Acórdão nº 411/07-1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelCARVALHO MARTINS
Data da Resolução22 de Março de 2007
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência, na Secção Cível no Tribunal da Relação de Guimarães: I. A Causa: Esmeralda M... e Fernando M..., Requerentes nos autos à margem identificados, notificados que foram do despacho de 18/07/2006, e por com ele não se conformar, vieram dele interpor recurso de agravo, alegando e formulando as seguintes conclusões: 1. Os ora recorrentes são interessados nos autos de inventário em que a cabeça de casal Laura R... declarou ser herdeira de António C..., ao abrigo do disposto no artigo 1969.° do Código Civil de 1867.

  1. Os ora recorrentes, em incidente de intervenção principal, invocaram a inconstitucionalidade deste preceito, por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 5.°, parágrafo 1.º, da Constituição da República Portuguesa de 1933.

  2. Defendendo que a herdeira de António C... é sua mulher, Esmeralda P... e, por óbito desta, os ora requerentes.

  3. O tribunal a quo não considerou inconstitucionalidade do artigo 1969.° do Código de Seabra, por entender que “a situação do cônjuge na escala dos sucessíveis à data do falecimento do inventariado António C... constitui mero reflexo da concepção social então existente relativamente à posição do cônjuge na família, tal como esta era entendida, à semelhança, aliás, do que hoje sucede.” 5. E por entender que não se trata “sequer uma questão de igualdade ou de falta dela, já que os cônjuges, os descendentes, os ascendentes, etc, estão, ou podem considerar - se, em situações distintas entre si, conforme a concepção de valores sociais vigente”.

  4. Com o devido respeito e tendo em conta o parágrafo 3.°, do artigo 5.° da Constituição da República Portuguesa de 1933, que concebe a família como um elemento estrutural da Nação, o artigo 1969.° do Código de Seabra, ao não considerar o cônjuge sobrevivo como herdeiro na mesma classe sucessível dos descendentes, viola o citado princípio da igualdade, na medida em que se traduz numa discriminação do cônjuge sobrevivo em relação aos restantes membros da família, nomeadamente dos descendentes, mas também em relação aos restantes membros da família: ascendentes, irmãos e descendentes destes.

  5. Salvo melhor opinião, qualquer norma que não considere o cônjuge sobrevivo incluído na mesma classe de sucessíveis em que se encontram os filhos ou não o considere numa classe de sucessíveis que prefira aos ascendentes ou aos irmãos e descendentes destes é inconstitucional, por violação dos citados parágrafos do artigo 5.° da CRP de 1933.

  6. Aliás, é o próprio Código Civil da época que nos orienta neste sentido quando, nos artigos 1985.º e seguintes, estabelece regimes diferentes consoante se trate de filho legítimo ou ilegítimo, beneficiando claramente os primeiros em detrimento dos segundos.

  7. Por outro lado, em coerência com o parágrafo 3.° do artigo 5.° da CRP de 1933, o artigo 101.° do Código de Seabra define como “legítimos os filhos nascidos de matrimónio legitimamente contraído... “.

  8. Assim, facilmente se conclui que, estabelecendo a CRP de 1933 a família como um elemento estrutural da nação e estabelecendo a lei ordinária uma distinção entre filhos legítimos e filhos ilegítimos (conferindo àqueles uma amplitude de direitos que não confere a estes), é imprescindível a existência de cônjuges para que existam filhos legítimos.

  9. Daqui resulta que os cônjuges são um elemento fundamental na família, que por sua vez é um emento estrutural da Nação. Por isso, podemos concluir que à luz das disposições conjugadas na CRP de 1933 e no Código de Seabra é admissível conceber a existência de família com cônjuges, mas sem filhos. No entanto, não é possível conceber a existência de família com filhos, mas sem cônjuges.

  10. Quanto à posição do tribunal a quo acerca da “concepção social então existente relativamente à posição do cônjuge na família ... “ e de não se tratar de “... uma questão de igualdade ou de falta dela, já que os cônjuges, os descendentes, os ascendentes, etc, estão, ou podem considerar-se, em situações distintas entre si, conforme a concepção de valores sociais vigente... “, deve sempre dizer-se que os usos não são nem eram fonte de direito. A Constituição então vigente não consagrava qualquer distinção entre membros da família, apenas estipulava que esta era um pilar fundamental da Nação.

  11. Por tudo isto e salvo melhor opinião, o artigo 1969.° do Código de Seabra padece do vício de violação da Constituição, por não considerar o cônjuge sobrevivo herdeiro na mesma classe dos filhos ou, pelo menos, em classe preferente em relação aos ascendentes e aos irmãos e descendentes destes.

    14 - Por estas razões, deve ser anulada a decisão recorrida, substituindo-a por outra que, em conformidade com a posição aqui defendida pelos recorrentes, declare inconstitucional a norma do artigo 1969.° do Código de Seabra.

    Notificada das...

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