Acórdão nº 712/07-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Fevereiro de 2007
Magistrado Responsável | JORGE LEAL |
Data da Resolução | 22 de Fevereiro de 2007 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
20 Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO Em 17.8.2006 Miguel instaurou, por apenso à acção declarativa de condenação que intentou contra L-P E e que corre os seus termos sob o nº 3935/06.3TVLSB na 2ª Vara Cível de Lisboa, procedimento cautelar de arresto contra a referida Ré.
Alegou, em síntese, que foi destituído sem justa causa da gerência da Ré, da qual era um dos dois sócios, pelo que tem direito a receber uma indemnização, que reclama na acção declarativa pelo valor de € 145 261,76, acrescida de € 20 000,00 a título de compensação por danos morais. A Requerida tem um longo historial de dívidas por regularizar, o sócio maioritário sempre confundiu o património da sociedade Requerida com o seu património pessoal e da sua família, o património da Requerida é praticamente inexistente, a Requerida tem dívida bancária de largas dezenas de milhares de euros e tem uma situação fiscal irregular. A Requerida tem importâncias a receber do seu principal cliente, bem como de uma outra empresa, montantes esses cujo destino mais certo será a conta pessoal do sócio maioritário da Requerida.
O Requerente terminou pedindo que seja decretado o arresto dos créditos da Requerida, até ao montante de € 140 000,00, para segurança do montante devido pela Requerida ao ora Requerente, sobre E S e sobre a E A ou, na falta ou insuficiência destes, sobre os montantes depositados em quaisquer contas bancárias da ora Requerida junto de bancos a operar em Portugal.
Realizada audiência final, sem prévia audição da Requerida, em 12.9.2006 foi proferida decisão que julgou procedente o procedimento cautelar e ordenou o arresto nos termos peticionados.
A Requerida agravou dessa decisão, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões: 1. Em face da prova documental e testemunhal produzida em audiência de julgamento deviam ter sido considerados não provados os factos constantes dos seguintes artigos: 8° na parte em que vai alegado «com o êxito que se ficou a dever sobretudo ao trabalho dedicado e competente do ora Autor»; 9°; 10°; 12° na parte em que vai alegado «Assim, e depois de ter criado sucessivos incidentes com o ora Autor»; 19° na parte em que vai alegado «Este sócio maioritário pretendeu dar o seu golpe final na espoliação do ora Autor, tendo para o efeito»; 21°; 26°, 27°, 28°, 30°, 31°, 32°, 33°, 35°, 38°, 40°, 42°, 43°, 45°, 50°, 52°, 53°.
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Deve por isso ser revogada a decisão sobre a matéria de facto de fls. 52 e 53, nos termos descritos na conclusão anterior.
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O Tribunal a quo interpretou e aplicou indevidamente o disposto nos artigos 619° n° 1 do C.C. e 406° n° 1 do C.P.C., porquanto em face da matéria provada não é provável a existência do crédito do Requerente, nem tão pouco é justificado o receio da perda da garantia patrimonial.
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Em sede de aferição do fumus boni juris errou igualmente o Tribunal a quo na interpretação e aplicação do disposto no artigo 257° do C.S.C.. Olvidou ainda a aplicação do artigo 255° n° 1 e 63° do C.S.C., que remete alternativamente para o pacto social e para assembleia de sócios a determinação da remuneração dos gerentes.
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Em face do alegado, dos factos provados não resulta uma probabilidade séria da existência do direito à indemnização invocada. O Requerente não faz prova suficiente da existência de remuneração na sua qualidade de gerente, já que tal obrigação da Requerente apenas poderia ser provada por acta da assembleia-geral de sócios, nos termos do artigo 255° n° 1 e 63º do C.S.C. e da cláusula 4a do pacto social da Requerida. O Requerente também não alega nem faz prova dos prejuízos concretos e quantificados sofridos com a destituição, sendo certo que o que vai disposto no artigo 257° n° 7 constitui um limite e não o montante da indemnização a pagar ao gerente destituído sem justa causa.
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Igualmente, em face do alegado, dos factos provados não resulta um juízo de certeza sobre o risco da perda da garantia patrimonial. Os factos constantes da matéria de facto provada são ora irrelevantes (reportando-se a considerações subjectivas do requerente) ora de natureza tão genérica (reportando-se a deduções aplicáveis a um universo vastíssimo de situações), que não se logra discernir qualquer facto ou circunstância concretos que permitam concluir que a requerida irá deixar de pagar a indemnização a que seja eventualmente condenada ou que irá dissipar o seu património de forma a tornar impossível a sua cobrança coerciva.
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O Tribunal errou igualmente ao não ter interpretado devidamente o artigo 406° n° 1 do C.P.C. e artigo 619° n° 1 do C.C. ao não ter considerado que a lesão que se deveria prevenir com a providência fosse grave e de difícil reparação.
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Para além de ter errado na interpretação e aplicação do que vai disposto nos artigos 619° n° 1 do C.C. e 406° n° 1 do C.P.C, o Tribunal a quo não aplicou de todo, conforme devia, o disposto nos n°s 1 e 2 do artigo 387° do C.P.C.
