Acórdão nº 4133/2006-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 20 de Junho de 2006
Magistrado Responsável | MARGARIDA BLASCO |
Data da Resolução | 20 de Junho de 2006 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa I1- O Ministério Público (MP) junto do DIAP requereu o julgamento, em processo comum e Tribunal singular de A…, imputando-lhe a prática em autoria material, na forma consumada, de um crime de dano, p. e p. pelo art. 212º, nº1 do Código Penal (CP).
2- Realizou-se a respectiva audiência no 6ª Juízo Criminal de Lisboa, onde por sentença de 3.03.2006, foi julgada procedente, por provada, a excepção invocada pelo arguido e, em consequência, declarado extinto o procedimento criminal contra ele instaurado, com fundamento na falta de legitimidade do MP para promover a acção penal.
3- O MP veio recorrer desta sentença por entender, em síntese, que a queixa apresentada pelo ofendido Miguel … é válida, pelo que o MP tem legitimidade para o presente procedimento criminal, em conformidade com o disposto nos art.s 48º e 49º, nºs. 1 e 2 do Código de Processo Penal (CPP).
Pede a substituição da sentença recorrida por outra que indefira a alegada excepção de ilegitimidade do MP e conheça do mérito dos autos.
4-O recurso foi devidamente admitido e fixado o efeito legal.
5-O arguido veio responder entendendo que carece totalmente de razão o recurso interposto pelo MP, pelo que deve a sentença ser mantida.
6-Subiram os autos a este Tribunal, onde na vista a que corresponde o art.416º do CPP, a Exma. Procuradora - Geral Adjunta , em douto Parecer sufragou na íntegra a fundamentação de facto e de direito do recurso, devendo o mesmo ser considerado procedente.
7-Cumprido o art.417º do CPP, pelo recorrido foi mantida a posição exposta na sua resposta ao recurso.
8-Efectuado exame preliminar, foram os autos remetidos para conferência.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.
II 1- Recordemos o teor da sentença recorrida (transcrição): (…) No requerimento de fls. 97 a 101 o arguido A… veio defender a extinção do presente procedimento criminal, por falta de legitimidade do Ministério Público para acusar, para tanto alegando em suma que o veículo automóvel de matrícula 00-00-00 pertence à sociedade " BBVA AUTOMERCANTIL - Comércio e Aluguer de Veículos Automóveis, Lda.,", que o seu uso, gozo e fruição foram atribuídos à sociedade " C…, Lda.", e que não resulta dos autos que o queixoso M… seja portador de qualquer titulo que o legitime a defender a posse ou a propriedade do aludido veículo.
Com relevância para a apreciação desta questão prévia da falta de legitimidade do MP para promover a acção penal, quer da prova documental junta aos autos, quer do depoimento da testemunha M…, resultaram provados os seguintes factos: - desde o dia 2 de Janeiro de 2002 a propriedade do veículo 00-00-00 encontra-se registada na Conservatória de Registo de Automóveis de Lisboa a favor da sociedade " BBVA AUTOMERCANTIL- Comércio e Aluguer de Veículos Automóveis, Lda."-mediante acordo firmado entre as sociedades " BBVA AUTOMERCANTIL- Comércio e Aluguer de Veículos Automóveis, Lda.," e " CGT- Companhia Geral Têxtil, Lda.", a primeira cedeu à segunda o uso, o gozo e a fruição do veículo automóvel de matrícula 78-96-SO, mediante o pagamento de contrapartida monetárias e com a possibilidade a aquisição da viatura no final do acordo mediante o pagamento do seu valor residual; - a sociedade " CGT- Companhia Geral Têxtil, Lda.", encontra-se matriculada sob o nº 8.217/210699 na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, sendo seus sócios gerentes M… e E…; - o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula 00-00-00 é regulamente utilizado como viatura de serviço pelo sócio gerente dessa sociedade M… .
Apreciando e decidindo: Preceitua o artigo 212º, nº1, do Cód. Penal, inserido no capitulo dos crimes contra a propriedade, que " quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar, ou tornar não utilizável coisa alheia é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa".
Analisando sumariamente os elementos deste tipo de crime, constata-se que o objecto material da acção típica consiste em coisa alheia, ou seja, coisa que não é própria, coisa que não pertence ao agente, o que pressupõe que seja pertença de um terceiro.
Visando assim este tipo legal de crime a protecção jurídico-penal da propriedade alheia, importa agora averiguar, tendo em consideração o disposto no nº 1 do artigo 113º do Código Penal, qual o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com esta incriminação, por forma a tomarmos posição quanto à legitimidade do MP para promover o presente processo.
Quanto a esta questão, não sufragamos o entendimento restritivo perfilhado por parte da nossa jurisprudência, o qual, tendo por base de que neste tipo legal se visa a protecção da propriedade, se tem pronunciado no sentido de que no crime de dano o único titular dos interesses juridicamente protegidos é o proprietário da coisa destruída, danificada ou inutilizada.
Na realidade, muito embora no crime de dano o bem juridicamente protegido seja a propriedade, tal não significa que só o titular do direito de propriedade tenha legitimidade para apresentar a respectiva queixa crime, uma vez que em nossa opinião o legislador não pretendeu excluir da tutela penal os titulares do direito de gozo, de uso e de fruição sobre a coisa violada.
De facto, numa sociedade moderna como a nossa o direito de propriedade plena perdeu alguma da sua relevância social, ao mesmo...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO