Acórdão nº 8142/2006-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Dezembro de 2006

Magistrado ResponsávelPIMENTEL MARCOS
Data da Resolução12 de Dezembro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa Maria […] propôs a presente acção com processo ordinário Contra o ex-cônjuge António […] Pedindo a execução específica do contrato promessa de partilhas por eles celebrado em 26/4/2000, no qual acordaram que, tendo em vista o requerido divórcio, e sob a condição de o mesmo ser decretado, os bens comuns do casal são os aí relacionados, prometendo e obrigando-se reciprocamente a proceder à partilha e consequente adjudicação dos bens nos termos aí previstos e estabelecidos.

O réu contestou invocando, no essencial, a nulidade do contrato promessa, por violação do disposto no artigo 1730º, nº 1 do CC.

Foi proferido despacho saneador, com selecção da matéria de facto, por decisão que não mereceu reclamação das partes.

Finda a produção da prova foram fixados os factos provados e os não provados.

Finalmente foi proferida a competente sentença julgando-se a acção improcedente por não provada e absolvendo-se o R. do pedido de reconhecimento do direito à execução específica do contrato promessa de partilha, na medida em que se julgou nulo este contrato por violação da norma imperativa do artigo 1730º do CC.

Dela recorreu a autora, formulando as seguintes conclusões: 1. O douto aresto recorrido violou caso julgado material, art.°s 671.° e seg.s e 497.° e seg.s do CPC, ao determinar que "o acto de partilha visa precisamente estabelecer o destino de todos os bens que compõem a comunhão que, pelo divórcio, se dissolveu" e que existindo "bens que não estão relacionados na promessa de partilha (…) a partilha prometida jamais garantiria que os cônjuges participariam em metade no activo e no passivo da comunhão", um vez que vai contra douta decisão proferida aos 09.11.2001 nos autos de Inventário para Separação de Meações que correm os seus termos […], e em que são partes os aqui A. e R., decisão a qual, em resposta à arguição da nulidade do contrato-promessa sub judice por "dele não constarem todos os bens do casal, nomeadamente os saldos das contas bancárias", decidira e julgara que "cessadas as relações patrimoniais, constitui-se na esfera juridico-patrimonial de cada cônjuge o direito de proceder à partilha do património comum - mas não essa obrigação. Aos cônjuges é lícito permanecer na indivisão e, por maioria de razão, é-lhes permitido proceder à partilha meramente parcial dois bens do casal ou obrigarem-se a proceder, nesses termos, à partilha".

  1. Numa e noutra acção as partes são as mesmas (os aqui A. e R.), numa e noutra o efeito jurídico pretendido é o mesmo (a declaração de nulidade do contrato-promessa sub judice) e numa e noutra o facto jurídico de que se pretende proceda tal efeito é o mesmo (a nulidade do contrato-promessa devido ao facto de o mesmo não incluir todos os bens do casal). É, assim, inadmissível uma segunda decisão sobre esse mesmo ponto de direito, já decidido e com cuja decisão as partes já se conformaram.

  2. Assim, entendendo-se ou não que a decisão que pôs termo ao incidente de oposição ao inventário, nos autos que correm no Tribunal de Família e Menores de Lisboa se enquadra no conceito de "sentença", constante do art.° 671.° CPC, certo é que tal decisão sempre integrará o conceito de "decisão contraditória [com aquela ora recorrida] sobre a mesma pretensão" constante do art.° 675.° do mesmo Código, decisão essa que nunca poderá ser revogada pela ora recorrida no âmbito do único processo onde esta poderá produzir efeitos, a saber: no inventário para partilha dos bens comuns do A. e R., onde, não sendo ordenada a execução específica da partilha prometida outorgar por estes, sempre terá de ser decidida essa partilha.

  3. Outrossim, seria imposta ao Tribunal de Família e Menores de Lisboa, que é o único com competência para a partilha dos bens comuns de A. e R., a obrigação de aplicar um aresto que revoga a interpretação que fez, com plena legitimidade, e com precedência temporal, do Direito aplicável, imposição essa que não derivaria de qualquer subordinação hierárquica que este mantenha com o Tribunal a quo e que, por tal, seria tão abstrusa quanto ilegal à luz dos princípios mais elementares da organização judicial portuguesa.

  4. Termos em que, sendo a excepção de caso julgado de conhecimento oficioso (art.°s 494.° alínea i) e 495.° CPC), e bem sabendo o Tribunal a quo, da existência dos autos de Inventário supra identificados (vd. n.° 9 da matéria de fato provada), este não poderia ter proferido decisão que incidisse sobre um ponto de direito que já havia sido cabalmente decidido e julgado, em sentido contrário, naqueles autos.

  5. Ademais, ao decidir nos termos referidos na anterior conclusão 1, o douto aresto recorrido violou a lei substantiva. Com efeito, os cônjuges não ficam obrigados a fazer cessar a sua comunhão de bens quando cessam as relações patrimoniais entre ambos mantidas. O que a lei, no art.° 1689.° do Código Civil prevê, não é um dever mas um direito a fazer cessar esse património comum, dividindo-o de modo igualitário. Logo, se assiste aos cônjuges o direito de, não promovendo o acordo ou o inventário, permanecerem na indivisão total de bens, por maioria de razão lhes é lícito proceder à partilha parcial do seu património, dividindo, somente, alguns dos bens que o constituem.

