resolução01 de Março de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

31 Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação I- Por apenso aos autos de execução, que S move a M J D F, veio este deduzir oposição, alegando ter a livrança dada à execução sido por si assinada, mas preenchida abusivamente pela Exequente, sem que se tivesse estabelecido qualquer acordo a propósito.

Contestou a Exequente, sustentando o preenchimento da livrança em termos conformes ao pacto de preenchimento celebrado com o Executado.

E alegando haver a livrança sido entregue para garantia de pagamento de mútuo celebrado entre as partes, conforme previsto na cláusula 10ª do referido contrato de mútuo.

E preenchida, na circunstância do incumprimento de tal mútuo, pelo mutuário, ora Executado, apesar das sucessivas interpelações para pagamento.

Rematando com a improcedência dos embargos, e a condenação do Executado como litigante de má-fé - enquanto omite factos relevantes, fazendo do processo um uso reprovável - em multa e indemnização.

O processo seguiu seus termos, sem saneamento nem condensação, vindo, realizada que foi a audiência final, a ser proferida sentença que julgou os embargos totalmente improcedentes, determinando a prossecução da execução.

Inconformado, recorreu o Executado/opositor, formulando, nas suas alegações, as conclusões - aperfeiçoadas, na sequência de convite nesse sentido - seguintes: "1. O recorrente vem apelar da douta sentença proferida pelo tribunal a quo indicando que aquela enferma de nulidades pois ao arrepio do disposto no art.º 668º n.º 1 al. b) e d) do Código do processo Civil não se pronunciou sobre questões das quais, salvo melhor opinião, se devia ter pronunciado e omitiu fundamentação bastante conforme se passa a sinteticamente indicar.

Em primeira linha 2. Não se pronunciou sobre a validade das cláusulas constantes do verso do documento de fls 32 pois este, muito embora tivesse sido assinado no seu "rosto" pelo embargante e embargada o embargante não assinou, rubricou nem manifestou, por qualquer forma, o seu assentimento ou expressou qualquer tomada de conhecimento dos elementos constantes no seu verso 3. Pelo que o seu clausulado, atentas as regras da transparência, tráfego e segurança jurídica, não deveria ter sido tomado em consideração na sentença recorrida.

  1. Situação que foi invocada pelo embargante no articulado 7° sua petição de embargos quando afirmou que "não se estabeleceu de forma válida e eficaz e respeito pelas diversas normas do universo jurídico Português qualquer acordo quanto ao preenchimento desta livrança executada".

    Em segunda linha: 5. Não se pronunciou sobre o tipo de contrato invocado para o preenchimento da livrança.

  2. Contrato que, atentos os elementos disponíveis e a sua subsunção com o disposto no Decreto-Lei n° 446/85/85 de 25/10 na redacção que lhe foi dada pelos Decreto-Lei n.º 220/95 de 31 de Agosto e Decreto-Lei n.º 249/99 de 7 de Julho, salvo melhor e fundamentada opinião, deveria ter sido qualificado como um contrato de adesão pois as suas clausulas contratuais: a. Constam dum impresso previamente elaborado pela embargada do qual qualquer aderente só teria a possibilidade de o assinar ou não, independentemente e ter tomado pleno conhecimento do seu conteúdo. Ficando-lhe sempre vedada a possibilidade de conformar as cláusulas à sua vontade, para além da óbvia possibilidade de o aceitar ou rejeitar em bloco - art. 1º do referido diploma; b. O referido contrato, após a identificação das partes, contém as condições particulares, a que se seguem a Protecção integrada S; as declarações do Avalista; a declaração do cliente e as assinaturas das partes contraentes; c. Após estas e já no verso, constam as pré-elaboradas condições gerais.

  3. A não qualificação do contrato no sentido indicado condicionou, salvo melhor e fundamentada opinião, o sentido da sentença recorria, pois: a. As cláusulas contratuais gerais inseridas no documento de fls. 32 depois da assinatura dos contraentes deveriam ter sido consideradas excluídas (conforme al. d) do art. 8º do Dec.-Lei n° 446/85 de 25/10).

    Nesse sentido vide: Doutrina: Professores Mário Júlio Almeida Costa e António Menezes Cordeiro, nas "Cláusulas Contratuais Gerais", pág. 27; Meneses Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português - parte geral, Tomo 1, 2ª ed., pág. 436 e jurisprudência: Acórdãos da Relação de Lisboa de 21.01.2003 e de 13.05.2003, publicados, respectivamente, na Col. Jurisp. 2003, tomos I, pág 70 e III, pág. 75 e Acórdãos do Supremo " de 13.01.2005 e 07.03.2005.

    1. A embargada necessitaria de fazer prova, que não fez, de que as, por si invocadas, condições gerais resultaram de negociação prévia pois ao juntar o documento de fls. 32 para contrariar o alegado pelo recorrente na petição de embargos pretendeu prevalecer-se do seu conteúdo (art.º 1, n° 3 do Dec.-Lei n° 446/85 de 25/10 e conforme o Acórdão do Supremo Tribunal de justiça de 15.04.2006).

