Acórdão nº 931/2006-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 20 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução20 de Junho de 2006
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA 1.

M.

intentou acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra GF. e J.

Pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de Esc. 75.000.000$00 por danos patrimoniais e morais sofridos com a conduta dos RR.

Para tanto alegou em síntese que: -o R. GF deu uma entrevista ao Jornal "Independente" em 18/04/97, pronunciando-se sobre o processo crime então na fase de inquérito movido à A. pelo Digno Magistrado do M. Público; -à data em que foi dada a entrevista a A. ainda não tinha sido ouvida e constituída arguida; -em tal entrevista o GF pronunciou-se pela incriminação da arguida, ofendendo a A. no seu bom nome e reputação; -posteriormente ambos os RR. publicaram um artigo de opinião no jornal "Público", mediante o qual se pronunciavam sobre o julgamento do P. e a decisão de não pronúncia da A., em termos que ofendiam a sua honra e reputação; -por via destes factos, a A. sofreu um grande choque e desgosto ao verem posta em causa o seu bom nome como magistrada, honra, prestígio e consideração, sofrendo ainda danos materiais que na globalidade computa em Esc.75.000.000$00.

Contestaram os RR., alegando que a publicação da entrevista e do artigo de opinião não ofende o bom nome e reputação da A., que os factos eram já sobejamente conhecidos e que foram objecto de vários artigos e reportagens televisivas, onde quer os factos, quer o nome da A. eram referidos.

Mais alegam que não praticaram quaisquer factos ilícitos e que atento o escândalo provocado pelas notícias que então eram publicadas, onde o seu nome era referido, assistia-lhes o direito de expor a sua posição nos factos.

Relatam ainda a actividade do P e a sua relação quer com a A., quer com os RR., bem como a investigação a que a A. foi sujeita e a acusação contra si deduzida.

Por último invocam a inexistência de nexo de causalidade entre a referida entrevista e o artigo de opinião e os danos alegados, pois que estes a terem-se verificado tiveram como causa, a cobertura jornalística do caso.

  1. No seguimento do processo foi proferido despacho que indeferiu a oposição dos réus à tese da autora no sentido de estar isenta de custas ao abrigo do artº 17º nº1 al.h) do EMJ aprovado pela Lei nº21/85 de 30/07.

    Desta decisão recorreram os réus.

    Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões, em síntese: A) A autora não litiga enquanto juiz e por força do exercício das suas funções, tal resultando, sem margem para dúvidas, do facto de litigar a título exclusivamente pessoal.

    B) Tal isenção constituiria um privilégio de casta ou corporação, inaceitável por força do princípio constitucional da igualdade, designadamente em matéria fiscal, que implica que os encargos fiscais sejam repartidos de forma igual entre os cidadãos.

    C) Quaisquer isenções fiscais tem de ser, nos termos do artº 2º nº1 do Estatuto dos benefícios fiscais, medidas excepcionais "instituídas para tutela de interesses públicos extra-fiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem", o que não se verifica in casu.

    D) Ainda que se considerasse aplicável, norma do artº 17º, nº1 al.g) do Estatuto dos Magistrados Judiciais, está ferida de inconstitucionalidade pois "constitui uma daquelas normas que atribui privilégios aos membros de uma corporação e que pelo seu carácter lateral tem sobrevivido à construção do Estado Constitucional baseado na igualdade de direitos e deveres de todos os cidadãos, pois que viola o princípio da igualdade plasmado no artº 3º nº2 da Constituição, e, consequentemente, o princípio da igualdade de armas estruturante do processo civil.

  2. Já em sede de audiência de discussão e julgamento foi indeferido o pedido dos réus de serem confrontadas algumas testemunhas, designadamente a testemunha P. Maria, com as reportagens televisivas emitidas pela TVI e RTP, juntas aos autos como meio de prova.

    Inconformados agravaram os impetrantes.

    Terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, em súmula: A) O visionamento de tais reportagens pela testemunha P. era essencial para a prova do artº 33º da base instrutória, cujo ónus lhes competia, na medida em que o que estava controvertido era "A temática da entrevista dada ao Independente, era conhecida da opinião pública e estava a gerar escândalo público, afectando o G F, o que motivou o seu esclarecimento mediante a entrevista dada?" B) Com tal artº33º), os agravantes pretendiam produzir (contra)prova que infirmasse os factos descritos nos artºs 1º a 32º, ou seja que a entrevista e o artigo de opinião não provocaram os alegados danos da agravada.

    C) Sendo a testemunha, jornalista à data dos factos, apta a avaliar, com firmeza, o impacto e a repercussão que as noticias televisivas que versaram sobre o processo crime em que a agravada foi constituída arguida, tiveram junto da opinião pública e em que medida estavam a gerar escândalo público.

    D) As testemunhas servem para complementar a prova documental e vice versa, devendo essa apreciação ser feita com base "na prudente convicção do tribunal sobre a prova produzida, ou seja, em regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência.

