Acórdão nº 3021/2006-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 26 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelFARINHA ALVES
Data da Resolução26 de Outubro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa D…, divorciada, residente na Rua …, Cascais, intentou contra L… e mulher DV…, casados sob o regime de comunhão geral de bens, ambos reformados e residentes na …, Cascais e ainda contra A… casado com R… e J… casado com M…, todos residentes na Vivenda ..., Cascais, a presente acção declarativa com processo comum sumário.

Pediu que lhe fosse reconhecido o direito de propriedade, fundado em usucapião, sobre o prédio de habitação denominado "Vivenda …" e respectivo logradouro, com a área total de 100 m2, sendo 40 m2 referentes à área de implantação da vivenda e os restantes 60 m2 correspondentes à área do logradouro, inscrito na matriz predial urbana sob parte do art. 4416 da Freguesia de S. Domingos de Rana, a desanexar do prédio descrito na 1.ª Secção da Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º 22.371, a confrontar de norte com A… e Rua …, do sul com Acácio do Espírito Santo Trindade, do Nascente com L… e Rua e do poente com auto-estrada pertencente à Brisa.

Alegou, para tanto, em síntese: Os RR são os titulares inscritos do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º 22371.

Desde sensivelmente 1965 a A. e o R. L... viveram maritalmente, ela no estado de divorciada e ele no estado de casado com DV…, de quem se encontrava separado de facto.

Durante essa vivência em comum, por volta de 1967, a A. e o R. L… compraram a MP… uma parcela de terreno para construção com a área de 200 m2, que constituía ½ do lote de terreno designado por lote 7, sito no Curral Alto, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais, 1.ª secção, sob o n.º 22.371 do L.º B-69, a fls. 68 da freguesia de S. Domingos de Rana, inscrito na matriz sob o art.º 1523.º da Secção 60.

Em virtude de o casal aguardar o divórcio de L… não celebraram a respectiva escritura de compra e venda.

No entanto as partes deram o negócio como realizado, A e R. pagaram o preço e logo tomaram posse do mesmo.

Nesse lote de terreno a A. e o R. L… foram construindo uma casa de habitação que denominaram Vivenda "…", onde logo que a mesma se encontrou construída passaram a habitar.

A vivenda foi construída a expensas conjuntas.

Em meados de 1970 o R. abandonou a que tinha sido a morada de família de ambos e foi viver de novo com a esposa.

Nessa altura fizeram partilha dos bens comuns entre os quais o prédio a que se referem os autos.

Foi atribuída à A. essa vivenda com o recheio e com um logradouro de 60 m2, sendo ali que, desde então, tem residido, inicialmente com o filho, enquanto este foi solteiro, e depois sozinha.

O R. L… ficou com a outra metade do terreno que tinham comprado à MP… e onde tinha construído um barracão que funciona como oficina que o R. mantém arrendado e com o restante logradouro.

A posse exclusiva da A. sobre a referida vivenda e seu logradouro dura, ininterruptamente, desde essa altura, há mais de trinta anos, e sempre foi presenciada diária e constantemente pela vendedora, pelos vizinhos e pela população local, sem qualquer oposição.

Porém, no dia 25 de Maio de 1975 o R. L… celebrou com a antepossuidora escritura pública de compra e venda relativamente a um meio do referido lote de terreno, só em seu nome, tendo registado tal aquisição.

Não obstante nunca perturbou a posse que a A. vinha exercendo sobre a vivenda e respectivo logradouro que constituem metade desse lote.

Citados, os RR L… e mulher contestaram, tendo alegado em síntese: Quando o R. marido iniciou o seu relacionamento com a A. já tinha ajustado com MP… a compra da parcela do lote de terreno e tomado posse da parte que correspondia ao seu direito, faltando apenas a escritura pública de compra e venda.

Logo que ajustou o negócio nos termos relatados o 1.º R. pagou integralmente o preço.

Foi unicamente a expensas suas que o R. foi construindo na parcela que havia adquirido, uma moradia.

Em 1976 o R. terminou de vez a sua relação com a A..

Nessa altura não a fez sair da moradia porque não pretendia que o filho, ainda menor, ficasse sem abrigo e a A. não tinha para onde ir, tendo condescendido que a A. ficasse a utilizar a dita moradia até que o filho pudesse angariar casa própria.

É o R. quem sempre tem pago e continua a pagar as contribuições prediais e autárquicas relativas ao prédio, bem como todos os encargos decorrentes da sua manutenção e conservação.

Foi o R. quem construiu em parte desse terreno um barracão que arrendou em 1989 a João …, para instalação de uma Oficina.

E nessa altura autorizou que o dito arrendatário fizesse na parte locada obras para a instalação da referida oficina e cultivasse parte dos terrenos de sua propriedade.

Foi o R. quem pagou a sisa e as despesas de escritura.

Sendo do perfeito conhecimento da A. não só os termos em que o R. celebrou o negócio como todos os actos por ele praticados como dono do prédio.

Foi o R. que promoveu a inscrição na matriz e pagou a instalação da água e da luz nessa moradia, bem como requereu o registo.

