Acórdão nº 5335/2006-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 30 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelJOSÉ ADRIANO
Data da Resolução30 de Janeiro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, em audiência, na 5.ª Secção (Criminal) da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO: 1. Nos presentes autos de processo comum que correram termos no 1.º Juízo Criminal de Lisboa, foi submetido a julgamento, perante tribunal singular, o arguido A.

, a quem era imputada a prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelos arts. 148º, nºs 1 e 3 e 144.º, al. a), do Código Penal.

A assistente P.

, deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de Esc: 16.149.000$00, sendo Esc: 16.000.000$00 a título de danos não patrimoniais e Esc: 149.000$00 a título de danos patrimoniais.

  1. Realizado o julgamento, foi proferida sentença, na qual se decidiu, além do mais, o seguinte: - Condenar o arguido A., como autor material de um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido pelo artigo 148°, n.ºs 1 e 3, por referência ao artigo 144°, al. a), todos do Código Penal, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão.

    - Suspender a execução de tal pena de prisão pelo período de 3 anos nos termos do preceituado no artigo 50.º, do Código Penal.

    - Julgar o pedido de indemnização civil parcialmente procedente e, em consequência, condenar o demandado A a pagar à demandante a quantia de 25.743,21 (vinte e cinco mil setecentos e quarenta e três euros e vinte e um cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais e morais que lhe causou, quantia esta acrescida de juros, vencidos e vincendos, contados desde a data de notificação do pedido cível ao demandado e até integral pagamento, à taxa de 4% ao ano.

    ***3. Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido, formulando as seguintes conclusões (transcrição): «1.ª O Arguido mantém interesse na apreciação do recurso já interposto sobre a questão da nova Perícia.

    1. A sentença recorrida julgou erradamente a matéria 11., 13. e 14. dos Factos Provados, desconsiderando em absoluto os testemunhos dos Médicos, especialistas em Ginecologia V. , C. e G. - cfr matéria alegada supra em 16. a 21 -.tendo violado o art. 97° do CPP na parte em que não fundamentou a razão pela qual desconsiderou em absoluto aquele contributo probatório.

    2. Os esclarecimentos complementares que foram solicitados ao Senhor Perito em sede de julgamento foram prestados "com reserva" - afirmada de viva voz - pois o mesmo declarou esse grau de incerteza científica e de insegurança técnica justificando-se que "não era especialista em ginecologia", o que só por si abala de forma determinante o grau de certeza exigível a este tipo de prova e conduz ao vício irremediável das opiniões científicas e técnicas produzidas em sede de Relatório Pericial.

    3. Não obstante, a sentença recorrida aceitou como idónea a prova pericial produzida daquele modo viciado, com o que violou os art. 158° e 159° n° 1 do CPP e art. 45° n.º 1 do D-L n° 11/98 de 24 de Jan.

    4. A sentença recorrida interpretou erradamente os relatórios médicos de tipo ecográfico e histológico, fazendo confusão evidente entre as dimensões dos quistos localizados à direita e à esquerda, considerando do lado esquerdo apenas a dimensão do quisto - 3 cm - e não somando a dimensão do ovário respectivo - 4 cm - enquanto que do lado direito tratou como massa totalmente formada por quisto a soma dos volumes do eventual quisto e respectivo ovário - cfr supra 24. a 31.

    5. Aquele manifesto erro de apreciação conduziu a que o Tribunal tivesse lavrado em erros sucessivos de raciocínio, pois assumiu que o quisto do ovário direito era de "reduzida dimensão " quando comparado com um provável quisto do ovário esquerdo, apesar de ser evidente que cada um dos lados apresentava cerca de 4 cm de ovário, acrescidos de cerca de 3 cm de quisto, num total para cada um dos lados de massa totais de cerca de 7 cm, fundamentando com essa inexistente diferença de tamanho o juízo de censura sobre o comportamento cirúrgico do arguido.

    6. A sentença fez uma síntese indevida de elementos de diagnóstico, colocando no mesmo nível de certeza e de ocorrência temporal diagnósticos prévios ecográficos com diagnósticos histológicos ulteriores à cirurgia, pretendendo dar a certeza de que os primeiros carecem através da segurança que só os segundos conferem, partindo do principio de que no momento da cirurgia todos esses diagnósticos estariam disponíveis.

    7. A douta sentença recorrida não valorou suficientemente o carácter precário dos diagnósticos ecográficos, tratando-os com o mesmo grau de certeza própria de diagnósticos histológicos.

    8. Deve ser dado como provado que "Existiu fundamento médico válido para a excisão do ovário direito e respectivo quisto, por não ter sido possível, proceder á excisão do segundo, preservando o primeiro".

    9. O Tribunal a quo é incompetente para se pronunciar sobre a deontologia médica inerente às regras do consentimento para intervenção cirúrgica e, de todo o modo, por tal matéria não ter constado do despacho de pronuncia, não pode ser oposta ao Arguido em sede de sentença visando agravar a respectiva responsabilidade, resultando violado o art. 379° n° 1 alínea b) do CPP.

