Acórdão nº 1673/06-1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Setembro de 2006

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução21 de Setembro de 2006
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES: Do despacho proferido na acção de procedimento cautelar n.º 2641/06.3TBBRG-A (4) - Vara de Competência Mista do T.J. da comarca de Braga que, julgando improcedente a oposição, manteve a requerida providência cautelar decretada, recorreu o oponente Seminário Conciliar de B...

que alegou e concluiu do modo seguinte: I - A providência decretada teve apenas por objecto o ano lectivo de 2005/2006, ano lectivo escolar que já findou no pretérito mês de Junho, como é facto público e notório.

II - Através de cartas que o Director do Colégio D. D... de Sousa enviou aos recorridos, foi-lhes comunicado que esta instituição recusava a matrícula dos alunos em causa para a frequência do ano lectivo escolar de 2006/2007.

III - Os recorridos, na sequência de tal recusa, promoveram já a transferência escolar dos alunos em causa para outro estabelecimento de ensino que não o Colégio D. D... de Sousa, e aí procederam à matrícula dos mesmos, como melhor se comprova pelos respectivos "processos de transferência" juntos aos autos na última sessão da audiência final.

IV - Ocorre caducidade da providência decretada, visto os direitos que os requerentes/recorridos pretendiam acautelar se terem extinguido, e bem assim extinção do procedimento cautelar.

V – Quando assim se não entenda - o que a título subsidiário se invoca - verifica-se impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.

VI – A douta decisão, ao assim não ter decidido, violou o disposto na alínea e) do n.° 1 do artigo 389.º e o preceituado na alínea e) do artigo 287°, ambos do C.P.C.

VII – Os recorridos, por forma dolosa ou pelo menos com grave negligência, omitiram factos relevantes para a decisão da causa e praticaram omissão grave do dever de correcção, lealdade e cooperação quer para com o recorrente, quer para com o Tribunal, pelo que devem ser considerados litigantes de má-fé e condenados em multa e condigna indemnização arbitrada a favor do recorrente, nos termos do preceituado nos artigos 266° -A e 456°, n.° 1, alíneas b) e c) do C.P.C.

VIII - A douta sentença que julgou improcedente a oposição e não condenou os requerentes/recorridos como litigantes de má-fé violou o disposto no artigo 266°-A, nas alíneas b) e c) do n.° 1 do artigo 456° e no n° 1 do artigo 519° do C.P.C.

IX - A Constituição, garante no artigo 43.º, 4, o direito de criação de escolas particulares, sem poder impedir a assumpção de uma determinada orientação confessional. A Constituição (artigo 75.º, 2) e a Lei de Bases do Sistema Educativo (artigo 54°, 1), sem privar o Estado dos seus poderes tutelares, reconhecem o valor do ensino particular como corolário da liberdade de aprender e ensinar e do respeito pelas opções dos pais no tocante á educação e ensino para os filhos. O direito fundamental de liberdade é a pedra angular em que assenta o ensino privado. A constatação de que as escolas privados integram o serviço público de ensino não faz absorver a sua plúrima autonomia e a sua intrínseca diversidade em relação ao ensino público.

X - Entre um estabelecimento de ensino (não superior) privado (e de matriz católica) e os encarregados de educação do aluno que optam por esse ensino é estabelecida uma relação jurídica contratual a que alguns juristas chamam de contrato de ensino ou contrato educativo.

XI - A relação contratual, ao incorporar o Ideário, o Projecto Educativo da escola e o respectivo Regulamento Interno, gera um complexo normativo aceite pelos contraentes, de forma expressa ou tácita e de boa fé.

XII - É perfeitamente legítimo, razoável e equilibrado que, ao abrigo da autonomia privada, da liberdade de escolha do tipo de ensino e em ordem a preservação de valores essenciais atinentes ao funcionamento da escola e constantes do seu Ideário e do seu Projecto Educativo, que figure, no Regulamento Interno, uma previsão que confira à escola o poder de excluir da frequência e de não admitir a renovação da matrícula aos alunos que violem, em certos termos, o que no caso em apreço se mostram preenchidos, os deveres ou determinados deveres constantes desse mesmo Regulamento Interno.

