Acórdão nº 7348/2006-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 23 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução23 de Janeiro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA 1.

V, intentou contra o Estado Português acção declarativa de condenação com processo ordinário.

Alegou, em síntese: Em processo crime, foi contra si deduzida acusação que pelo MP pelos crimes de peculato e de violação de normas de execução orçamental o que veio a ser corroborado pelo subsquente despacho de pronúncia do Sr. Juiz de Instrução Criminal.

Que a acusação e a pronúncia foram proferidas sem que dos autos constassem indícios da prática de tais factos, e por isso, em violação grosseira de regras jurídicas.

Que tais factos tiveram grande repercussão na comunicação social e atingiram a sua honra, dignidade, bom nome e imagem bem como da sua família, causando-lhe danos patrimoniais e não patrimoniais.

Pediu: A título de indemnização por tais danos, a condenação do Estado a pagar-lhe a quantia de Euros. 982.500,00, acrescido de juros de mora desde a data da citação até efectivo pagamento.

Regularmente citado contestou o réu.

Por excepção invocou a incompetência do Tribunal em razão da matéria, a caducidade e a prescrição.

Mais impugnou os factos alegados pelo A. na PI.

Houve réplica na qual o autor manteve a sua posição inicial.

  1. Foi proferido despacho saneador que conheceu as excepções deduzidas e as desatendeu.

    2.1.

    Tendo o réu interposto recurso que, no atinente às duas últimas excepções, foi admitido como de apelação e a subir a final.

    Terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: Quanto à excepção de caducidade 1 - Caso se entenda, como pretende o Autor ( cfr. o artº 364º da p.i.) que o comando resultante do artº 22º da Constituição da República abrange quaisquer danos ilicitamente provocados no âmbito da actividade judiciária, então e perante o direito ordinário, teria de recorrer-se ao mecanismo de integração de lacunas da lei, visto inexistirem normas jurídicas que directamente prevejam e concretizem o direito ora accionado.

    2 - Alegando o Autor que foi ilicitamente lesado em consequência de pretensos factos ilícitos praticados com manifesta ilegalidade e/ou erro grosseiro por uma magistrada do Ministério Público no âmbito da constituição do Autor como arguido e de um despacho de acusação penal, bem como em consequência de pretenso facto ilícito cometido com manifesta ilegalidade e/ou erro grosseiro por uma magistrada judicial em despacho de pronúncia, o único caso similar concretamente regulado na lei ordinária é o previsto nos arts. 225º e 226º ambos do Cód. de Processo Penal.

    3 - É, pois, de rejeitar a tese de que o prazo para o exercício do direito de indemnização por ilícito exercício da actividade judiciária - "in casu" por supostamente indevida constituição de arguido, dedução de acusação e despacho de pronúncia - deva ser o prazo geral do artº 498º do Cód. Civil.

    4- O artº 22º da Constituição da Republica Portuguesa estabelece o principio geral da responsabilidade do Estado e demais entidades públicas pelos actos dos seus orgãos, funcionários e agentes remetendo para a lei ordinária a determinação dos requisitos que condicionam os vários tipos de responsabilidade das funções do Estado.

    5- Por seu turno, os arts. 225º e 226º ambos do Cod. de Processo Penal prevêem os requisitos da responsabilidade civil do Estado quando estiver em causa uma detenção ou prisão preventiva manifestamente ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos seus pressupostos de facto.

    6- O conteúdo dos arts. 225º e 226º do Cód. de Processo Penal em nada contraria, em nada se opõe, ao regime-regra contemplado no artº 22º da Constituição da Republica Portuguesa.

    7- As disposições contidas nos arts. 225º e 226º do Cód. de Processo Penal não são excepcionais, mas especiais em relação ao artº 22º da Constituição da República Portuguesa, pelo que, podem ser aplicadas analógicamente - cfr. o artº 11º do Cód. Civil "a contrario".

    8- A aplicação analógica do artº 226º, nº 1, do Cod. de Processo Penal à situação invocada pelo Autor determinaria que aquela norma passasse a ter o seguinte conteúdo :"o pedido de indemnização não pode, em caso algum, ser proposto depois de decorrido um ano sobre o momento em que o Autor foi definitivamente absolvido no âmbito do processo em que foi constituído arguido, acusado e pronunciado".

    9- " In casu" a decisão definitiva no processo penal ocorreu com o trânsito em julgado da sentença absolutória , o que sucedeu em 23 de Janeiro de 2001.

    10- A presente acção deveria, portanto, ter sido instaurada até 23 de Janeiro de 2002; como, porém, só o foi em 15 de Janeiro de 2004, nesta data já se esgotara o sobredito prazo de caducidade de um ano.

    11- Havia, assim, que julgar provada e procedente a excepção peremptória de caducidade do exercício do direito do Autor e, consequentemente, absolver-se o Réu do pedido - artº 493º, nº 3, do Cód. Civil.

    12- Ao desatender tal excepção a douta decisão recorrida infringiu o preceituado nos arts. 225º e 226º, nº 1, ambos do Cód. de Processo Penal com referencia aos arts. 22º da Constituição da República Portuguesa e 11º " a contrario" do Cód. Civil.

    Quanto à excepção de prescrição: 13- Os factos ilícitos alegadamente praticados pela magistrada do Ministério Público e pela magistrada judicial foram cometidos e conhecidos do Autor bem mais de três anos antes da data de propositura da presente acção.

    14- Pelos menos logo que transitou em julgado o despacho de pronúncia, o que sucedeu, pelo menos, em 4 de Maio de 2000, nasceu o alegado direito à indemnização do Autor, pois a partir daí o mesmo tomou conhecimento, na sua perspectiva, de todos os pressupostos da responsabilidade civil que ora veio invocar em juízo; nada obstava, assim, a que a partir daí, o Autor exercesse judicialmente tal direito (e para efeitos do disposto no artº 306º, nº 1, do Cód. Civil).

    15- Uma vez que toda a actuação ilícita que o Autor atribui às mencionadas magistradas, assim como o inicio da produção dos danos resultantes daquela actividade, bem como o seu conhecimento por banda do Autor, tiveram lugar, pelo menos, em 4 de Maio de 2000, logo, mais de três anos antes da data da propositura da presente acção, instaurada em 15 de Janeiro de 2004, o direito à indemnização alegado pelo Autor encontra-se prescrito, nos termos do artº 498º, nº 1, do Cód. Civil.

    16 - Esta orientação não conduziria a soluções contraditórias no âmbito das jurisdições cível e criminal pois a tal obstaria o mecanismo da suspensão da instância previsto no artº 279º, nº1, do Cód. de Processo Civil.

    17- Deveria, assim, julgar-se provada e procedente a excepção peremptória da prescrição do direito à indemnização pretendido pelo Autor e, consequentemente, absolver-se o Réu do pedido - artº 493º, nº 3, do Cód. de Processo Civil.

    18- Ao desatender a invocada excepção, a douta decisão recorrida infringiu o disposto no artº 498º, nº 1, do Cód. Civil.

    2.2.

    Contra-alegou o autor terminando com as seguintes CONCLUSÕES: a) Está em causa neste processo a responsabilidade do Estado pelo exercício da função jurisdicional, directamente decorrente do artº 22º da C.R.P..

    b) Não estando previsto, em qualquer lei especial, o prazo para o lesado accionar essa responsabilidade, aplicam-se ao presente caso as regras gerais dos artºs 483º e segs. do Código Civil sobre a responsabilidade civil por factos ilícitos.

    c) Entre essas regras está a do artº 498º do Código Civil que estabelece o prazo de prescrição do direito de indemnização.

    d) Existindo lei expressa sobre a matéria, não há que colocar a questão do recurso à analogia.

    e) Não existindo qualquer norma legal a fixar um prazo especial para acções de responsabilidade por factos ilícitos no exercício da função jurisdicional do Estado, aplica-se a regra geral sobre a responsabilidade civil por factos ilícitos; f) e esta regra, quanto ao prazo para o exercício do direito à indemnização, é a do artº 498º do C. Civil.

    g) O M.P., na sua argumentação, defende o carácter não excepcional dos artºs 225º e 226º do C.P.P., e recorreu ao artº 10º do Código Civil para sustentar a aplicação analógica ao caso daqueles preceitos legais, ignorando o comando expresso no artº 11º deste mesmo Código e passando por cima da natureza excepcional dos artºs 225 e 226º do C.P.P.

    , que regulam o caso específico da indemnização por privação da liberdade ilegal ou injustificada, referido no Nº 5 do artº 27º da Constituição.

    h) A situação em apreço, cabe, assim, nas regras gerais sobre responsabilidade civil extracontratual, tese subscrita pelo acórdão da Relação de Évora de 03.10.02 (CJ XXVII, 4, 239).

    i) Em relação ao prazo de prescrição, o M.P. sustenta que o prazo de três anos para efeitos de prescrição deve contar-se a partir da prática dos actos que o A. qualifica como ilícitos: a acusação contra si deduzida pelo M.P., a sua constituição como arguido e a pronúncia contra si deduzida.

    j) A argumentação do R. conduz a soluções aberrantes, que põem em causa o bom funcionamento do sistema de justiça.

    k) A primeira e fundamental razão da ilicitude dos actos que constituem a causa de pedir reside no facto de o A.

    não ter praticado os crimes por que foi acusado e pronunciado.

    l) Só com o trânsito da decisão proferida pela 3ª Vara Criminal de Lisboa ficou judicialmente reconhecido que o A. não cometeu qualquer crime pelos factos por que foi acusado e pronunciado.

    m) O direito à indemnização, porque tem como um dos pressupostos que o A. não cometeu os crimes por que foi acusado e pronunciado, só nasce com o reconhecimento judicial desse pressuposto, como parece óbvio.

    n) Só, pois, com a decisão definitiva do processo que correu contra o arguido, ora A., se radicou na esfera deste o direito a ser indemnizado.

    o) Além de não respeitar a lei, a posição do M.P. conduziria também a soluções aberrantes; p) conduziria a que, quem se considerasse acusado ou pronunciado por erro grosseiro, tivesse de instaurar a competente acção de responsabilidade civil contra o Estado, antes ainda de a sua inocência ter sido declarada pelos Tribunais; q)...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT