Acórdão nº 9668/06-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 15 de Fevereiro de 2007

Magistrado ResponsávelEZAGUY MARTINS
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

26 Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação I- A intentou acção com processo especial de divórcio litigioso, contra J, pedindo seja decretado o divórcio entre A. e Ré, julgando-se esta como único culpada do divórcio.

Alegando para tanto, e em suma, que A. e Ré casaram um com o outro em 19 de Julho de 1970, e que a Ré, violou culposa e reiteradamente os deveres conjugais de respeito, cooperação e assistência, em termos irremediavelmente comprometedores da possibilidade de vida em comum.

Frustrada a conciliação das partes e notificada a Ré para contestar, querendo, não o fez aquela.

E prosseguindo o processo seus termos, veio a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré do pedido.

Inconformado, recorreu o A., formulando, nas suas alegações, as seguintes, formalmente nominadas, conclusões: «Sobre a Matéria de Facto: existem pontos de facto incorrectamente julgados e meios probatórios (documentos, registo de depoimento de testemunhas) que impunham decisão diversa.

  1. FACTOS INCORRECTAMENTE JULGADOS QUE IMPUNHAM DECISÃO DIVERSA: 1. O depoimento da testemunha M A é fundamental para a descoberta da verdade.

  1. A testemunha depôs de forma imparcial e isenta.

  2. Deve ser considerado credível o depoimento da testemunha, não obstante estar de relações cortadas com a Apelada.

  3. Para além desta testemunha, as outras testemunhas revelaram conhecimento directo sobre a factualidade.

  4. A Apelada não prepara as refeições, 6. Não cuida da roupa, 7. Manda o Apelante para casa da irmã para que esta lhe prepare a comida e trate da roupa, 8. Deita fora vários objectos de uso pessoal como o grelhador de assar peixe, 9. Não permite que descanse durante a noite, põe a musica alta, liga as máquinas durante a noite, 10. Não auxiliou, ou auxilia o marido na doença (enfarte e depressão), nunca tendo ido ao hospital, 11. Aquando do internamento mandou-lhe os pijamas cortados e sem elásticos, 12. Impede várias vezes que o Apelante entre em casa, fazendo cola que este ter a de recorrer à intervenção da polícia, 13. Colocou pela casa, cabeças de porco, fotografias de pénis e bandarilhas para o ofender, 14. Quando o marido foi hospitalizado de urgência fez o seguinte comentário: "Era o meu rico tempo para ir ver porcaria dessa", 15. Foi vista a chegar no seu carro acompanhada de um homem a um baile no Montijo, 16. Foi vista mais do que uma vez em bailes "agarrada a outro homem", 17. Que o Apelante sofre de depressão em virtude das condutas da Apelada. 20.

    MEIOS DE PROVA NOS AUTOS QUE IMPUNHAM DECISÃO DIVERSA: Da prova testemunhal, dos documentos e da fundamentação da sentença, resultam provados os factos supra pelo que se impunha ter sido concluído que existe por parte da R. uma violação grave culposa e reiterada dos deveres conjugais de coabitação, cooperação e assistência e consequentemente ter sido decretado o divórcio.

    Sobre a Matéria de Direito: 1º.

    a) existem normas jurídicas violadas: 1- foram violadas as disposições constantes dos seguintes arts.: o art. 655°, 516º, 158º, e 663º, n.º 3 do C. P. C.: Se por um lado, o art. 396°, do C. Civil exara que a força probatória do depoimento das testemunhas é livremente apreciada pelo Tribunal - afastando claramente o princípio do direito antigo Testis unus, testis nullus - por outro lado, o art. 655°. Do C. P. C., impõe uma prudente convicção acerca de cada facto. Ora, a fundamentação do Meritíssimo Juiz a quo, é inexistente para concluir que a testemunha em causa não é isenta e credível, existindo uma clara nulidade, nos termos dos arts. 158°, e 666°, n.º 3 do C.P.C.; A fundamentação é genérica e imprecisa e não convence que é conforme com a Justiça.

    b) existem normas jurídicas invocadas que deveriam ter sido interpretadas aplicadas de modo diferente e existe erro na determinação de normas aplicáveis, pelo que deveriam ter aplicadas outras: 2 - os arts 341.º e 342.º, 1779.°, 1672.º, 1674.°, e 1675.°, do C. Civil assim como o art. 516.°, do C. P. C. foram aplicados mas deveriam ter sido interpretados de modo diferente e devia ter sido aplicada a norma constante do art. 655.° do C. €.C.: O Tribunal a quo, deu uma interpretação demasiado restritiva ao conceito de violação de deveres conjugais, uma vez que, do supra exposto, da matéria que deveria ter sido dada como provada e da provada, nenhuma dúvida subsiste de que estamos em presença de uma violação clara dos deveres previstos no Artigo 1672° do Código Civil, nomeadamente os Deveres dos cônjuges coabitação, cooperação e assistência. Com efeito, A. saiu da casa de morada de família e precisa de tratamento psiquiátrico devido ao mau relacionamento do casal; a R. nunca visitou o A. no hospital estando este a carecer de todo o apoio psicológico numa fase em que corria riscos de vida; depois de ter estado tanto tempo imigrado, a R. ia para bailes sem o A. fazendo questão de o insultar com as hastes e t-shirt no sofá, diária e consecutivamente.

