Acórdão nº 5168/2006 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Julho de 2006
Magistrado Responsável | FÁTIMA GALANTE |
Data da Resolução | 12 de Julho de 2006 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
23 ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I - RELATÓRIO 1. P, deduziu os presentes embargos de executado, contra B, S.A., por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa, sob a forma ordinária, com o número 53/2002, que a aqui Embargada contra si propôs para haver dele a quantia de € 24.221,19 (€ 23.365,69 correspondentes ao valor aposto numa livrança, com vencimento em 3 de Setembro de 2001, e € 855,50 correspondentes a juros de mora vencidos desde aquela data até 15 de Março de 2002, calculados à taxa supletiva legal, então de 7% ao ano), quantia aquela acrescida de juros de mora, pedindo para que fossem, os embargos, julgados procedentes e ele próprio absolvido do requerimento executivo.
Alegou para o efeito, que a livrança dos autos, faz parte de um lote de outras livranças, bem como de cheques, no valor global de cerca de Esc. 54.000.000$00, onde a sua assinatura teria sido falsificada, excepto numa delas, tendo os títulos sido emitidos e descontados ou sacados, junto da Embargada por J, gerente da agência, com a conivência de PC, sendo ambos seus amigos de infância. Alegou ainda o Embargante que, mercê dos descontos das livranças ou dos saques dos cheques sobre contas de R Lda e F, Lda, os mesmos se locupletaram em exclusivo com os valores apostos nos títulos, de que não beneficiou, fazendo-o sem o seu conhecimento e contra a sua vontade. Por fim, o Embargante alegou que o referido só se tornou possível mercê das funções que J exercia junto da Embargada, que teria culpa funcional em toda a sua conduta falsificante, dispositiva de dinheiros alheios e de gestão de contas, por ter violado o seu dever de vigilância junto do mesmo.
Defendeu, assim, o Embargante não dever a quantia constante do título dos autos, tanto mais que a Embargada já se teria logrado ressarcir de parte do prejuízo - de Esc. 54.559.000$00 - sofrido, uma vez que forçara a constituição de uma hipoteca sobre um prédio adquirido por P (com algum do dinheiro obtido ilicitamente), prédio esse vendido posteriormente, valendo o mesmo pelo menos Esc. 35.000.000$00.
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Foi proferido despacho, admitindo liminarmente os embargos deduzidos, e ordenando a notificação da Embargada para os contestar, nos termos do art. 817º do C.P.C.
A Embargada veio fazê-lo, pedindo que os presentes embargos fossem julgados improcedentes.
Alegou para o efeito, também em síntese, ter sido a livrança dos autos assinada pelo Embargante. Mais alegou que a denunciada conduta criminosa de J e de PC teria sido do conhecimento do Embargante, tanto mais que o mesmo era sócio e gerente de F Lda, firma beneficiária do desconto de livranças, no montante global de € 50.000.000$00 (já que o produto de tais descontos fora creditado na respectiva conta). Alegou ainda a Embargada ter comunicado de imediato ao Ministério Público os factos aqui em causa, para que promovesse o respectivo procedimento criminal, afirmando não ter sido ela quem violou os deveres de vigilância sobre um seu funcionário, mas sim o Embargante, que, sendo sócio da firma beneficiada com o crédito titulado pela livrança em causa, não averiguou da licitude do mesmo.
Por fim, a Embarga afirmou que o prédio sobre o qual foi constituída uma hipoteca, para garantia das responsabilidades de F, Lda, valeria apenas Esc. 12.000.000$00 (e não os Esc. 35.000.000$00, alegados pelo Embargante).
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Foi proferido despacho, designando dia para a realização de uma audiência preliminar, nos termos do art. 508º-A do C.P.C., e, no início da mesma, foi proferido despacho saneador.
Organizaram-se as peças relativas à Matéria de Facto Assente e à Base Instrutória, não tendo as mesmas sido objecto de qualquer reclamação.
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Cumprido o demais legal, designou-se dia para a audiência de discussão e julgamento. No decurso da mesma, o Tribunal declarou quais os factos que julgava provados, tendo o Embargante reclamado da respectiva decisão - quanto à alegada insuficiência da motivação apresentada - no que foi parcialmente atendido, completando-se esta a propósito a fundamentação pertinente às respostas dadas aos artigos 4º, 10º, 11º, 15º e 17º da Base Instrutória.
O Embargante apresentou alegações de direito.
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Foi proferida sentença que julgou improcedentes, por não provados, os embargos de executado, e, em consequência, absolveu a Embargada do pedido, prosseguindo a execução seus exactos termos.
