Acórdão nº 10836/06-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 01 de Março de 2007
Magistrado Responsável | VAZ GOMES |
Data da Resolução | 01 de Março de 2007 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam os juízes na 2.ª secção (Cível) do Tribunal da Relação de Lisboa I - RELATÓRIO REQUERENTES E AGRAVANTES: O E F DE A E A J L R (representados em juízo pelo ilustres advogados J C, A R D e L P, com escritório em Lisboa, conforme procurações certificadas constantes de fls. 23 e 25).
*REQUERIDA E AGRAVADA: COOPERATIVA (representada em juízo pelo ilustre advogado E. L C, com escritório em Lisboa, conforme procuração de fls. 256).
*Todos com os sinais dos autos.
*Os requerentes acima identificados propuseram contra a requerida também identificada o presente procedimento cautelar comum que foi distribuído à 7.ª Vara, 3.ª secção do Tribunal de Lisboa em 27/06/06, pedindo que a requerida se abstivesse de vender a fracção identificada sob o art.º 10, em suma dizendo que sendo cooperadores da requerida com um capital inicial de €250,00 e jóia de €750,00 se encontram inscritos no programa habitacional "Vasco da Gama" que a Cooperativa tem em curso na Zona de intervenção da Expo 98, tendo-lhes sido atribuída a mencionada fracção autónoma; em 18/12/1998 na Assembleia Extraordinária da requerida foi votada e aprovada a exclusão do requerente marido enquanto membro cooperador da requerida que lhe trouxe inúmeros danos quer a nível pessoa quer a nível patrimonial; tal deliberação não pode afectar o direito de aquisição dos direitos patrimoniais sobre a referida fracção pela requerente mulher, com quem o requerente marido está casado, sendo que os dinheiros investidos na requerida são comuns dado o regime de bens; receando perder os seus direitos sobre aquela fracção autónoma intentaram os requerentes em 13/07/05 uma acção declarativa de simples apreciação positiva contra a requerida pedindo que seja declarado à ora requerente o direito à titularidade dos direitos patrimoniais decorrentes do Programa Habitacional mencionado e que lhe seja declarado o direito de adquirir a fracção em causa, acção que corre termos pela 11.ª vara, 2.ª secção do Tribunal de Lisboa; a vertente patrimonial do cooperador, que não a sua vertente pessoal e associativa é comunicável pelo regime de bens ao cônjuge; o Presidente da requerida já manifestou por diversas vezes a sua intenção de vender a fracção que havia sido atribuída aos requerentes, e a venda e consequente registo da mesma a favor de terceiros adquirentes oponível que é aos requerentes causaria grave e dificilmente reparável lesão aos direitos dos requerentes.
A requerida, citada, veio opor-se em suma dizendo que a requerente mulher não é nem nunca foi cooperadora da requerida; o requerente interpôs recurso da decisão de 1.ª instância que julgou procedente o procedimento cautelar de suspensão da deliberação de 1998 referida, o que foi revogado pela Relação de Lisboa em 2001que julgou extinto o mesmo e caduca a providência o que foi confirmado pelo STJ e posteriormente pelo Tribunal Constitucional que decidiu pelo não conhecimento do recurso; a decisão da acção correspondente à providência foi favorável ao requerente em 1.ª instância, mas essa decisão foi revogada pela Relação em 2005 e foi confirmada pelo STJ em 17/11/05, e tendo havido recurso para o Tribunal Constitucional tal recurso terminou pelo seu não conhecimento. Ficou assim confirmada com trânsito em julgado a deliberação de exclusão do requerente marido da sua qualidade de sócio cooperador da requerida. A presente providência não se ajusta à acção principal já intentada porquanto nesta última é o requerente marido que se apresenta como sendo cooperador da requerida e nesta já são ambos, o que inquina irreversivelmente esta providência; a habitação visada pelos cooperadores das cooperativas de habitação é incindível da sua qualidade de associado, constituindo mesmo a principal razão da inscrição e manutenção como tal e a perda da qualidade de associado determina a extinção do vínculo e inerente participação social, sofrendo o cônjuge do cooperador naturalmente e por força das vicissitudes inerentes a essa participação e a essa perda; a posição de cooperador nãos e comunica ao cônjuge mas mesmo que assim se entendesse tal teria caducado com a extinção daquela posição; impugnam os restantes factos invocados pelos requerentes, termina pedindo a rejeição do procedimento cautelar e a condenação dos requerentes como litigantes de má fé em multa e indemnização correspondente aos honorários do advogado e demais despesas para a requerida resultantes da providência. Arrolou testemunhas e juntou vários documentos.
Procedeu-se à inquirição das testemunhas, produção de demais prova em 05/09/06 e 25/09/06, tendo sido proferida decisão final aos 02/10/06 e constante de fls. 427/438 que indeferiu a providência cautelar.