  6. Inexiste norma legal que estipule que "o acto de partilha visa precisamente estabelecer o destino de todos os bens que compõem a comunhão que, pelo divórcio, se dissolveu".

  7. Tão pouco a unicidade ou multiplicidade de actos de partilha releva para o cumprimento da regra da divisão do património comum do casal em partes iguais; com efeito, de modo algum uma partilha parcial implica, por si, qualquer desequilíbrio na determinação das meações. Por tal, viola a lei entendimento segundo o qual um contrato-promessa de partilha que não inclua a totalidade dos bens comuns do casal "não [possa] respeitar o art.° 1730.° do Código Civil"; 9. Não foi provado que a existência de dinheiros comuns do casal não discriminados no contrato-promessa sub judice "evidentemente põe em causa o equilíbrio das prestações patrimoniais a que as partes tinham chegado ao celebrarem o contrato"; com efeito, o R. nunca alegou que desconhecia, na data do contrato, a existência e paradeiro desses dinheiros e que não os teve em consideração na determinação das prestações patrimoniais.

  8. Termos em que, não tendo sido provado "que foi violada a regra da divisão do património comum do casal em partes iguais", nem que qualquer vício ou limitação da vontade afectasse os contraentes, a declaração, pelo aresto recorrido, da nulidade do contrato-promessa sub judice, constitui uma violação dos princípios da liberdade contratual, art.° 405.° n.° 1 do Código Civil e pacta sunt servanda, art.° 406.° do mesmo diploma, e das regras do ónus da prova, art.° 342.° 11. Tendo já transitado em julgado as partilhas, efectuadas nos autos de Inventário acima identificados, de todos os bens móveis e dinheiros do património comum de A. e R. que não foram discriminados no contrato-promessa sub judice, a decisão de declarar nulo tal contrato, com fundamento na não inclusão daqueles bens no mesmo, faz tábua rasa do referido contrato em razão de uma nulidade cujas consequências já nem se poderão traduzir nos bens que, pretensamente, "a justificam" mas, somente, naqueles cuja afectação foi, inequivocamente, objecto de acordo das partes, e que as partes têm administrado, desde a outorga daquele, concretizando uma irrazoável preterição da estabilidade e segurança das situações jurídicas e da boa-fé das partes sem qualquer benefício discernível.

  9. Acresce à conclusão anterior, que a preterição das legítimas expectativas dos contratantes de boa-fé ali referida resulta de nulidade arguida pelo R., o qual, agindo de má-fé, pretende tirar proveito ilegítimo dessa arguição; com efeito, o R., não só renega a palavra dada naquele contrato-promessa, no qual declarou "que se obriga livre e conscientemente à prometida partilha nos termos previsto na anterior cláusula Quinta por os mesmos serem justos e equilibrados, promete assim e obriga-se a nada mais reclamar ou exigir seja com que fundamento for", como o faz sem sequer alegar que desconhecia os dinheiros e bens móveis existentes no património comum de A. e R. e não discriminados, expressamente, no contrato-promessa, e nos quais funda a nulidade do contrato, antes dando conta de ter agido, ao outorgá-lo, "com má-fé e com evidente reserva mental", 13.

    Má-fé que o R. manteve em juízo, mentindo grosseiramente quanto à composição do seu quinhão, e alegando que "não tinha qualquer valor real", quando "fez-se prova do facto contrário", termos em que o R. sempre estaria impedido, ao abrigo do art.° 334.° do Código Civil, nomeadamente, dos corolários do princípio da boa-fé denominados venire contra factum proprium e exceptio doli, de arguir a nulidade do contrato-promessa sub judice e de aproveitar-se da mesma para eximir-se à execução específica desse contrato, na qual expressamente assentiu.

    E termina dizendo que deve ser revogada a decisão recorrida e substituída em conformidade com as conclusões formuladas.

    Não foram feitas contra-alegações.

    Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.

    Em 1ª instância foram dados como provados, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos: 1) Por sentença de 18/10/200, transitada em julgado no dia 30 do mesmo mês e ano, proferida no proc. […] do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, instaurado por A. e R. em 9/3/2000, foi decretado o divórcio, por mútuo consentimento, dissolvendo o casamento celebrado entre A. e R. em 14/6/1986, conforme certidão de fls. 15 que aqui se dá por integralmente reproduzida - (Al. A) dos factos assentes ); 2) A. e R. encontravam-se separados de facto desde 13/12/1999 - (Al. B) dos factos assentes ); 3) Por contrato intitulado "Contrato Promessa de Partilha" celebrado em 26/4/2000, A. e R. acordaram « tendo em vista o pretendido divórcio, e sob a condição do mesmo vir a ser decretado, desde já...

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