Inconformado com a sentença, dela recorreu o Embargante, tendo apresentado extensas conclusões, que, no essencial, são as seguintes: 1.
Resultando da matéria provada que o embargante não recebeu o montante ou a garantia referida no título, inexiste e não se verifica um elemento fundamental do negócio jurídico subjacente, a entrega da importância e a realização da prestação do banco, que estava adstrito, pelo que, sendo do conhecimento do banco, os princípios de literalidade, abstracção e autonomia, que caracterizam as obrigações cambiárias, deixam de funcionar e o crédito é inexigível posto que inexistente.
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Na relação com o cliente, aqui embargante, o embargado-banco, tem de assumir uma eventual perda que se deve única e exclusivamente à acção e conduta do seu gerente bancário, actuando no exercício das suas funções.
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De acordo com os factos instrumentais, revelados pelo depoimento das testemunhas do Banco, ficou adquirido que: - Esta livrança foi reforma de uma primeira de 5.000 contos; - O embargante sempre reclamou da não subscrição, da primeira livrança, reformada com a destes autos; - Desta livrança não foram recebidos quaisquer fundos; - A importância de 5.000 contos foi, por acção do gerente desviada, cerca de 1/2 para a conta de B e o restante para outra conta da RC, Lda, tudo por acção, fraudulenta, do J.
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A existir qualquer direito de indemnização contra o ora embargante, por ter assinado título sem o dever fazer, esse direito de indemnização teria de ser objecto de uma acção declarativa contra o ora embargante, pedindo a condenação deste, por, não obstante inexistir uma relação causal, ter assinado o título e prejudicado o banco.
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Não há qualquer expectativa atendível do banco enquanto hipotético beneficiário; antes, pelo contrário, vem contra facto próprio, não vigiando o seu gerente, em tempo útil, pelo que não se pode fazer valer deste hipotético direito ex vi arts. 763° e 334° do Código Civil.
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Inexistiu qualquer relação tripartida de favor: é que, por efeito da relação de comissão, existente entre o banco e os seus representantes, os gerentes bancários, no caso, e por efeito do prescrito no art. 258° do Código Civil, tem de ser entendido que, neste caso, favorecido e beneficiário são uma e a mesma pessoa, ambos no exercício da actividade bancária.
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Por todas estas razões, não se verifica qualquer relação de favor mas, assim não se entendendo, ela é anulável por violação do disposto nos arts. 280°, n° 1 e 281° do código civil.
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Estamos perante o regime jurídico do enriquecimento sem causa, arts. 473° e seguintes do CC, que funcionará, aqui, como «excepção do enriquecimento sem causa, para evitar que ele se verifique».
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Caso se entenda que o instituto do enriquecimento sem causa não é aplicável à situação sub judice, então, a acção principal constitui um acto abusivo do banco, pretendendo cobrar do executado o que este lhe não deve, e, assim, deverão estes embargos ser julgados procedentes por força do disposto nos arts. 280º, n°1, 281º, 334° e 762º, n° 2, todos do CCivil.
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A livrança destes autos não serviu a qualquer fluxo financeiro efectivo; este tinha ocorrido, já, em início de 2001.
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O embargante teve conhecimento do desconto e de todos os factos que se lhe seguiram, ou seja, da relação subjacente, à posteriori, no Outono de 2001.
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Ao concluir de modo diverso a douta sentença violou as regras da experiência comum e o artigo 236° do CC, na medida em que o critério do julgador na apreciação da prova tem que ser o do declaratório corrente ou normal, afinal, do bom pai de família.
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Quando se respondeu à matéria de facto e se deu como não provado o quesito 4º, relativo à falsificação ou não da assinatura do embargante nesses mesmos títulos, não tinham ainda sido decididos os autos que tinham esses títulos por objecto.
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Em 16 de Março de 2004 foi conhecida a sentença no processo 2002 e que veio julgar como extinta a execução quanto a P relativamente aos títulos referidos no quesito 4°, ou seja veio o Tribunal considerar, não que os títulos em causa foram falsificados e por quem, mas, antes que, não foi feita a prova de que tivessem sido assinados pelo ora embargante.
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Vem o tribunal decidir que, no tocante à questão do benefício, o embargante não logrou demonstrar que não beneficiou da operação de mútuo subjacente ao desconto dos títulos, quando é o próprio Tribunal que: - refere, a propósito do quesito 18 (que era facto cuja prova competia ao banco embargado) que «...
ao referido acresce que na resposta ao art. 18° da BI se teve o cuidado de restringir a matéria provada à subscrição pelo embargante de livrança em causa nos autos, não se tendo dado como provado o respectivo desconto a seu favor, nomeadamente, mercê da afectação da quantia correspondente ao seu...
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