Acórdão nº 1317/07-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Fevereiro de 2007

Magistrado ResponsávelALMEIDA CABRAL
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, em conferência, os Juízes da 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: Nos Serviços do M.º P.º do Tribunal Judicial da Comarca de Loures encontram-se pendentes os Autos de Inquérito n.º 1578/06.0JFLSB, onde se investiga a eventual prática de crime de "acesso ilegítimo a sistema ou rede informáticos", p.p. nos termos do art.º 7.º da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto.

Visando a investigação do referido crime, solicitou o Ministério Público/recorrente ao Mm.º Juiz de Instrução que ordenasse a "notificação da Portugal Telecom para, no prazo de 10 dias, informar nos autos a identificação completa, conta de acesso, ponto de acesso e número de horas facturadas dos utilizadores Sapo/ADSL que utilizaram a conta da Internet com o username "as2994493" (@a sapo.pt), no período compreendido entre Maio e Julho de 2006, com o número de cliente da PT Comunicações 519715/001".

Porém, a respectiva promoção veio a ser indeferida pelo mesmo Mm.º Juiz, por despacho que assim fundamentou: "(...) Requer a Digna Magistrada do Ministério Público que, nos termos dos art.º 187.º, 190.º e 269.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Penal, seja notificada a Portugal Telecom para, no prazo de 10 dias, informar nos autos a identificação completa, conta de acesso, ponto de acesso e número de horas facturadas dos utilizadores Sapo/ADSL que utilizaram a conta da Internet com o username "as2994493" (@a sapo.pt), no período compreendido entre Maio e Julho de 2006, com o número de cliente da PT Comunicações 519715/001.

Investigam-se nos presentes autos, factos susceptíveis de integrar a prática de um crime de acesso ilegítimo, previsto no 7.º da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e punível com pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias.

Ora, atenta a natureza do crime indiciado e a moldura penal aplicável ao mesmo, verifica-se que não estão preenchidos os requisitos previstos no art. 187.º do Código de Processo Penal, de que a lei processual penal faz depender a realização de intercepções das comunicações.

Porém, importa, por outro lado atender à natureza da informação pretendida e, em face da mesma, verificar se tais elementos podem ou não ser facultados.

"O domicílio e o sigilo da correspondência e dos meios de comunicação privada são invioláveis" dispõe o art. 34.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, sendo que "É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvo os casos previstos na lei em matéria de processo criminal (art. 34.º, n.º 4 da Constituição da República).

Assim, o regime processual dos meios de obtenção de prova carece de ser interpretado em harmonia com o princípio reitor da restrição mínima dos direitos fundamentais que dimana do artigo 18.º, n.º 2 da Constituição.

Por outro lado, nos termos dos artigos 27.º, n.º 1, al. g) da Lei n.º 5/2004 e 4.º, n.º 2 da Lei n.º 41/2004, as empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas estão sujeitas, na sua actividade, à protecção dos dados pessoais e da privacidade no domínio específico das comunicações electrónicas, em conformidade com a legislação aplicável à protecção de dados pessoais e da privacidade, estando obrigadas, em concreto, a garantir a inviolabilidade das comunicações e respectivos dados de tráfego realizadas através de redes públicas de comunicações e de serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público e sendo proibida a escuta, a instalação de dispositivos de escuta, o armazenamento ou outros meios de intercepção ou vigilância de comunicações e dos respectivos dados de tráfego por terceiros sem o consentimento prévio e expresso dos utilizadores, com excepção dos casos previstos na lei.

Em matéria de segredo profissional, resulta da conjugação do disposto nos artºs. 182.º e 135.º do Código de Processo Penal que os ministros de religião ou confissão religiosa, os advogados, os médicos, os jornalistas, os membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo profissional, podem escusar-se a apresentar documentos ou objectos que tenham na sua posse, relativos a factos abrangidos por aquele segredo, tendo então a autoridade judiciária proceder às averiguações necessárias e, caso conclua pela ilegitimidade da escusa, ordenar a apresentação de tais documentos ou objectos.

Especificamente quanto às comunicações electrónicas, prevê o art. 187.º do Código de Processo Penal (aplicável por força do art. 190.º do mesmo código) que as mesmas só podem ser ordenadas ou autorizadas por despacho do juiz, e relativamente a determinado tipo de crimes.

Ora, de entre as informações que podem ser solicitadas aos serviços de telecomunicações podem distinguir-se, fundamentalmente, três espécies ou tipologias de dados ou elementos; os dados relativos à conexão à rede, ditos dados de base; os dados funcionais necessários ao estabelecimento de uma ligação ou comunicação e os dados gerados pela utilização da rede (p. ex. localização do utilizador, localização do destinatário, duração da utilização, data e hora, frequência), dados de tráfego; dados relativos ao conteúdo da comunicação ou da mensagem, dados de conteúdo.

E tal distinção releva, no sentido em que, se relativamente a alguns deles, é possível configurar a possibilidade de recorrer ao mecanismo previsto no art. 135.º do Código de Processo Penal, já o mesmo não sucede com os restantes, relativamente aos quais a lei processual penal estabeleceu um regime muito mais apertado quanto à sua determinação em detrimento dos direitos dos visados, fazendo-os depender dos pressupostos consagrados no art. 187.º do Código de Processo Penal.

Na verdade, e tal como resulta claro da leitura do Parecer n.º 21/2000 do Conselho Consultivo da Procuradoria, cujo texto integral se encontra acessível in www.dgsi.pt, com o qual se concorda, e cujo entendimento foi perfilhado pelos diplomas legais supra identificados, os "... elementos de informação, quando atinentes a dados de tráfego ou a dados de conteúdo, apenas poderão ser fornecidos às autoridades judiciárias, pelos operadores de telecomunicações, nos termos e pelo modo em que a lei de processo penal permite a intercepção das comunicações, dependendo de ordem ou autorização do juiz de instrução, prestada ao abrigo do disposto nos artigos 187.º, 190.º e 269.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal); Em relação aos dados de base, ainda que cobertos pelo sistema de confidencialidade a solicitação do assinante, tendo em consideração que o sigilo...

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