Acórdão nº 2384/06-2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Fevereiro de 2007

Magistrado ResponsávelTERESA BALTASAR
Data da Resolução05 de Fevereiro de 2007
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães: - Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Vila Verde ( Proc. n.º 2/06.3LA.BRG - F. Inquérito ) - Recorrentes: A Associação Recreativa de Caça e Pesca do Vale do N....

- Objecto do recurso: No processo n.º 2/06.3LA.BRG, do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Verde ( fase de Inquérito), foi proferido despacho, no qual se decidiu não admitir a intervir nos autos como assistente a Associação Recreativa de Caça e Pesca do Vale do N... ( cfr. fls. 53 destes autos ), sendo que no caso a factualidade participada era susceptível de configurar a prática de um crime de caça p. e p. pelo art. 30º, n.º 2 da Lei n.º 173/99, de 21-09.

*Inconformada, pois, com a supra referida decisão, a Associação Recreativa de Caça e Pesca do Vale do N... dela interpôs recurso, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões: 1- "O preceito normativo consagrado no art. 30°, n02 da Lei n0173/99, de 21.09, incrimina vários ilícitos criminais contra a preservação da fauna e das espécies cinegéticas, designadamente exercer a caça nas zonas de caça às quais não tenha legalmente acesso".

2- Nos terrenos cinegéticos ordenados, cuja gestão dos recursos cinegéticos está transferida ou concessionada às associações e federações de caçadores, associações de agricultores, de produtores florestais, de defesa do ambiente, autarquias locais ou para outras entidades colectivas (cfr. art. 12° e 14°, n02 da Lei n0173/99, de 21.09 - Lei de Bases Gerais da Caça), mediante a constituição de zonas de caça, o acima referido ilícito criminal visa a tutela da fauna e das espécies cinegéticas que são património dessas entidades gestoras, resultantes de acções de criação, repovoamento, reforço ou largadas (art. 5° do DL 202/2004, de 18.08).

3- Com efeito, nos terrenos cinegéticos ordenados (v. g. zonas de caça associativa), são as associações de caçadores, enquanto entidades gestoras, que investem na optimização dos recursos cinegéticos, designadamente adquirindo espécies cinegéticas criadas em cativeiro para acções de repovoamento, reforço cinegético ou largadas.

4- É a entidade gestora que compra as espécies cinegéticas e as distribui pelos terrenos da sua zona de caça, pelo que os recursos cinegéticos existentes numa zona de caça são património da entidade gestora, bem jurídico tutelado pelo art. 30°, n02 da Lei 173/99.

5- Como é consabido, o contrato de compra e venda transfere o direito de propriedade, tornando-se o comprador proprietário das coisas vendidas no momento da celebração do contrato (art. 879° e 408°, n01 do Cód. Civil).

6- Pelo exposto, tutelando o art. 30°, n02 da Lei n0173/99 a fauna e as espécies cinegéticas, património da entidade gestora da zona de caça, assiste legitimidade à aqui recorrente, enquanto gestora da zona de caça associativa onde o arguido caçou sem ter acesso legal, para se constituir assistente e requerer a abertura de instrução, de harmonia com o disposto nos arts. 68°, n01, aI. a) e 287°, n01, aI. b) do C. P. P ..

7- Com efeito, a aqui recorrente é a exclusiva titular do interesse que constitui objecto jurídico do crime tipificado no art. 30°, n02 da Lei n0173/99, na medida em que o interesse protegido pela incriminação da caça ilegal, nas situações em que os terrenos se encontram ordenados, é o da entidade gestora da zona de caça, proprietária das espécies cinegéticas.

SEM PRESCINDIR: 8. Mesmo que se entenda tratar-se de uma norma penal de tutela do ambiente, da preservação da natureza ou da diversidade biológica, como o sufragou o Tribunal recorrido, hipótese que não se admite, mas se coloca por dever de patrocínio judiciário, sempre haveria de reconhecer-se à aqui recorrente, enquanto associação gestora da zona de caça, defensora e protectora dos recursos cinegéticos, naturais e ambientais, legitimidade para se constituir assistente, nos termos previstos especialmente pelo art. 25° da Lei n083/95, de 31 de Agosto - Lei da Acção Popular.

  1. Com efeito, a aqui recorrente é uma pessoa colectiva, com a natureza jurídica de associação, dotada de personalidade jurídica, constituída por escritura pública outorgada em 30.05.2001 no Cartório Notarial de Vila Verde.

  2. Nas suas atribuições e nos seus objectivos estatutários está previsto expressamente "o fomento, gestão e exploração dos recursos cinegéticos das freguesias de Marrancos e Arcozelo, bem como piscatórias da bacia hidrográfica do rio Neiva" - Cfr. artigo primeiro da escritura de constituição -doe. n.º 1.

  3. Enquanto concessionária da zona de caça associativa de Marrancos, a aqui recorrente é defensora dos interesses e bens jurídicos protegidos pela Lei de Bases Gerais da Caça, designadamente, os bens merecedores de tutela penal pelo art. 30°, n02 dessa lei - preservação da fauna e das espécies cinegéticas.

