Acórdão nº 4190/2006-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 29 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelANA LUÍSA GERALDES
Data da Resolução29 de Junho de 2006
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I - Relatório: 1.

J…, e S…, intentaram acção declarativa contra: B…, Pedindo que se considere resolvido o contrato-promessa pelo qual foi prometido vender pela Ré à 1ª A. um espaço correspondente ao piso do rés-do-chão e à galeria de um prédio para instalação de lojas na área comercial, e se condene a Ré a devolver-lhe a importância de Esc. 171.000.000$00, que recebeu a título de sinal e princípio de pagamento, bem como a pagar-lhes igual importância, a título de indemnização contratualmente estabelecida.

Alegam, para o efeito, que a Ré incumpriu o contrato-promessa celebrado com a 1ª A., nomeadamente:

  1. Dos 18 estacionamentos impostos pelos regulamentos camarários apenas haviam sido atribuídos pela Ré 11; b) As lojas não tinham alimentação de energia; c) A Ré montara um sistema de ventilação mal dimensionado e insuficiente para a capacidade do centro comercial; d) Na data de outorga da escritura a Ré não possuía licença de utilização emitida pela Câmara Municipal de Lisboa.

    Esclarecem, por fim, que a legitimidade da 2ª A. - S… - advém do facto de a 1ª Autora ter indicado aquela sociedade para figurar como compradora na data da realização da escritura pública.

    1. A Ré contestou argumentando, em síntese, que: - As obras acordadas com a A. foram todas efectuadas; - A falta de licença de utilização é imputável à 1ª A., porquanto foi esta que tudo fez, junto da CML, de molde a evitar que tal licença de utilização fosse emitida, denunciando à Câmara pretensas irregularidades, inexistentes, através de requerimentos sucessivos; - Só por manifesta má-fé da 1ª A. é que o contrato não foi celebrado.

    2. Foi proferida sentença a atender parcialmente a pretensão das AA.

      Interposto recurso desta sentença, para o Tribunal da Relação de Lisboa, foi o julgamento anulado, tendo-se determinado que se voltasse a responder à matéria dos quesitos 1°, 2°, 33º, 34º, 35º, 36° e 37° - cf. fls. 658 e segts do III vol.

    3. Após realização de novo julgamento foi proferida novamente sentença, tendo o Tribunal "a quo" julgado parcialmente procedente a presente acção nos seguintes termos: a) Declarou resolvido o contrato-promessa celebrado entre as partes; b) Condenou a Ré a devolver às AA. a importância de 171.000.000$00, que recebeu a título de sinal e princípio de pagamento, acrescida do pagamento de juros vencidos e vincendos, às taxas legais, desde a data de citação e até integral pagamento.

    4. Inconformadas, ambas as partes recorreram.

    5. Na Apelação apresentada pelas AA. foram formuladas, em síntese, as seguintes conclusões: 1. A sentença recorrida mais não é do que um "copy paste" da primeira decisão de fls. 450 a 468, e é duplamente nula, nos termos das alíneas c) e d) do n.º 1, do art. 668°, do CPC, porquanto: i. Por um lado, verifica-se uma clara e inequívoca contradição no seio da própria fundamentação de facto ínsita na sentença recorrida, pois os art. 16° e 23° a 25° opõem-se aos arts. 61° a 65°, todos do questionário e todos dados como provados; ii. Por outro, por omissão de pronúncia relativamente a uma questão suscitada pelas A/A. ora Apelantes, a qual deveria ter sido objecto de apreciação; a saber: a falta da licença de utilização.

    6. Face aos depoimentos supra identificados, as Apelantes consideram incorrectamente julgados os quesitos 1° e 2°, os quais deveriam ter sido dados como provados, devendo os mesmos considerarem-se impugnados nos termos do art. 690º-A do CPC.

    7. Face à prova carreada para os autos a fls. 25, 26, 215 a 219 e 202, mal andou o Tribunal a quo ao dar como provados os quesitos 49° e 57° a 65° do questionário, julgando esta matéria de facto incorrectamente. Em oposição, deveria o Tribunal a quo ter aposto a menção de "provado" à frente dos quesitos 10°, 14°, 15° e 17° a 20° do questionário.

    8. De facto, o sistema de ar condicionado e de ventilação instalado era obsoleto, antiquado, mal dimensionado e insuficiente para a capacidade do Centro Comercial.

    9. A R. ora Apelada não preencheu os pressupostos fácticos e jurídicos necessários para a celebração do contrato prometido, conduta essa conducente ao seu inadimplemento, pois a instalação de um sistema de ar condicionado e de ventilação eficiente e adequado era obviamente um pressuposto para a celebração do contrato prometido. Ao não instalar tal sistema, a R. incumpriu com as suas obrigações.

    10. À luz do ordenamento jurídico vigente na altura, o número de lugares de parqueamentos convencionado era insuficiente, pelo que deveria ter sido objecto de correcção de modo a não violar as normas regulamentares e preservar o interesse público.

    11. A R. tinha por obrigação apresentar um sistema de fornecimento de electricidade definitivo, idóneo e de acordo com o R.S.I.U.E.E., e ainda de facultar as respectivas plantas. Infelizmente assim não fez, ademais incumbindo-lhe o ónus da prova nos termos do art. 799° do CC.

    12. Mutatis mutandis no que tange às alterações do projecto inicial: não ficou provado que as AA. tivessem dado autorização para tais alterações. Verificou-se que nem as lojas do rés-do-chão, nem as da galeria estavam concluídas, e que não o foram de acordo com o contrato promessa (vide alíneas BI), BJ) da especificação e arts. 3º e 4º do questionário).

    13. A R. ao mandar elaborar a escritura pública no Cartório Notarial em causa sem fazer qualquer menção à indemnização supra identificada, admitiu tacitamente a sua indisponibilidade relativamente ao pagamento da mesma, pelo que incumpriu com o estipulado no art. 7° do contrato-promessa de fls. 7 a 9 (vide al. J) e L) da especificação, e ainda X), Z), AA), BH).

    14. Face ao destino que as AA. pretendiam dar ao Centro Comercial, i.e., a venda ou arrendamento, a R., enquanto promitente-alienante e profissional do ramo, sabia que a obtenção da licença de utilização era conditio sine qua non para aquelas celebrarem o contrato prometido.

    15. A obrigação acessória de obtenção da licença a cargo da R. configura-se como uma obrigação de resultado, devendo o promitente faltoso ser responsabilizado pelo incumprimento "ainda que tenha diligenciado em vão por aquela obtenção".

    16. A falta de licença de utilização constitui, por si só, facto relevante para configurar um incumprimento definitivo do contrato promessa que leva à resolução deste (art. 808° do CC).

    17. Se a propriedade horizontal do prédio dos autos apenas foi constituída em 27/10/95 (art. 75º do questionário), como seria possível celebrar a escritura de compra e venda antes desta data? Como seria possível realizar um negócio jurídico de compra e venda antes de 27/10/95, se o objecto mediato do contrato a celebrar não existia juridicamente? 14. Perante o verificado incumprimento da R., e nos termos da cláusula n.º 7 do contrato promessa (que também decorre do n.º 2 do art. 442º do CC), integra a esfera jurídica das AA., ora Apelantes, a faculdade de exigir a restituição da importância já paga e o poder de exigir uma importância de igual montante.

    18. Deve, pois, ser dado provimento ao recurso de Apelação das AA. revogando-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo e substituindo-a por outra que condene a R. no dobro do sinal, ou seja, a devolver às AA. não só a importância de Esc.: 171.000.000$00 que recebeu a título de sinal e princípio de pagamento, mas também a pagar às AA. igual importância de Esc.: 171.000.000$, a título de indemnização contratualmente estabelecida pelo incumprimento, bem como os respectivos juros sobre estas quantias.

    19. A Ré igualmente Apelou, tendo formulado, em síntese, as seguintes conclusões: 1) O objecto mediato do contrato-promessa de compra e venda é a totalidade do espaço comercial que corresponderá ao piso do rés-do-chão e ao piso da galeria do referido edifício a construir, incluindo 11 lugares de estacionamento situados na primeira cave; 2) Foi acordado entre as partes que as chaves das lojas deveriam ser entregues e a escritura de compra e venda deveria ser realizada até ao dia 3-4-95 e, caso esta não se verificasse, a mesma teria lugar nos 180 dias seguintes, sendo devida a importância de 60.000$00 por cada dia de atraso na entrega das chaves; 3) Em 27-4-95, todas as lojas se encontravam prontas a ser mostradas e negociadas e a aceitarem obras de adaptação para os ramos que quisessem; 4) A R. deu conhecimento deste facto, por carta datada do dia 27-4-95, e a 1ª A. recepcionou a referida carta em 2-5-95, tendo a R., por carta de 11-10-95, comunicada à 1ª A. que a escritura de compra e venda de todas as lojas do rés-do-chão e galeria, com os respectivos 11 parqueamentos, se realizaria no dia 27-10-95, pelas 12 h., no Cartório Notarial de Odivelas; 5) A 1ª A. acusou a recepção de tal carta, através da carta datada do dia 23-10-95, mas exigindo a exibição da licença de utilização na escritura e o pagamento da indemnização devida; 6) A escritura de compra e venda não foi outorgada, apesar de pronta para ser lida e assinada por todas as partes contratantes, por recusa da compradora com a justificação apresentada por esta da falta da licença de utilização; 7) Porém a R., que tinha requerido à CML a emissão da licença de utilização da totalidade do edifício em 8-3-95, não conseguiu a emissão desta de imediato devido a diversos requerimentos indevida e ilegitimamente feitos pela 1a A. para que a CML, para que esta a não emitisse; 8) Foi devido a estes procedimentos da lª A. que a licença de utilização só foi emitida em 22-7-96; 9) Mas apesar disso, todas as entidades públicas e licenciadoras de centros comerciais (ARS de Lisboa, CML e Sapadores Bombeiros) emitiram parecer favorável para a emissão da licença de utilização; 10) As partes estão obrigadas, quer nos preliminares, quer na formação do contrato, quer, ainda, no cumprimento das obrigações, aos ditames da boa-fé (cf. arts. 227° e 762°, n.º 2, do CC); 11) A Ré nunca se constituiu em mora, nos termos em que é definida no art. 804° do CC, por isso, não é aplicável ao presente caso o disposto nos arts. 808°, 432°, 442° e 570°, todos do CC; 12)...

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