Acórdão nº 8193/2006-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 01 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelFARINHA ALVES
Data da Resolução01 de Março de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

22 Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa A e B, casados entre si, vieram instaurar contra C, L.da., acção declarativa de condenação, a seguir a forma ordinária do processo comum, pedindo a final a condenação da demandada no pagamento da quantia de € 90 705,48, acrescida de quantia a liquidar correspondente aos danos alegados em 77º da petição inicial, e respectivos juros de mora, contados à taxa legal, desde 25/9/2002, ascendendo os vencidos até à data da propositura da acção ao montante de € 3 831,95.

Em fundamento alegaram, em síntese, ter celebrado com a ré um contrato de empreitada tendo por objecto a construção de uma moradia na zona de Torres Vedras, onde pretendiam fixar residência. E que a ré incumpriu de forma culposa o acordo celebrado, o que motivou a sua resolução pelos demandantes, a quem assiste o direito a reclamar indemnização para reparação dos diversos danos, de natureza patrimonial e não patrimonial, que em consequência sofreram.

Regularmente citada, a ré defendeu-se nos termos da contestação de fls. 95 a 99 dos autos, invocando não ter incorrido em incumprimento, inexistindo assim fundamento resolutivo; pelo contrário, teriam sido os AA quem não prestou a necessária assistência financeira à obra, mantendo-se esta por tal motivo parada e à espera de ser concluída.

Foi requerida e teve lugar produção antecipada de prova, tendo os autos prosseguido normalmente para julgamento, realizado com registo da prova produzida.

A matéria de facto foi decidida nos termos que constam de fls. 674 a 684, a que se seguiram alegações escritas sobre o aspecto jurídico da causa e a sentença, onde a acção foi julgada improcedente.

Em síntese, concluiu-se que a matéria de facto não permitia identificar uma situação de incumprimento definitivo do contrato imputável à ré, que pudesse fundar a resolução do contrato feita pelos autores, não se tendo estes socorrido da figura da interpelação admonitória . Concluiu-se da mesma forma em relação à reparação dos defeitos apresentados pela obra realizada pela ré.

Inconformados, os AA. apelaram do assim decidido, tendo apresentado alegações onde questionavam a decisão sobre matéria de facto e de direito e apenas formulavam conclusões sobre matéria de direito.

Convidados a suprir a falta de conclusões sobre matéria de facto, repetiram a apresentação das alegações, pensa-se que sem qualquer alteração, que não seria admissível, e reformularam, ampliando-as substancialmente, as conclusões, que, sendo inicialmente dezoito, passaram a ser noventa e duas.

A apelada contra-alegou, por referência às alegações e conclusões iniciais apresentadas, nada tendo acrescentado em relação às conclusões reformuladas.

Cumpre agora decidir Como já se referiu em momento anterior, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões, enquanto fundadas nas respectivas alegações, ressalvadas apenas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal. E, nos termos do art.º 690º n.º 1 do CPC, as conclusões devem conter uma indicação sumária, ou sintética, dos fundamentos, de facto ou de direito, pelos quais se pede a alteração da decisão.

Nas conclusões inicialmente formuladas os apelantes omitiram qualquer consideração sobre as questões de facto que se mostravam longamente suscitadas nas alegações e, nos temos do n.º 4 do referido preceito legal, foram convidados a reformulá-las, convite que foi aceite.

Mas, apreciadas as conclusões reformuladas, verifica-se que, no mínimo, os apelantes não foram felizes em tal reformulação, parecendo estas mais uma versão multiplicada das anteriores conclusões, ou uma versão reduzida das próprias alegações. Designadamente na parte respeitante à impugnação da decisão sobre matéria de facto, que era o que estava em causa, não se identifica ali qualquer conclusão que a vise directamente. E teria sido muito fácil aditar às anteriores conclusões, bem mais sintéticas, uma, ou mais, conclusões no sentido de ser alterada a decisão sobre matéria de facto - indicando os pontos de facto considerados mal julgados e o sentido da alteração pretendida.

O que até poderia ter sido feito por simples remissão para os termos das alegações, desde que não restassem dúvidas quanto à identificação do objecto da impugnação.

E também não teria sido difícil separar as questões de facto e de direito, começando pelas primeiras.

Apesar de não terem formulado conclusões especificamente sobre matéria de facto, os apelantes invocaram nas suas novas conclusões factos não reconhecidos na decisão sobre matéria de facto e, como tal, discutidos em sede de alegações. Com alguma boa vontade, é possível ver formulado aí o pedido de reapreciação dos correspondentes pontos de matéria de facto, o que também se justifica por uma simples questão de pragmatismo, prevenindo mais discussões sobre a questão, até porque se nos afigura claro que, sem a reapreciação da matéria de facto, a probabilidade de êxito do presente recurso fica seriamente comprometida.