  4. Posto isto, sendo a ora recorrente titular do direito de acção popular, assiste--lhe o direito de se constituir assistente, nos termos previstos nos artigos 68°, 69° e 70° do Código de Processo Penal (art. 25° da Lei da Acção Popular - Lei n083/95, de 31.08).

  5. Nestes termos, deve o presente recurso merecer provimento e, consequentemente, revogar-se o douto despacho recorrido, reconhecendo-se legitimidade à aqui recorrente para se constituir assistente e requerer a abertura de instrução.

*O Mº Pº respondeu ( cfr. fls. 54 e 55 ), concluindo que no seu entender o recurso não deverá merecer provimento, devendo manter-se a decisão recorrida.

*Carlos V..., arguido nos autos, respondeu ( cfr. fls. 56 a 58 ), concluindo, igualmente, que no seu entender o recurso não deverá merecer provimento, devendo manter-se a decisão recorrida.

*A fls. 36, destes autos, foi proferido despacho de sustentação do despacho recorrido.

*O Ex.mo Procurador Geral Adjunto ( Sr. Dr. R... S... ), nesta Relação emitiu parecer (cfr. fls. 63 a 78 ), no qual conclui que, pelas razões que ali expôs, o recurso deve merecer provimento.

*Cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do C. P. Penal, não veio a ser apresentada qualquer resposta.

*Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, prosseguiram os autos para conferência, na qual foi observado todo o formalismo legal.

**Cumpre apreciar e decidir: - É de começar por salientar que são as conclusões do recurso que definem o seu objecto, nos termos do disposto no art. 412º, n.º 1, do C. P. Penal.

- Sendo que, no essencial, a única questão colocada no requerimento de interposição do recurso é a de saber se a Associação Recreativa de Caça e Pesca do Vale do N...

(legalmente constituída e entidade gestora de uma zona de caça- art.s 12 e 14 da Lei n.º 173/99, de 21-09 - por concessão de acordo com a Portaria n.º 454/2002, de 23-04), pode ser admitida a intervir nos autos como assistente - em processo cuja factualidade participada é susceptível de configurar a prática de um crime de caça p. e p. pelo art. 30º, n.º 2 da Lei n.º 173/99, de 21-09 (Lei de bases gerais da caça).

- É o seguinte o teor do despacho recorrido, que aqui se transcreve: " Conclusão em 29 de Setembro de 2006.

Folhas 91: Atendendo ao carácter público do crime em causa (artigo 30.° n.º 2 da Lei n.º 173/99, de 21 de Setembro), sendo o bem jurídico protegido a preservação da natureza e da diversidade biológica, bem como a exploração racional dos recursos cinegéticos, entendo que a Requerente não tem legitimidade para se constituir assistente, uma vez que não é a titular do bem jurídico protegido - artigo 68.° n.º 1 a) do Código de Processo Penal.

Notifique.

Vila Verde, 29 de Setembro de 2006.

" - Importa, para melhor compreensão da questão em apreço referir o seguinte: - Os autos ( Proc. n.º 2/06.3LA.BRG - fase de Inquérito ) tiveram origem em participação subscrita pelo Presidente da Direcção da Associação Recreativa de Caça e Pesca do Vale do N..., datada de 24-10-2005, comunicando que, por falta de pagamento atempado das quotas, Carlos V..., sócio da referida associação estava impedido de praticar o exercício da caça na zona de caça associativa daquela; - A factualidade participada é susceptível de configurar a prática de um crime de caça p. e p. pelo art. 30º, n.º 2 da Lei n.º 173/99, de 21-09 (Lei de bases gerais da caça) - o qual estipula o seguinte " 2 — Na mesma pena incorre quem exercer a caça em terrenos não cinegéticos, nos terrenos de caça condicionada sem consentimento de quem de direito, nas áreas de não caça e nas zonas de caça às quais não se tenha legalmente acesso."); - Por entender que não existiam indícios do arguido ter praticado os factos em molde que os mesmos constituíssem o aludido crime o M. P., em 05-07-2006, decidiu arquivar o inquérito ( vide fls. 42, destes autos); - A Associação Recreativa de Caça e Pesca do Vale do N..., em 05-09-2006, requereu a sua constituição como assistente e a abertura de instrução ( vide fls. 44 a 50, destes autos); - Em 29-09-2006, veio a ser proferido o despacho recorrido, o qual indefere o aludido requerimento de constituição como assistente desta Associação.

*- Ora, desde já é de referir que se concorda inteiramente com o exposto no parecer do Digno P.G.A, que aqui se vai transcrever, sendo, pois, inútil, por desnecessário, acrescentar outros comentários ao que, e bem, ali se referiu, onde consta o seguinte: "Para manifestar a nossa posição sobre o mérito do recurso, seja-nos permitido extractar o teor de parte de um douto e clarificador acórdão do STJ de 12/07/2005, tirado no processo 2535/05 e relatado pelo Conselheiro Simas Santos, decisão que dará o referencial doutrinal e jurisprudencial necessário para a apreciação exigida para a questão.

Diz-se em tal aresto: “2.2.

Vejamos, então, seguindo a par e passo o também mencionado acórdão n.º 1/2003, começando pelos dispositivos legais convocados para a decisão da questão suscitada.

Prescreve a Constituição, a propósito da função jurisdicional, que na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a...

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