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O n° 1 do artigo 387° contribui para a interpretação correcta e devida do artigo 406°, exigindo quanto à existência do Direito uma «probabilidade séria» e quanto à lesão um receio «suficientemente fundado». Decorre desta redacção e segundo a interpretação da doutrina e jurisprudência que se quanto à existência do Direito a decisão se baseia sobre um juízo de probabilidade (séria), já quanto à lesão é necessário um juízo de certeza sobre o risco da sua ocorrência. Tais exigências quanto ao processo decisório são particularmente relevantes porquanto restringem as situações em que se admite o deferimento da providência. Tal diferença de grau quanto à aplicação dos requisitos, ignorada pelo Tribunal a quo, inquina toda a decisão de Direito, impondo a sua revogação.
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O n° 2 do artigo 387° constitui um requisito negativo da providência cautela.r, sendo obrigatório que o Tribunal o aplique (seja no sentido positivo, seja no sentido negativo), pelo que a omissão deverá ter como consequência a revogação da decisão de deferimento da providência. Nesta sede os princípios da adequação e da proporcionalidade são fundamentais, porquanto uma decisão injusta e apressada tem consequência gravosas e de difícil reparação.
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Errou por fim o Tribunal a quo ao não ter aplicado o n° 2 do artigo 390° do C.P.C., quando as circunstâncias do processo exigiram que o Requerente prestasse caução, garantindo dessa forma a indemnização decorrente do seu uso indevido do procedimento cautelar.
A agravante termina pedindo que a decisão recorrida seja revogada.
O agravado contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
O tribunal a quo sustentou a decisão recorrida.
Foram colhidos os vistos legais.
FUNDAMENTAÇÃO As questões suscitadas no recurso são as seguintes: parcial impugnação da decisão quanto à matéria de facto; improbabilidade da existência do crédito invocado pelo Requerente; inexistência de certeza sobre o risco da perda da garantia patrimonial; inexistência de ponderação sobre o facto de o prejuízo resultante da providência exceder consideravelmente o dano que o Requerente pretende evitar; exigibilidade de caução ao Requerente.
Primeira questão (impugnação da matéria de facto) O tribunal a quo indicou os factos provados procedendo a remissão para os artigos do requerimento inicial, pelo que a matéria de facto dada como provada ficou assim alinhada: 1. Na acção principal, pede o Autor que a Ré seja condenada a pagar-lhe €165.261,76, em virtude de o Autor ter sido destituído sem justa causa da gerência da Ré (artigo 1º do requerimento inicial).
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Quantia esta que corresponde à soma das seguintes parcelas: a) € 145.261,76, relativa à indemnização devida por destituição sem justa causa, nos termos do artigo 257°/7 do Código das Sociedades Comerciais (CSC) e b) €20.000,00, a título de compensação por danos morais (2º do r.i.).
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Em 2002, o Autor, mais lvo e M P C, constituíram a sociedade ora Ré, na qual detinham as seguintes quotas: a) lvo: 1 quota de €3.500,00 (70% do capital social); b) Ml (ora Autor): 1 quota de €750,00 (15% do capital social); c) M: 1 quota de €750,00 (15% do capital social) (Vd. doc. nº 1 junto à p.i.)(5º do r.i.).
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Ficaram gerentes todos os sócios (Vd. doc. n° 1 junto à p.i.) (6º do r.i.).
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Em 2005, foi excluído o sócio M, pelo não pagamento de prestação suplementar de capital, tendo portanto a Sociedade Ré ficado reduzida a 2 Sócios (Vd. doc. n° 1 junto à p.i.) (7º do r.i.).
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A Sociedade Ré foi desenvolvendo o seu objecto social, na área da engenharia e investigação aeroespacial, com um êxito que se ficou a dever sobretudo ao trabalho dedicado e competente do ora Autor (8º do r.i.).
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De facto, foi o ora Autor que desenvolveu projectos de hardware para satélites junto da entidade que se tornou a principal Cliente da Ré - a ES. Entre estes projectos, avulta um chamado "S Q L C M" (o desenvolvimento de um aparelho chamado magnetómetro - uma espécie de bússola espacial), orçamentado em €953 000,00, ficando toda a parte técnica deste projecto a cargo do ora Autor (Vd. doc. n02 junto à p.i.)(9º do r.i.).
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Enquanto o autor dedicava todo o seu tempo e capacidade profissional ao serviço da sociedade Ré, o sócio maioritário desta (Ivo) preparava um doutoramento no Instituto Superior Técnico, recebendo para o efeito uma bolsa da Fundação , que aliás o obrigava a dedicar-se exclusivamente a tal tarefa... (10º do r.i.).
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Assim, e depois de ter criado sucessivos incidentes com o ora Autor, o dito sócio maioritário e gerente lvo promoveu uma assembleia geral da Sociedade ora Ré, ocorrida em 06/01/2006, para nomear gerente da Ré, a sua mulher, Cátia (Vde doc. n° 3 junto à p.i.) (12º do r.i.).
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Nomeação essa que foi objecto do competente registo comercial (Vd. doc. n° 1 junto à p.i.) (13º do r.i.).
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A Ré apenas se pode vincular com duas assinaturas. (Vd. doc. n° 1 junto à p.i.) (14º do r.i.).
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Poucos dias depois, o sócio maioritário lvo convoca uma nova...
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