    2. Que, salvo melhor opinião a nulidade das clausulas contratuais invocadas pela embargada não necessitava de ser arguida por qualquer das partes pois sempre podia/deveria ser apreciada oficiosamente pelo tribunal (cfr. artigo 286° do código civil ex vi artigo 24° do Dec.-Lei n° 446/85 de 25/10).

  4. Pelo que, a douta sentença, ao estabelecer no ponto 5° da motivação de facto que "Embargante e embargada subscreveram o documento que denominaram contrato de aquisição de crédito a que coube o número 40751 [...]" enferma de diversos erros na sua apreciação pois o embargante e a embargada só subscreveram o rosto do documento; a denominação e numeração do contrato não podem ter resultado de consenso pois aquele reveste a forma de contrato de adesão e a recorrida não produziu prova em julgamento que a cláusula contratual invocada resultou de negociação prévia.

  5. Erro que se contagiou ao exposto no ponto 6° da motivação de facto onde o tribunal a quo deu como válida a clausula 10 das condições gerais (no verso) quando, em vez disso, deveria ter considerado nulas ou excluídas as cláusulas constantes do contrato após a assinatura das partes.

  6. Erros que expressamente se argúem.

    Em terceira linha: 11. Sem prescindir, a recorrente argúi também que os valores inscritos na livrança e avalizados na douta sentença recorrida, por não estarem devidamente fundamentados, padecem de falta de fundamentação bastante (não é possível reconstituir aritmeticamente as operações) e incorporam juros ilegais.

  7. Verifica-se que, a coberto das cláusulas expostas no verso do documento de fls. 32, veio a sentença recorrida dar cobertura à cobrança antecipada de juros vincendos até final do contrato. Sancionando posteriormente o somatório desse valor e do capital mutuado com o pagamento de juros moratórios.

    Sucede que, 13. A prestação mensal inscrita no contrato englobava uma parte do capital e outra de juros remuneratórios desse capital, numa proporção não individualizada na sentença nem aí identificável atenta a ausência de indicação de qualquer taxa de juro.

  8. Em face do que a sociedade recorrida ao preencher a livrança sem subtrair o valor dos juros remuneratórios, referentes ao prazo ainda não decorrido e sem contraprestação na utilização do dinheiro mutuado durante o tempo que foi encurtado, errou e 15. Errou triplamente a sentença recorrida quando, depois disso, sancionou o recorrente ao pagamento daqueles juros; de juros de mora e o imposto de selo sobre os valores inscritos na livrança onde já estavam contabilizados juros, violando o disposto no artigo 560º do Código Civil que estabelece a regra da proibição do anatocismo, ou seja, da proibição de os juros renderem juros.

  9. E erra também a douta sentença recorrida quando aceita como boa a clausula contratual geral invocada para o vencimento de todas as prestações acordadas (atento o supra exposto in pontos 2 e seguintes) pois se assim não fosse, à parte da ilegitimidade para o seu preenchimento, nunca a lei, a doutrina nem a jurisprudência sancionariam tal solução (vide A. Varela) "Das Obrigações em Geral", II Vol., 2ª ed., 1974, pág. 53; art. 781º do Código Civil) pois, 17. O mutuante podia ter esperado o decurso do tempo acordado, recebendo, nesse caso, os juros remuneratórios convencionados sempre mantendo outros meios de se ressarcir sobre o mutuário, nomeadamente, através da cobrança de juros moratórios.

  10. Por último, diremos que o sentenciado oferece ao recorrido uma vantagem muito superior aquela que o cumprimento atempado do contrato lhe proporcionaria, o que integrar uma interpretação ou aplicação da lei abusiva nos termos do artigo 334º do Código Civil.

  11. Ademais que o recorrente não entende como é que o julgador pôde apreciar estes aspectos atendendo que os mesmos não se encontram devidamente individualizados nem na contestação do embargado nem no já citado sétimo ponto, alínea segunda da motivação exposta na sentença.

    Sentença que por esse facto padece de falta de fundamentação bastante em clara violação do disposto no artigo 668 do Código do Processo Civil.

  12. Questões que fazem com que a sentença proferida, salvo melhor opinião, esteja ferida de erros e nulidades (artigo 668° n °1 al. d) do Código do Processo Civil) pois, como já se alegou supra o juiz deixou de se pronunciar quando lhe incumbia esse poder/dever e comete erros na apreciação da prova constante nos autos nomeadamente do contrato a fls. 32.".

    Requer a revogação da sentença recorrida.

    Contra-alegou a Recorrida, pugnando pela manutenção do julgado.

    II- Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

    Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objecto daquele - vd. art.ºs 684º, n.º 3, 690º, n.º 3, 660º, n.º 2 e 713º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil - são, pela ordem da sua precedência lógica, questões propostas à resolução deste Tribunal: - se a sentença recorrida enferma das nulidades que lhe são assacadas.

    - se se impunha a qualificação do contrato invocado para o preenchimento da livrança, como contrato de adesão, ou a consideração das suas cláusulas como...

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