Acórdão nº 9172/2006-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 30 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelPIMENTEL MARCOS
Data da Resolução30 de Janeiro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

Celeste […] e Florinda […] intentaram a presente acção com processo ordinário, contra Adriana […], residente […] Lisboa, pedindo que se declare serem elas as legítimas donas da referida fracção autónoma e a ocupação por parte da R. insubsistente, ilegal e de má fé, e se condene esta no pagamento da quantia de Esc. 120.000$00 desde a data da citação até restituição da fracção, e ainda na quantia de Esc. 1.900.000$00, que a título de frutos civis esta poderia produzir desde o começo da posse de má fé até à data da propositura da acção.

Alega para tanto, e em síntese, que João […], então casado no regime da comunhão geral de bens com a 1ª A., adquiriu por escritura pública a referida fracção, a qual foi registada a seu favor na Conservatória do Registo Predial respectiva, encontrando-se actualmente registada a favor das A.A. sem determinação de parte ou direito, após o óbito daquele ocorrido em 1994.

E diz ainda que, quando João […] se propôs fazer valer o seu direito de propriedade sobre tal facção, Licínio […], já falecido, "ao que se supõe marido ou companheiro da R.", se opôs, invocando um pretenso direito de arrendamento que legitimaria a sua ocupação.

A R. contestou alegando a existência de um contrato de arrendamento verbal celebrado entre a anterior proprietária do imóvel e Licínio[…], seu falecido marido, tendo sido acordada a renda mensal de Esc. 1.500$00. E que, por óbito deste, ocorrido em 90.05.30, a R. enviou à então proprietária uma carta registada com aviso de recepção, comunicando aquele óbito e enviando as certidões de óbito e de casamento, e pedindo que os recibos de renda fossem passados em seu nome.

Replicaram as A.A. impugnando a existência do contrato de arrendamento.

A fls. 103 foi proferido despacho de aperfeiçoamento, convidando-se a R. a esclarecer a data da celebração do alegado contrato de arrendamento e sua duração, constando a resposta de fls. 104 e ss., e o requerimento de resposta da A. a fls. 148 e ss.

Foi realizada audiência preliminar, em que foi julgada improcedente a excepção de erro na forma de processo suscitada pela ré, por despacho com trânsito em julgado.

Foi fixada matéria de facto relevante e procedeu-se a audiência de julgamento.

Seguidamente foi proferida a sentença, tendo a acção sido julgada parcialmente procedente e declarando-se que as AA. são proprietárias da fracção correspondente ao 1º andar esquerdo do prédio […] e condenada a R. a entregá-la imediatamente às AA devoluta de pessoas e bens, bem como a pagar-lhes a quantia de € 52.074,50, e ainda a quantia de € 598,55 mensais até à entrega efectiva, absolvendo-se do restante pedido.

Dela recorreu a ré, formulando as seguintes conclusões: A. R.-Recorrente não questiona o direito de propriedade das AA.

B. Todavia, a R.-Recorrente tem fundamento bastante para se opor à restituição reivindicada pelas Apeladas.

C. Com efeito, no que toca a saber se existe algum obstáculo à restituição peticionada pelas AA., o Mmo. Do Tribunal a quo incorreu em erros de julgamento, demitindo-se da posição activa que lhe cabe quanto à aproximação da verdade material, como forma de alcançar a justa composição do litígio, que é o objectivo de todo o processo, não tendo utilizado os factos instrumentais que a instrução e o julgamento da causa permitiram apurar, nos termos do disposto no n° 2 do art. 264° do Cód. Proc. Civil.

D. Ao Tribunal é lícito, fundando-se nas regras práticas da experiência de vida, valer-se de uma prova de primeira aparência e estabelecer um facto desconhecido como consequência típica de um outro conhecido que com ele esteja numa relação lógica necessária.

E. Uma vez que é pedido ao Tribunal que se pronuncie quanto à existência de um contrato celebrado verbalmente entre duas pessoas já falecidas, é bem evidente que ao Julgador seria não só lícito, mas necessário, socorrer-se de 'factos-base de presunção' para, da sua existência, concluir pela existência dos próprios factos constitutivos dos direitos ou excepções invocados pelas partes F. Desde a publicação dos Decs. Lei n° 188/76, de 12 de Março, e n° 13/86, de 23 de Janeiro, "a falta de contrato escrito presume-se imputável ao senhorio", à R.-Recorrente não competia provar a existência do contrato já que, a presunção legal, estabelecida no n° 2 do art. 1° do Dec. Lei n° 13/86, constituindo uma derrogação das regras sobre ónus da prova, e impondo às AA., nos termos do art. 350° do Cód. Civil, que ilidissem a presunção da existência de contrato de arrendamento.

G. O diminuto preço por que o andar foi adquirido pela 1° A e seu falecido marido indicia mesmo a existência de título bastante por parte da R., consabido que é que os imóveis devolutos atingem preços de compra e venda muito mais elevados.

