Acórdão nº 1142/2007-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 01 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelGRANJA DA FONSECA
Data da Resolução01 de Março de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1 M. e outros intentaram a presente acção declarativa, de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra L. e, mulher, alegando, em síntese, que são comproprietários e legítimos compossuidores do prédio misto que identificam na petição inicial. Em 1978, depois da propriedade em causa ter sido expropriada, o Estado celebrou com o réu marido um denominado "contrato de arrendamento de pastagens", o qual cessou em 15 de Fevereiro de 1984. Contudo, os réus têm continuado a ocupar uma área de 480,5001 hectares do prédio em causa contra a vontade expressa dos autores, sendo certo que, devido á ocupação dos réus, os autores têm sido impedidos de desenvolverem uma exploração bovina constituída por não menos de 70 vacas aleitantes e criado anualmente não menos de 63 bezerros vendáveis, para além de que, em virtude da ocupação dos réus, deixaram de auferir os subsídios atribuídos ás vacas aleitantes e aos novilhos não castrados. Por outro lado, os autores não têm podido manter adequadamente o montado de sobro, com a consequente diminuição da potencialidade de aproveitamento da cortiça.

Concluem, pedindo: a) - A condenação dos réus a reconhecer o direito de propriedade dos autores sobre a "Herdade A."; b) - A condenação dos réus a restituírem aos autores, a expensas suas, a referida parcela completamente devoluta; c) - A condenação dos réus a pagarem aos autores uma indemnização que à data da propositura da acção cifram em 4.384.500,80 € e no pagamento de indemnização pelos danos que ainda venham a sofrer.

Os réus contestaram, alegando que são titulares de um direito ao arrendamento da "Herdade" porque em Março de 1976 o então proprietário do prédio resolveu entregar ao réu a propriedade no seu todo (1120 hectares), tendo o réu marido ficado com o compromisso da guarda e defesa da propriedade, pagando os salários aos trabalhadores. Entretanto, por despacho ministerial de 2/01/78 foi determinado que a Direcção Regional de Agricultura do Ribatejo e Oeste celebrasse com o réu um contrato chamado de compra e venda de pastagens. Depois foi determinado por despacho do Ministro da Agricultura, após a cessação daquele outro contrato, que se celebrasse com o réu um contrato de arrendamento rural, o qual até ao momento não foi formalizado por oposição dos autores. Não obstante o réu não perdeu os direitos que decorrem desse despacho e considera-se em situação de arrendatário.

Concluem pedindo a improcedência da acção.

Os autores replicaram e requereram a ampliação da causa de pedir e do pedido, peticionando que se declare inexistente ou, subsidiariamente, nulo por falta de forma, o contrato de arrendamento rural invocado pelos réus, ampliação que foi admitida.

Os réus treplicaram concluindo como na contestação.

Foi proferido despacho saneador, do qual recorreram os réus, por, em seu entender, o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total, dos pedidos, pelo que o Tribunal a quo devia conhecer imediatamente do mérito. E, neste contexto, formularam as seguintes conclusões: 1ª - Os Réus reconhecem a titularidade da propriedade como pertencendo aos Autores - tal direito nunca foi posto em duvida - mas quanto à posse dos 420.5001 hectares, os Réus consideram que a ocupam por via de um arrendamento que existe e que nunca foi denunciado nem por outro modo resolvido.

  1. - Isto porque, em Março de 1976, o proprietário de então, Sr. J. , colocado perante as circunstâncias de perturbação e desrespeito pela propriedade, em virtude da prática violenta de actos de ocupação, com afastamento dos proprietários, gerados pela execução da Reforma Agrária resolveu entregar ao Réu marido, a propriedade no seu todo, então com cerca de 1.120 hectares.

  2. - Esta entrega da propriedade foi feita pelo Sr. J. ao Réu, no Serviço Regional da Reforma Agrária, ao tempo com sede na Rua Pedro Canavarro, em Santarém, estando presentes o Director, Engenheiro F. e o Sr. N. , este muito relacionado com os negócios de gado bravo da Casa do Sr. J.

  3. - O Sr. J. conferiu ao Réu a liberdade de fazer na Herdade o que quisesse, em seu próprio uso, tendo em conta que o Réu era possuidor de uma ganadaria de gado bravo, com efectivo então de cerca de 300 cabeças, ficando o Réu com o compromisso da guarda e defesa da propriedade, pagando os salários dos Trabalhadores, em número de oito, lá impostos pelos Sindicatos Agrícolas.

  4. - Com a publicação da Lei 77/77, de 29 de Setembro (Bases Gerais da Reforma Agrária), o Réu que, no âmbito dessa Lei (al. a), n.º 1 do Art.º 26.º) tinha a categoria de usuário, porque preenchia esses requisitos, ficou ,- para pastagens da sua ganadaria - com uma área de reserva equivalente a 70.000 pontos, o que reduziu para 482 hectares a área inicial de 1120 hectares cedida pelo Sr. J.

  5. - Foi por Despacho Ministerial, de 2 de Janeiro de 1978, que à Direcção Regional de Agricultura do Ribatejo e Oeste, foi determinado que celebrasse com o Réu um contrato chamado de Compra e Venda de Pastagens, que teve início em 15 de Fevereiro de 1978, com termo previsto para 15 de Fevereiro de 1984.

  6. - Seguido a este contrato, e por determinação também do Ministro da Agricultura, pelo seu Despacho de 5 de Julho de 1985, foi ordenada a celebração dum contrato de arrendamento rural, com o Réu.

  7. - Pelo que, por força desse Despacho, o Réu ficou com o direito à celebração dum contrato de arrendamento rural da Herdade, contrato este que até ao momento não foi formalizado porque a isso se opõem os Autores, como decorre da acção proposta onde se insere aquele Despacho.

  8. - Não obstante se não se achar formalizado o contrato de arrendamento ordenado pelo Despacho Ministerial, nem por isso o Réu perdeu os direitos que decorrem desse Despacho, que aliás nunca foi impugnado pelos Autores, pelo que se consideram em situação de arrendatários desde que o mencionado Despacho foi proferido, como arrendatários já eram desde que foi celebrado o contrato, então designado de Compra e Venda de Pastagens, de 15 de Fevereiro de 1978.

  9. - Esta situação consolidou-se pela seguinte forma: a Herdade foi expropriada pela Portaria n.º 343/77, de 7 de Junho, e à data da expropriação os Réus encontravam-se ocupando a propriedade no uso do consentimento que lhes deu o Sr. J. - (o que de qualquer modo, e por efeito das expropriações, a Herdade expropriada passou para a propriedade e posse do Estado).

  10. - Foi nestas circunstâncias que o gestor (representante do Estado) da Herdade celebrou com o Réu um contrato sob a designação de "Compra e Venda de Pastagens" para manter o efectivo pecuário do Réu.

  11. - Ora, este contrato, não obstante se lhe chamar de "Compra e Venda de Pastagens" é caracteristicamente um contrato de arrendamento rural, já que tinha por fim, ou objectivo, manter o efectivo de gado bravo, pertencente ao Réu, que o tinha como base e factor da sua exploração empresarial.

  12. - Estes factos passaram-se no domínio da Lei n.º 76/77, de 29 de Setembro, que vigorou - (ainda que sofrendo algumas alterações durante a sua vigência sem relevância para o caso em questão) - até ser revogada pelo Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de Outubro - art.º 40º.

  13. - Com características próprias de um contrato de arrendamento rural, o contrato celebrado entre o Réu e o representante do Estado, ficou sujeito aos prazos mínimos estabelecidos em cada uma daquelas leis: prazo mínimo de 6 anos, já que estamos numa exploração tipo empresarial (art.º 5.º da Lei n.º 76/77); prazo mínimo de 10 anos (art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 385/88).

  14. - Nessa conformidade estava sujeito ao regime de denúncia de cada uma dessas leis, nomeadamente, o estabelecido no n.º 2 do art.º 5.º da Lei n.º 76/77 e no n.º 3 do art.º 5 do Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de Outubro.

  15. - Efectivamente, por estarmos perante um contrato de arrendamento rural para fins de exploração pecuária, e por esse contrato nunca ter sido denunciado nos termos e pela forma previstos na lei, impõe-se que o contrato permaneça válido e subsistente, não podendo os senhorios (proprietários) reclamar com êxito, dos arrendatários, a posse da terra.

  16. - Acresce que, em nenhum momento os Autores se dirigiram aos Réus com o propósito de denunciar o contrato, o que tinha de ser feito por carta ou notificação judicial avulsa, com a antecedência prevista no n.º 3 do art.º 5.º do Regime do Arrendamento Rural, pelo que o contrato se renovou automaticamente em todos os momentos em que podia ser denunciado.

  17. - E estes prazos e esta forma legal já vinham do anterior Regime, como pode ver-se pelo disposto no art.º 5.º da Lei n.º 76/77, de 29 de Setembro, e provinham da possibilidade de o arrendatário, face à denúncia, opor-se a ela, nos termos do art.º 19.º do Decreto-Lei n.º 385/88 e art.º 18.º da Lei n.º 76/77.

  18. - Do texto do Contrato chamado de Compra e Venda, segundo a definição contida no n.º 5, do art.º 3.º da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro, só podemos concluir que estamos perante um contrato de arrendamento rural para fins de exploração pecuária, de tipo empresarial.

  19. - Neste sentido, e nos termos do art.º 1022º do CC, locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição; e segundo o artigo 1023º e seguintes, a locação diz-se arrendamento quando versa sobre coisa imóvel.

  20. - Concretamente, temos um prédio rústico - a Herdade A, por algumas das suas parcelas - a ser fruída pelo Réu, mediante a utilização da pastagem para alimentação do seu efectivo pecuário, constituído no início do contrato, por cerca de 300 cabeças de gado bravo.

  21. - A primeira característica do contrato: a fruição da área pelo Réu, para alimentação do seu gado; a segunda, imediata e complementar, podendo nessa área, para além da utilização da pastagem fazer as sementeira necessárias à alimentação do seu gado.

  22. - Em contrapartida do gozo da coisa concedida ao Réu, este obrigou-se a pagar no fim de cada ano 400$00, por hectare da...

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