A mesma atitude de pragmatismo leva-nos a proceder à reapreciação de toda a matéria de facto impugnada, independentemente de se saber se toda ela está efectivamente reflectida nas conclusões formuladas, até porque não é tarefa fácil fazer o escrutínio dos factos que assim devem ser considerados invocados nas conclusões.

Anota-se ainda que, tendo sido registada a prova produzida em audiência e mostrando-se cumpridas as exigências de alegação estabelecidas no art.º 690-A do CPC, estão verificados, nessa medida, os pressupostos da reapreciação da decisão sobre matéria de facto enunciados no art.º 712 do mesmo Código.

Na presente apelação está, assim, em causa: - Em sede de matéria de facto, saber se devem ser alteradas, nos termos pretendidos pelos apelantes as respostas dadas pelo tribunal recorrido aos art.ºs 16, 17, 19, 25, 26, 28, 31, 32, 35 a 44, 46, 47, 49, 50, 51 e 69, todos da base instrutória.

e - Em sede de matéria de direito, saber se deve ser considerada fundada a resolução do contrato efectivada pelos ora apelantes e se lhes assiste o direito de indemnização fundado em incumprimento contratual da ré, seja por atraso ou por abandono da obra, seja por defeitos por esta apresentados.

Vejamos então, começando pela matéria de facto.

Começa-se por observar que o que está em causa não é a simples reavaliação da prova produzida e a elaboração de uma decisão de facto correspondente à convicção nela fundada, como se fosse a primeira decisão. Está em causa a alteração de uma anterior decisão, fundada na livre convicção de quem a proferiu, e que teve a clara vantagem de ter acompanhado, e dirigido, a produção de prova, numa relação de imediação que a gravação sonora não assegura. Sendo evidente o cuidado posto pela senhora juiz, quer na condução do julgamento, quer na elaboração da decisão impugnada e respectiva fundamentação, evidenciando uma efectiva análise crítica da prova produzida, esta decisão só poderá ser alterada se houver elementos que o imponham muito claramente, não bastando para tanto que a apreciação da prova disponível pudesse sugerir respostas parcialmente diferentes.

Esta ideia ressalta, muito claramente, das alíneas b) e c) do n.º 1 do art.º 712, ao condicionarem a modificação da decisão de facto proferida em primeira instância à existência de elementos que, por si sós, imponham decisão diversa da proferida, tendo implícita, no primeiro caso, a falta de cuidado na elaboração da mesma. Quando, como é o caso, o julgamento tiver por base, fundamentalmente, prova testemunhal, o critério de exigência no que respeita à sua avaliação e possibilidade de alteração deverá ser idêntico, tanto mais que a autora da decisão em apreciação teve uma percepção directa das provas produzidas. Com efeito, não carece de demonstração a afirmação de que o sistema de gravação sonora dos meios de prova oralmente produzidos não fixa todos os elementos relevantes para a respectiva valoração em termos probatórios, todos os elementos susceptíveis de condicionar ou influenciar a convicção do julgador.

Ou seja, não é uma qualquer divergência em relação à valoração da prova produzida, ou em relação ao critério das respostas dadas à matéria de facto que justifica uma alteração dessas respostas. Essa alteração apenas poderá ter lugar se a reavaliação da prova o impuser.

Enunciado este pressuposto, vejamos cada um dos factos, ou grupos de factos, cuja decisão vem impugnada.

No art.º 16.º da base instrutória (BI) perguntava-se se em Agosto de 2002 o andamento da obra estava muito mais atrasado do que deveria estar e no seguinte, o 17.º, se, com os valores já entregues na mesma altura, a obra deveria estar numa fase mais avançada.

O primeiro daqueles artigos foi declarado não provado e, ao segundo, o tribunal respondeu que, com referência a Agosto de 2002 o autor marido considerava que o valor dos trabalhos executados era inferior às quantias que havia entregue à ré, o que, no fundo, corresponde a uma resposta de não provado.

Ora, antes de mais, estamos perante dois quesitos eminentemente conclusivos, em particular o primeiro, que, em nosso entender, não deveria ter sido formulado. Os factos que importava alegar e provar eram os que constituem os pressupostos dessa conclusão, a saber, por um lado a quantidade de trabalhos que, em termos de execução normal do contrato, deveriam estar realizados e, por outro, os efectivamente executados.

Ora, em relação a estes factos os autos não fornecem elementos concludentes. Não existe uma medição de trabalhos feita na data em referência, nem estão identificados os trabalhos feitos posteriormente. Nem o facto de, já em momento posterior a ré ter apresentado uma proposta para conclusão dos trabalhos, conforme referido em BD, prevendo um prazo de quatro meses, permite formular conclusões no sentido pretendido pelos apelantes. É que, estando em causa os trabalhos de acabamento, julga-se ser um facto notório que os mesmos, nas suas diversas áreas, são susceptíveis de ser executados quase em simultâneo, e todos eles são de...

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