H. O preço do andar em causa era de tal forma reduzido que fez com que o genro dos compradores usasse factos que vieram ao seu conhecimento pelo exercício das suas funções de trabalhador bancário da secção de empréstimos à habitação para negociar em nome próprio ou de ascendentes em primeiro grau, a respectiva aquisição, sendo certo que não consta que os empregados bancários se interessem por todos os negócios que vêm ao seu conhecimento.

I. Uma vez que o genro da 1ª A e marido da 2ª A. trabalhou alguns anos na secção de empréstimos do BPA, pelo que teve conhecimento de milhares de negócios, muitos dos quais se frustraram, alguma coisa este teria que o distinguisse dos demais e o levasse a interessar-se por ele.

J. O preço extraordinariamente baixo do andar é facto indiciador da existência de uma obrigação que se não pode fazer cessar por simples vontade do proprietário, como é o caso do arrendamento.

L. Na hipótese, que aqui se aventa por mero efeito de raciocínio, de a casa ter sido ocupada em finais de 1978 pela R. e seu marido contra a vontade da proprietária, não se compreende como é que os contratos de fornecimento de água e electricidade se mantiveram em nome da proprietária 'esbulhado' até 1987, sem que esta reagisse.

M. Sendo que os compradores do andar eram emigrantes em França, não se apurou qualquer fundamento bastante para que não usassem da faculdade de despejo que a lei conferia aos emigrantes que desejassem regressar a Portugal.

N. As testemunhas D.[…] e Maria […] foram absolutamente assertivas ao afirmar terem assistido, por mais de uma vez, ao pagamento do montante de Esc.: 1.500$00 à Sra D. E […], a título de renda.

O. A circunstância de a dita D. E.[…] nunca ter emitido qualquer recibo de renda, eximindo-se às obrigações fiscais daí decorrentes, deve ser interpretado, de acordo com a experiência de vida, à luz das declarações que fez para efeitos fiscais no sentido de ser ela própria a habitar no andar a partir de 1978, ano a partir do qual, como ficou provado, a R.-Recorrente e o seu falecido marido já habitavam no andar.

P. O Contrato de arrendamento pode provar-se por qualquer meio admitido em direito, seja a prova testemunhal, seja a consideração de factos instrumentais que devam ser considerados.

Q. A ausência de documento escrito que consubstancie o arrendamento verbalmente acordado e de recibos de renda constitui factos imputáveis aos senhorio, que não podem agora penalizar a R.-Recorrente.

R. Tendo decidido que, "não tendo a R. logrado provar a existência de um contrato de arrendamento, ónus que sobre si impendia nos termos do artigo 342°, n ° 2, CC, não pode opor-se à entrega da fracção reivindicado" não obstante a inversão do ónus da prova consagrada no art. 350° do Cód. Civil que impõe sejam as AA.-Apeladas ilidir a presunção de que a falta de redução a escrito não é imputável ao senhorio, a douta sentença recorrida não só incorreu num erro de julgamento, como fez errada aplicação do direito.

S. Não se tendo pronunciado sobre os factos instrumentais que resultaram da instrução e julgamento da causa, factos que, nos termos do n° 2 do art. 264° do Cód. Proc. Civil, deveriam ser considerados, a douta sentença incorre na nulidade prevista na al. d) do n° 1 do art. 668° do mesmo diploma legal.

T. Assistindo à ora Alegante justo fundamento para se opor à restituição pretendida, não há lugar ao pagamento de qualquer indemnização às Recorridas.

U. Condenando ainda a R. a pagar às AA. uma indemnização de € 52.074, 50 e, bem assim, a quantia mensal de € 598,55 até à efectivação da entrega, por considerar abusiva a ocupação do andar por parte da R.-Recorrente, traduz, ela também, um erro de julgamento e uma errada aplicação da lei.

V- Deve ser reapreciada a prova produzida e revogada a sentença recorrida.

** Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.

Em 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos: 1. Por escritura lavrada em 87.10.30 […], E.[…] vendeu a João […], então casado no regime da comunhão geral de bens com a 1ª autora, livre de ónus encargos, a fracção autónoma designada pela letra "C", destinada à habitação […] do prédio sito em Lisboa […] 2. A referida aquisição encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial respectiva […] (artigo 2º dos factos assentes).

  1. Por óbito do Sr. João […] , o direito de propriedade da fracção em causa foi registada a favor das AA., sem determinação de parte ou direito, através da Ap. […](artigo 3º dos factos assentes).

  2. Mostra-se junto a fls. 26 um escrito subscrito pelo Sr. Licínio […], datado de 87.07.06, e entregue nessa mesma data na Repartição de Finanças […]: «Licínio […], contribuinte fiscal nº 105226629, morador em Lisboa […] declara, para efeitos de prova da qualidade de ocupante, de harmonia com o estabelecido pelo Decreto - Lei nº 138/81, de 30 de Maio: 1. Não existe arrendamento do andar que habita; 2. Paga a renda mensal de 1.500$00 (mil e quinhentos escudos que deposita na Caixa Geral de Depósitos, O proprietário do prédio é E. […] […] (artigo 4º dos factos assentes).

  3. Mostra-se junto a fls. 69 um escrito subscrito pelo Sr. Licínio[…] datado de 87.07.16, e entregue nessa mesma data na Repartição de Finanças...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT