Acórdão nº 1947/2006-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 13 de Dezembro de 2006

Magistrado ResponsávelFERREIRA MARQUES
Data da Resolução13 de Dezembro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO J…, casado, economista e gestor de empresas, residente na Rua …, em Lisboa, instaurou acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra Companhia de Seguros …, com sede na Rua …, em Lisboa, pedindo a condenação desta no pagamento das remunerações, prémios e regalias, decorrentes daquele contrato e da sua cessação, tudo no valor global de € 1.311.519,07.

Alegou para tanto e síntese o seguinte: Em 20 de Julho de 2001, celebrou com a Ré um contrato de trabalho e um acordo de prestação de trabalho em regime de prestação de serviços, tendo rescindido o contrato de trabalho que há 25 anos o vinculava ao Instituto de Seguros de Portugal, como …, para que fora nomeado em comissão de serviço; De harmonia com o acordado, a partir de 25/7/2001, passou a exercer, nas instalações da Ré, as funções de …, mediante a retribuição de € 4.489,18, acrescida de subsídio de férias e de Natal; Em Assembleia Geral realizada em 26/7/2001, foi eleito … tendo, a partir dessa data, iniciado o desempenho do correspondente cargo e suspendido as funções de …; As funções de … foram exercidas até 14/11/2002, data em que foi destituído daquele cargo por deliberação da Assembleia Geral dessa data; Na mesma data, reassumiu as funções de … da Ré, exercício que se prolongou até 10/01/2003, com pleno cumprimento das suas obrigações, enquanto trabalhador, e aquela, enquanto sua entidade patronal, pagou-lhe a remuneração devida nos meses de Novembro e Dezembro, bem como os subsídios de Férias e Natal, tendo o mesmo utilizado o cartão de crédito, a viatura Volvo que lhe fora atribuída e beneficiado dos seguros pessoais como fora clausulado entre as partes; Em fins de Dezembro de 2002, verificando não poder contar com os necessários apoios, e por não se verificarem as condições necessárias que sempre tivera como adequadas à continuação do exercício do cargo como Director, rescindiu o contrato de trabalho que o vinculava à Ré, por carta entregue em 10/01/2003; A Ré, porém, não honrou os seus compromissos não tendo pago ao A. a compensação indemnizatória prevista na cláusula 15.ª do contrato celebrado pelas partes.

A Ré contestou a acção, alegando, em resumo, o seguinte: O acordo invocado pelo A. foi subscrito por este e por dois Administradores da Ré, …, sem que aí conste aposto o título em que intervêm; Na data em que esse documento foi subscrito, já o A. havia aceite o convite para o cargo de membro do …, vindo a sua eleição a ocorrer no dia 26/7/2001; Entre o dia 20/7/2001 e o dia 26/7/2001, o A. não exerceu qualquer função efectiva na Ré; Em Assembleia Geral de 14/11/2002, o A. foi destituído do cargo de …, não tendo a partir daí exercido actividade de qualquer natureza na Ré; Cerca de duas semanas antes de 26/7/2001, já se sabia que … se iria reformar e que quem o iria substituir era um elemento estranho à sociedade, o A.; A accionista maioritária da …, já havia convidado o A. para o exercício dos cargos de membro do …, para que ia ser designado na Assembleia Geral de 26 de Julho, como se veio a verificar; Antes desta data, o A. não prestou à Ré qualquer trabalho subordinado, não o tendo prestado igualmente depois da sua destituição como Administrador.

Os contratos invocados pelo autor são nulos; A única relação que existiu entre o A. e a Ré foi a de administração, sendo certo que não é legalmente possível que tais funções em sociedade anónima sejam exercidas em regime de comissão de serviço face à natureza laboral desta figura; O acordo em causa é também nulo por falta de forma em virtude de os administradores da Ré sem a indicação dessa qualidade terem aí aposto a sua assinatura.

Esses administradores não tinham poderes para contratar um administrador, independentemente do modelo contratual utilizado; O contrato é ainda nulo por ter objecto legalmente impossível, por contrariar preceitos legais imperativos, em particular o art.º 398.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais [CSC] e por consubstanciar fraude à lei, atribuindo ao A. direitos contrários à lei.

Concluiu pela improcedência da lide e pela sua absolvição do pedido.

O A. respondeu às excepções invocadas, mantendo os seus pontos de vista e alegando que a Ré com sua postura actua com abuso de direito e numa atitude intolerável à luz dos ditames da boa fé; Arguiu ainda a inconstitucionalidade do art.º 398.º, n.º 2 do CSC, por violação do art.º 54.º e 56.º da Constituição da Republica Portuguesa (CRP), por ter criado uma nova causa de extinção por caducidade dos contratos de trabalho e sustenta que o DL 404/91, de 16/10 derrogou a aludida norma do CSC, por elementar coerência hermenêutica jurídica.

Concluiu pela improcedência das excepções invocadas pela Ré.

Saneada e julgada a causa, foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e absolveu a Ré do pedido.

Inconformado, o A. interpôs recurso de apelação da referida sentença, no qual formulou as seguintes conclusões: 1ª) - Deverá ser alterado o ponto da matéria de facto que considerou como não provado que desde 25 de Julho o A. tenha passado a exercer nas instalações da Ré as funções de Director Coordenador, uma vez que o A. só foi eleito Administrador 26/7/2001, pelo que a sua presença nas instalações da Ré em 25/07/2001 o foi como Director Coordenador, tendo sido remunerado pela Ré nessa qualidade por tal dia de trabalho (cfr. doc. de fls. 371 e depoimento da testemunha …); 2ª) - Tem de se alterar o ponto 3 dos factos dados como não provados, uma vez que está em contradição com o contrato celebrado, documentado e dado como provado e contraria os documentos de processamento das remunerações devidas e pagas ao A. juntos aos autos, sendo que a prova documental é indivisível, pelo que a sentença recorrida violou o disposto no art. 376º do Cód. Civil (cfr. contrato de fls. 99 a 105 e docs. de fls. 97/98 e 365 a 370); 3ª) - Igualmente tem de se dar como provado que o A. reassumiu as suas funções de Director Coordenador em 14/11/2002, funções por que foi devidamente remunerado pela Ré nos meses de Novembro e de Dezembro de 2002, situação que subsistiu até 10-01-2003; 4ª) - Está provado (cfr. pontos 26 e 27 dos factos dados como provados) que o contrato em causa nos autos foi elaborado pelos Advogados da Ré, especialistas em Direito do Trabalho, que o fizeram em conformidade com a vontade livre e a plena aceitação da Ré; 5ª) - Como ficou provado que o pagamento feito pela Ré ao A., nos meses de Novembro e Dezembro de 2002, foi processado em conformidade com o determinado pela Administração da Ré, ou seja, com o reconhecimento da sua qualidade de Director Coordenador da Ré, devendo assim dar-se como provado que o A. reassumiu tais funções, imediatamente após a sua destituição de Administrador, em 14-11-2002, facto este que também tem de ser dado como provado (cfr. art. 14º da petição, art. 52º da contestação e doc. de fls. 72); 6ª) - Dever-se-á eliminar o ponto 2 dos factos dados como não provados, face aos elementos constantes dos autos, pois a própria testemunha da Ré, …, confirmou que no dia 25-07-2001: "O Dr. … entrou de manhã, saiu para almoço e voltou à tarde", "um dia normal de trabalho"; 7ª) - Também o ponto 3. dos factos dados como não provados tem de ser alterado, por estar em contradição com os documentos de fls. 97 e 98 e o contrato de fls. 99 a 105 (Cláusula 3ª); 8ª) - Deve dar-se como provado, até por confissão e documentos - fls. 325 a 370, que foram efectuados, pela Ré, os descontos legais para a Segurança Social, sendo que relativamente ao período posterior à cessação de funções de Administrador, o funcionário da Ré encarregue do processamento dos vencimentos, ouvido como testemunha, afirma que o fez, como Director Coordenador, por tal ter sido ordenado pelo novo Presidente da Comissão Executiva que sucedeu ao A.; 9ª) - Como se deve dar como provado que o A. se desvinculou do contrato que, há 28 anos o vinculava como …, e que se desvinculou do lugar de Presidente do …, para poder ingressar na Ré, factos da maior relevância, até porque a sentença recorrida refere que a antiguidade estabelecida no contrato para efeitos indemnizatórios foi ficcionada, como se o A. tivesse começado a sua actividade nos Seguros, na Ré e como se o contrato dos autos não devesse acautelar a antiguidade que o A. perdia ao desvincular-se do Instituto de Seguros de Portugal; 10ª) - O A. tem um vasto currículo de gestor na área dos seguros, tendo passado pela Administração de importantíssimas Seguradoras e, por isso, foi procurado pela Ré que o obrigou a desvincular-se do …, onde tinha um cargo superior e uma antiguidade de quase 30 anos, ao mesmo tempo que pediu também a exoneração do importante cargo de Presidente do …; 11ª) - Foi a Ré que entendeu, para poder contar com a colaboração do A., que o contrato entre ambos celebrado salvaguardasse a sua antiguidade e lhe assegurasse as garantias indemnizatórias que correspondem às previstas no CCT do Sector dos Seguros, contrato, aliás, que era comum a Ré celebrar em casos idênticos; 12ª) - O Presidente do Conselho de Administração do accionista maioritário da Ré, a testemunha Dr. …, referiu: "... custa-me a crer que haja um homem que trabalhe 20 (vinte) ou 28 (vinte e oito) anos noutra empresa que aceite pura e simplesmente ir trabalhar para outra empresa sem ter um vínculo, então desvincula-se do antigo emprego e depois perdia tudo e ficava sem emprego?" 13ª) - A própria Senhora Juíza do Tribunal "a quo", refere que o Administrador da Ré, Dr. …, afirmou, em interpretação autêntica do contrato e dos factos o seguinte: "...a contratação do autor foi efectuada por jurista competente da sua máxima confiança. Referiu ainda a testemunha que se ia reformar e que o autor foi contratado nos moldes em que o foi por forma a ser-lhe garantido um lugar nos quadros da ré".

  1. ) - O contrato em causa nos autos resultou da livre solicitação da Ré ao A. e o seu clausulado...

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