    E) Na sua livre apreciação da prova testemunhal produzida, o tribunal não pode deixar de concluir que, em termos objectivos, não é aceitável que os danos alegados pela agravada tenham sido provocados pela entrevista e artigo de opinião, quando o assunto havia sido publicado e noticiado, sistematicamente e com grande destaque, durante toda a semana anterior, nos jornais e na televisão, gerando escândalo público.

    F) Com a sua actuação o tribunal coarctou o direito de defesa dos agravantes, introduzindo a desigualdade entre as partes, traduzida numa desigualdade de armas e impediu o exercício do contraditório, principio consagrado no art.º 20º da Constituição, violando-se ainda o art.º 10º da Declaração Universal dos direitos do Homem, o art.º 14º nº1 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o art.º 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

  3. Foi, finalmente, prolactada sentença que julgou a acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condenados os réus a pagarem à A. a quantia de 15.000,00 euros.

    Inconformados recorreram autora e réus.

    4.1.

    A autora concluiu as suas alegações pelo seguinte modo: 1) Os factos que constituem o ilícito e os danos por eles causados à personalidade da Autora, relativos às declarações do Réu G F na entrevista publicada em 18 de Abril de 1997 no semanário O Independente, não são os mesmos e não se confundem com aqueles que, na acção nº 26/00, foram imputados à empresa proprietária da publicação jornalística e a dois dos seus jornalistas.

    2) Também e por isso, a indemnização em que foram condenados na referida acção nº 26/00 não consome nem constitui ressarcimento dos danos causados à personalidade da Autora pelas imputações difamatórias feitas pelo Réu G nessa entrevista.

    3) A douta sentença recorrida, ao decidir que a Autora já fora ressarcida destes danos pela indemnização julgada na acção nº 26/00, violou os comandos e o espírito e sentido dos artigos 70º, 483º e 484º do Código Civil.

    4) Deve, pois, ser este Réu condenado a indemnizar a Autora pelos danos morais correspondentes à ofensa à personalidade da Autora por ele cometida nesta entrevista.

    5) O valor da indemnização, na sua liquidação, deve ser aferido por comparação com aquele que foi fixado na acção nº 26/00.

    6) Sendo a gravidade e intensidade do dano causado pelos Réus superior aos que fundaram a condenação na acção nº 26/00, a indemnização deve ser liquidada, na presente acção em valor, pelo menos, superior ao de € 50.000,00 em que foi fixada a indemnização naquela acção.

    7) Ao fixar o valor da indemnização em apenas € 15.000, 00, a douta sentença recorrida menoriza o dano e o sinal de reprovação inerentes à condenação e, com isso, o ressarcimento moral da Autora, o que viola a letra e o espírito dos artigos 70º, 483º, 484º e 496º do Código Civil.

    8) Pelo que deve ser nesta parte revogada, sendo liquidado o valor da indemnização em não menos de € 50.000,00.

    4.2.

    Por sua vez os réus remataram as suas alegações com as seguintes conclusões: A) Não aceitam os Apelantes a condenação no pagamento de uma indemnização à Apelada, no valor de € 15.000,00, a título de danos não patrimoniais.

    B) Antes de mais, os Apelantes impugnam a matéria de facto porque não aceitam a resposta "provado" dada pelo Tribunal a quo ao art. 32º da Base Instrutória, ao considerar que a publicação, no jornal "Público", em 15 de Outubro de 1998, do artigo de opinião subscrito pelos Apelantes "veio reacender a discussão sobre estes factos" (processos crime que correram contra P.e F).

    C) O assunto foi, pela primeira vez, abordado no jornal "Expresso", em 12 de Abril de 1997 e, desde então, foi seguido pelas televisões e jornais - isto mesmo foi comprovado nos autos, através das reportagens televisivas que foram juntas e dos artigos de jornal publicados até 31 de Dezembro de 1998, nomeadamente, no "Público", "Diário de Notícias", "Correio da Manhã", "Semanário" e "Jornal de Notícias".

    D) Por um lado, os Apelantes demonstraram, assim, que depois de 15 de Outubro de 1998, data da publicação do artigo de opinião de G F e F C, foram apenas publicados 3 artigos jornalísticos - um sobre a intenção da A. processar o Estado Português (Independente, 16.10.1998); outro sobre uma questão lateral relacionada com uma queixa-crime apresentada contra o Dr. G T (Independente, 13.11.1998) e outro ainda versando sobre o acórdão lavrado pelo Supremo Tribunal de Justiça (Diário de Notícias, 24.11.1998).

    E) Estes artigos não foram impugnados pela Apelada que também não juntou um único documento para provar o alegado reacendimento e aceitou quando os Apelantes afirmaram que aqueles tinham sido os únicos artigos jornalísticos publicados depois de 15 de Outubro de 1998.

    F) Por outro lado, e se não bastassem já todos os documentos juntos aos autos (reportagens televisivas e...

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