    10. A matéria do pedido cível constante em factos provados de 23. a 26, repete a matéria já constante de 11. a 14. pelo que não pode ter relevância processual, sob pena de estarmos a repetir, sem qualquer vantagem processual, matéria de facto já antes considerada, por violação do princípio da economia processual.

    11. O depoimento do Médico F. - citado supra em 107 - e o parcial do Relatório Médico legal - citado supra em 118 - comprovam realidade diferente das dadas como provadas nos números 30., 31., 32 e 33 dos Factos Provados, permitindo apenas concluir que a Assistente sofreu um único episódio de dores fortes durante toda a gravidez e que a gravidez nunca foi de risco, sendo que apenas esteve sujeita ao risco de ser necessária uma intervenção para remoção do quisto, sem que isso conflituasse com o normal desenvolvimento da gravidez.

    12. A ansiedade por que a Assistente passou foi, em especial, derivada pela falsa convicção de que lhe tinha sido retirado um ovário saudável e que a funcionalidade do outro ovário estaria comprometida em breve prazo, tudo situações que, por não serem reais, não se vieram a confirmar, nem foi o Arguido que lhe induziu tal falsa convicção.

    13. Entre a realização da ecografia de finais de Janeiro de 1999, mediante a qual foi diagnosticado que o ovário extraído fora o direito, e o início da 1.ª gravidez no princípio de Abril de 1999, decorreram pouco mais de dois meses, período durante o qual se reconhece que a Assistente pudesse duvidar sobre se ainda poderia engravidar, estado subjectivo que, com a notícia da gravidez, obviamente teria que ser superado.

    14. A isolada alegação de que a Assistente foi obrigada a antecipar o nascimento dos filhos não concretiza as circunstâncias concretas da sua vida que teriam sido afectadas por tal antecipação, nem tal alegação pode merecer tutela do direito pois pressupõe que engravidar seja apenas um acto de vontade independente de contingências do próprio organismo e surgiu, esta alegação, em substituição oportunística de uma anterior queixa genérica no sentido de que não poderia ter filhos, a qual, por inviabilizada, passou de "impossível" para "inconveniente".

    15. A Assistente não ficou diminuída em qualquer das suas funções biológicas, mantendo até hoje a regularidade das suas menstruações e mantendo viável, por isso, a possibilidade de vir a ter mais filhos para além dos dois filhos que já teve, o que bem comprova a inexistência de qualquer tipo de sequelas que pudesse imputar ao Arguido.

    16. Também por isso, o montante concedido a título de indemnização cível a título de danos não patrimoniais é muito exagerado, muito desproporcionado aos danos não patrimoniais que a Assistente terá sofrido, mesmo que tais danos fossem, e não são, da responsabilidade do Arguido, o que traduz um manifesto erro de avaliação, resultando violado o art. 496° do CC.

    17. A afirmação no sentido de que a perda de um ovário ( ...), teoricamente diminui em cerca de 50 % a possibilidade de engravidar" é uma afirmação de carácter médico sem suporte probatório e intrinsecamente errada, pois medicina não é matemática, nem é legítimo no campo estrito da lógica concluir que, quem tenha dois ovários, tenha que ter obrigatoriamente gémeos.

    18. O ovário que foi retirado à Assistente não integra o conceito de "órgão importante" para efeitos da qualificativa operada - pois que a respectiva função biológica foi mantida para além do momento em que o mesmo foi cirurgicamente removido, e só poderia ser classificado como "órgão importante" para efeitos daquela subsunção, na eventualidade de a Assistente ter ficado, mesmo, inviabilizada de engravidar - o que se sabe não ser manifestamente o caso, com o que resulta violado o art. 144° alínea a) do CP.

    19. Por força da "desqualificação" do crime de ofensas corporais operada ao abrigo da conclusão anterior, a moldura penal é alterada em conformidade suscitando a aplicação oficiosa quer dos preceitos legais inerentes ao regime prescritivo, quer os respeitantes ao benefício legal traduzido na Lei de Amnistia n° 29/99 de 12 de Maio.

    20. A pena de prisão efectiva de 18 meses, apesar de suspensa na respectiva execução, é tremendamente desproporcionada, infundada, e tem como principal consequência o enxovalho e a humilhação de um médico que trabalhou impoluto uma vida inteira para agora na sua velhice ser sujeito a um ultraje desta medida, com o que resultam violados os arts 70º e 71° do CP.

    21. A douta sentença incorreu em erro notório na apreciação da prova, ao dar como provados os factos supra impugnados, pois que face ás regras da experiência comum, teria de concluir, além do mais, pelo bom fundamento médico da intervenção dirigida ao ovário direito, bem como não poderia ter concluído como concluiu sobre a dimensão comparativa dos quistos.

    22. A douta sentença ao não ter versado as nulidades arguidas em sede de Contestação, violou o art. 379° n° 1...

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