Inconformados dela agravaram os requerentes onde concluem:
a) Ao decidir o que decidiu - designadamente ao indeferir a presente providência cautelar por entender que à requerente-mulher apenas se comunicaria a fracção autónoma atribuída pela Cooperativa requerida e o crédito sobre as quantias a esta entregas em caso de desistência ou exclusão mas não já a expectativa de vir a adquirir a mencionada fracção, que será dependente da manutenção da condição de cooperante pelo cônjuge marido e que caducou com a exclusão deste último -a decisão recorrida fez uma errada interpretação e aplicação do direito aos factos, razão pela qual deverá ser revogada; b) A decisão recorrida não considerou o relevo jurídico dos Estatutos da Cooperativa requerida (designadamente os seus art.ºs 20, n.º 1, 21, n.º 1, 26, n.º 6) ao agregado familiar e aos cônjuges dos seus associados; c) Na verdade, para esta, tudo se passa comos e estivéssemos no domínio de uma qualquer sociedade comercial por quotas ou anónima, nas quais releva, exclusivamente, a titularidade pessoal do património dos sócios, quando, contrariamente, no caso dos autos, é a própria cooperativa requerida que, geneticamente, por via dos respectivos Estatutos, faz relevar juridicamente quer o cônjuge dos seus associados, quer os respectivos agregados familiares; d) Razão pela qual o direito de adquirir a fracção em apreço continha, ou emergia de, uma patrimonialidade comum, decorrente não só dos Estatutos da requerida, mas igualmente, do esforço comum dos cônjuges para a satisfação dos encargos com a sua aquisição; e) Acresce que a sentença recorrida não invocou qualquer excepção à comunhão da titularidade da requerente-mulher de adquirir a fracção em apreço, não dando assim, aplicação ao disposto nos art.ºs 1724.º, 1726 do CCiv dos quais sempre deveria ter a manifesta existência do necessário fumus boni iuris e, nessa medida, a procedência da presente providência; f) Ao invés, a sentença sub iudice conheceu do mérito do fundo da questão decidindo nesta sede o que só poderia ter sido decidido na Acção Principal de Simples Apreciação, na qual se discutiria a existência ou inexistência do direito da requerente-mulher, a exclusiva pessoalidade ou a genérica patrimonialidade do direito dos cônjuges face à Cooperativa, aqui requerida; g) A solução emprestada à questão dos autos pela decisão recorrida, é, ainda, contrariada pelo disposto nos art.ºs 2.º e 3.º do próprio Código Cooperativo; h) E ainda pelo que aí se dispõe, no seu art.º 20.º e ss., sobre a titularidade dos títulos de capital, dos quais resulta - de forma manifesta - que face à comunhão da propriedade dos mesmos pelo casal não resultaria qualquer alteração à sua titularidade, caso os mesmos fossem, porventura, endossados ou alienados ao outro cônjuge; i) Acresce que como vem sendo orientação do Supremo Tribunal de Justiça, são distintas e autónomas as naturezas e qualidades pessoais e patrimoniais decorrentes da titularidade do direito de um sócio de uma cooperativa; j) Finalmente, ao decidir como decidiu, designadamente ao interpretar os art.ºs 2.º, n.º 1, e 23.º do Código Cooperativo no sentido de se dever cindir juridicamente a mera expectativa dos cônjuges face ao seu direito, resulta manifesta a inconstitucionalidade material de tais preceitos por ostensiva afronta ao disposto no art.º 36 da CRP; k) Além do que, redunda, ainda, numa insanável contradição ao qualificar como mera expectativa a aquisição da propriedade em apreço e como direitos os actos instrumentais da mesma (designadamente os direitos de crédito sobre as quantias entregues à Cooperativa requerida para aquisição da mencionada fracção.
Conclui pedindo se julgue procedente o agravo e a consequente revogação da sentença recorrida substituindo-a por outra que julgue procedente a providência.
A recorrida contra-alegou em suma alegando que as alegações de recurso dos requerentes falseiam a realidade, são falaciosas e absurdas, já que inexiste o direito invocado pelos requerentes e por outro lado, inexiste coincidência entre o pretenso direito que aqui os recorrentes pretendem fazer valer e aquele que supostamente se faz valer na acção principal e inadequação entre os hipotéticos fundamentos e a providência solicitada, pelo que deve ser negado provimento ao recurso.
Questão a dirimir: Saber se a sentença recorrida ao considerar inexistente o direito invocado pelos requerentes decidiu o mérito da acção principal de simples apreciação o que lhe estava vedado, violando ainda o disposto nos art.ºs, 20, n.º 1, 21, n.º 1, 26, n.º 6) dos Estatutos da requerida e 2.º, n.º 1 e 23 do Código Cooperativo, para além de existir uma insanável contradição ao qualificar como direitos os direitos de crédito da requerente quanto às quantias entregues à Cooperativa e mera expectativa jurídica a aquisição do direito de propriedade sobre a fracção dos autos O Meritíssimo juiz recorrido sustentou a decisão agravada.
O agravo foi recebido com subida imediata, nos autos e feito suspensivo que se considerou ser o adequado, foram os autos aos vistos legais e nada obsta ao conhecimento do recurso.
II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO O Tribunal recorrido deu como assentes os seguintes factos: 1. Por escritura pública celebrada a 7 de Fevereiro de 1986, J M, A L R, J B V C, A S J R, M...
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