Os Réus têm vindo desde, pelo menos, 1995 a insistir com a A. para desocupar o prédio.

Em reconvenção pediram que a A. fosse condenada a reconhecer o direito de propriedade dos RR reconvintes sobre a parte do prédio por ela ocupado e a restituí-la aos RR livre de pessoas e bens.

A autora respondeu, concluindo pela improcedência da reconvenção.

Os autos prosseguiram para julgamento, vindo, a final, a ser proferida sentença, onde se decidiu: «Julgar procedente a acção, reconhecendo à autora o direito de propriedade, adquirido por usucapião, sobre o prédio de habitação denominado "Vivenda …" e respectivo logradouro, inscrito na matriz predial urbana sob parte do art. 4416 da freguesia de S. Domingos de Rana, a desanexar do prédio descrito na 1.ª Secção da Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º 22.371, e, Julgar improcedente a reconvenção.» Inconformados os RR. apelaram do assim decidido tendo apresentado alegações onde formulam as seguintes: CONCLUSÕES I. Na resposta à matéria de facto e respectiva fundamentação vem expressamente referido pelo juiz "a quo" que "... algumas delas ...." testemunhas ".... terem dito que ele destruiu plantas que a A. tinha cultivado e que dizia que aquilo não era dela ...".

  1. Sendo elemento essencial no caso vertente (nomeadamente considerando o registo predial a favor do RR) a não oposição por estes à pretensão da A de considerar a fruição da habitação na qualidade de proprietária, facilmente concluímos não se verificar tal requisito já que, conforme aliás reconhece a juíza, várias testemunhas declararam que pelo menos o Réu manifestou expressamente a sua oposição, declarando que a casa não era dela.(José … cassete 1 Lado A até final)(António … cassete 3. Lado A de início a 1920) ..

  2. Se o R. declarou que a casa não era da A. e se inclusive destruiu várias plantações que esta tinha feito no logradouro teremos de concluir que este considerava o prédio como seu e a ocupação pela A. deste como de mera tolerância e nunca como proprietária.

  3. Pelo que deverão ser dados como não provados os quesitos 21 e 23 e como provado o quesito 37.

  4. A A. nunca se arrogou como proprietária do prédio em questão, compaginando-se a sua actuação como arrendatária ou como utilizadora do imóvel por mera tolerância.

  5. Os RR tinham o prédio registado em seu nome desde 27 de Junho de 1977, mediante a inscrição n° 38321.

  6. Tendo adquirido o referido prédio em 14 de Maio de 1975 conforme escritura junta aos autos.

  7. Decorre do disposto no art.º 7.º do CRP que o registo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.

  8. Tal presunção não foi ilidida nem poderia ser já que os RR. sempre se comportaram como proprietários pagando, como era seu dever, as respectivas contribuições prediais e autárquicas.

  9. Se os RR. ora Apelantes não se considerassem proprietários do prédio certamente não procederiam ao pagamento dos impostos e contribuições referentes a este.

  10. Impostos e contribuições que a A nunca pagou pelo simples facto que nunca se considerou proprietária do prédio.

  11. Acresce ainda que decorrente da presunção derivada do registo obrigatório os factos comprovados por este não podem ser impugnados em juízo sem que seja pedido o cancelamento do registo.

    Da petição apresentada não se vislumbra que tal pedido tenha sido articulado pelo que a acção não deveria ter sequer prosseguido.

  12. Os ora Recorrentes, já em 1995, se opuseram à pretensão da ora Recorrida declarando-se como únicos e legítimos proprietários do prédio (Proc. n.o 97/1995, Doc. 5 da Contestação).

  13. Foi dado como provado (quesitos 9.º e 10.º) que a A. e o R. L… teriam acordado na divisão dos seus bens na data da sua separação, admitindo que desses bens faria parte o prédio em questão.

  14. Os quesitos 9.º e 10.º não podem ser dados como provados, já que tal prova foi obtida apenas e só por declaração testemunhal e mesmo essa apenas por ouvir dizer (Natércia … e Maria … cassetes 1 e 2 até final).

    A apelada contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.

    Já nesta instância, foi posta à consideração das partes o entendimento de que, envolvendo a pretensão da autora a desanexação de uma parcela de um determinado prédio constituído por um lote de terreno para construção, traduzindo-se numa alteração da respectiva operação de loteamento aprovada pelas entidades competentes, a lei não consentia em tal alteração desde, pelo menos o regime estabelecido pelo DL 289/73 de 06-06, mantido pelos DL 400/84 de 31-12 e 448/91 de 29-11.

    Pronunciando-se sobre esta questão, veio a autora defender a inaplicabilidade, no caso, do regime legal estabelecido pelos referidos diplomas legais, uma vez que, sendo os efeitos da usucapião retrotraídos ao início da posse, esse início teve lugar antes de entrar em vigor qualquer desses diplomas.

    Cumpre agora decidir Sendo o objecto dos recursos delimitado pelas respectivas conclusões, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, está em...

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