    Se a situação supra descrita se prolonga há tanto tempo, existe dolo; se dura há tanto tempo o mau relacionamento e a R. sabe que o marido está mal psicologicamente, tal é grave: existindo dolo, gravidade, a vida em comum está irremediavelmente comprometida; a R. tem a actuação que tem de forma consciente e deliberada e para conseguir os objectivos: que o A. saia de casa.

    Até porque, "I- Sem prejuízo dos pressupostos, designadamente do artigo 1779° do Código Civil, a lei portuguesa vigente acentua a tese do divórcio-remédio na regulamentação do respectivo instituto. II- A análise dos factos pertinentes a uma acção de divórcio deve ter esse pensamento legislativo em consideração e, ainda, só pesar a privacidade própria desses factos (donde, o particular significado do que vem a público), perspectivando a situação de um concreto casamento e não tanto do casamento em abstracto.

    IIl - A violação do dever de respeito, através de palavras, não implica "animus injuriandi"; pressupondo, sim, consciência do carácter afrontoso do que se tenha dito. Acórdão da Relação de Évora de 30.41987 (R. 484/86), Colectânea de Jurisprudência, 1987, 2, 305." Crê-se ainda que a culpa exigida pelo Tribunal a quo, foi demasiado exigente, pois no tocante ao divórcio, importa distinguir entre a matéria da culpa enquanto ingrediente necessário a fundamentação do chamado "divórcio-sanção" (o requerido ao abrigo do artigo 1779° do Código Civil) da culpa mais grave já exigível para outros fins no âmbito do Direito de família, v. g. o apuramento da culpa exigido pelo artigo 1782°, N° 2 (para os efeitos, nomeadamente, do artigo 1790°, artigo 1791º, artigo 1792º, artigo 1110º, N° 3, e artigo 2016º); com efeito, estes dois conceitos de culpa não são sempre coincidentes.

    Neste sentido Acórdão da Relação de Coimbra de 11.12.1984 (R. 13 998), Boletim do Ministério da Justiça, 342, 445.

    O Divórcio deveria e ainda deve ser decretado, com culpa exclusiva da R.».

    Requer a revogação da sentença recorrida.

    Não houve contra-alegações.

    II- Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

    Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objecto daquele - vd. art.ºs 684º, n.º 3, 690º, n.º 3, 660º, n.º 2 e 713º, n.º 2, do Código de Processo Civil - são questões propostas à resolução deste Tribunal: - se é caso de alteração da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, nos termos aparentemente pretendidos pelo Recorrente.

    - se, no confronto da factualidade a considerar, é de concluir pela verificação do fundamento de divórcio litigioso, invocado pelo A./Recorrente.

    Considerou-se assente, na 1ª instância, a factualidade seguinte: 1) O Autor Al e a Ré J casaram um com o outro em 19/07/1970 (certidão de fls. 10).

    2) O Autor esteve emigrado na Alemanha, tendo regressado há cerca de 10 anos.

    3) A Ré, pelo menos uma vez, foi vista num baile de reformados do Montijo a dançar com outro homem.

    4) O Autor, em Abril de 2001, teve um enfarte, tendo ficado internado no hospital durante três semanas e sendo que a Ré aí nunca o foi visitar.

    5) Devido ao mau relacionamento do casal, o autor está a ser acompanhado por médico psiquiatra.

    Consignando-se ainda que: «Da discussão da causa resultaram não provados os factos seguinte: 1) Não se provaram outros factos, nomeadamente, os vertidos nos art°s 5°; 6°; 8°; 9°; 10º; 11°; 13°; todos da P.I; bem como que a Ré pelo facto de ser vista a dançar com outro homem num baile de reformados no Montijo, fosse alvo de comentários sentindo-se o Autor humilhado, comentários esses entre outros "ela não te liga nenhuma"; "ela anda com outros ", etc; Que a Ré tenha impedido que familiares do autor de o tratarem; Que a Ré tenha dito a terceiros "Eu? Ir vê-lo? ele que morra" - art° 14, al, a) da P. I."».

    *Vejamos: II-1- Da impugnação da matéria de facto.

    Não deixará, preliminarmente, de se assinalar que o Recorrente não deu rigoroso cumprimento ao disposto no art.º 690º-A, n.º 2, com referência ao art.º 522º-C, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil.

    E, assim, na circunstância de haver omitido a indicação do início e termo da gravação de cada depoimento, em que funda a impugnação, com referência ao assinalado em acta.

    O que se ultrapassa, na constatação de haver aquele procedido à transcrição de todos os depoimentos prestados em audiência.

    *Isto posto: 1. Está aqui assim em causa a hipótese contemplada no art.º 712º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, a saber, ter ocorrido gravação dos depoimentos prestados, sendo impugnada, nos termos do art.º 690º-A, a decisão que, também com base neles, proferida foi.

    A reforma processual de 1995/96, implementando "um verdadeiro segundo grau de...

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