XIII - A mera interpretação gramatical do artigo 3°, 4 da Lei n.° 30/2002 (Estatuto do Aluno do Ensino não Superior) não pode prevalecer sobre a natureza primária do artigo 54°, 2 da lei de Bases do Sistema Educativo. O confronto entre a redacção dada a este normativo e a do artigo 3°, 4 da lei n.° 30/2002 reflecte uma inegável ilegalidade, uma contradição ou colisão normativas, se tivermos em conta a natureza pública dos princípios e das normas contidas no diploma de 2002 e a natural inadaptação às escolas privadas desses princípios ou dos seus principais princípios.

XIV - Tendo em conta a história do processo legislativo que conduziu à Lei n.° 30/2002 (as fontes mais importante da Lei foram o estatuto dos alunos dos estabelecimentos públicos dos ensinos básico e secundário e o regime de frequência/assiduidade os alunos do ensino básico obrigatório), a análise dos trabalhos preparatórios (não há a mínima referência ao ensino privado na exposição de motivos da proposta legislativa) e o teor da norma revogatória, deverá considerar-se que o Estatuto do Ensino (não superior) Particular e Cooperativo, datado de 1980, continua substancialmente em vigor e, desde logo, em matéria disciplinar.

XV - Qualquer que seja o entendimento sobre o conflito normativo e a melhor interpretação do artigo 3°, 4 da Lei n.° 30/2002 e se parta, apenas, do seu teor literal, nada impede que possa ser sufragada a coexistência entre o poder disciplinar e o poder de autotutela civil, considerados os seus diferentes pressupostos e objectivos. Enquanto a acção disciplinar, como poder próprio das relações de direito público, visa, em primeira linha, a pessoa que comete a infracção disciplinar, pressupõe uma imputação subjectiva do incumprimento do dever e tem um duplo escopo, preventivo (prevenção especial) e repressivo, o poder unilateral de resolução contratual, assente numa relação jurídica paritária, tem como pressuposto o incumprimento culposo ou não culposo de deveres contratuais, normalmente perturbadores e graves, visando tutelar essencialmente interesses próprios do titular do direito.

XVI - Um estabelecimento particular de ensino, como sucede com o Colégio D. D... de Sousa, enquanto formação social organizada em comunidade escolar, não pode, à semelhança de outras formações sociais ordenadas, com finalidades determinadas e ao serviço de interesses privados ou públicos, ser privada de poderes de autotutela e de oportunidade em ordem à preservação do seu Ideário e dos escopos do seu projecto educativo.

XVII - Não se vislumbram argumentos, nem obstáculos legais, constitucionais (ofensa ou restrição de direitos fundamentais) ou ordinários (reserva absoluta de lei), que impeçam uma escola privada, ao abrigo da sua reserva de autonomia normativa, de ter um regime disciplinar adaptado à sua tradição, especificidade e natureza confessional e instrumentos não disciplinares aptos para reagir a condutas violadoras que não constituam ilícitos disciplinares.

XVIII - Mesmo na hipótese de ilícito simultaneamente civil e disciplinar a opção pela via contratual da exclusão da frequência ou da não renovação da matricula é legítima, por corresponder a um exercício de autonomia da escola, desde que sujeita a certos pressupostos (maxime comprovação e gravidade da conduta violadora) e controlo (solução ponderada, pedagogicamente conveniente e sem danos para a escola e para o aluno). Estas salvaguardas necessárias para evitar uma lógica contratual abusiva foram observadas, como resulta da matéria de facto provada, dos documentos juntos aos autos e da possibilidade, recusada, de os alunos em causa, como sucedeu com outro colega dos alunos em causa (João Pedro Gomes), prosseguirem, de imediato, os seus estudos num outro estabelecimento de ensino particular ou público.

XIX - O recorrente, através do Director Pedagógico do Colégio D. D... de Sousa, tinha toda a legitimidade para, não querendo "expulsar" um aluno – como não expulsou - exercer em relação a ele, poderes regulamentares de cessação contratual, sem necessidade, pois, de um prévio procedimento disciplinar. Estes poderes estão consonantes com o reconhecimento do princípio da oportunidade disciplinar, tal como consta do artigo 921 do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, e não conflituam com os princípios estabelecidos na Lei n.° 30/2002, para quem, esquecendo a necessária articulação com a Lei de Bases do Sistema Educativo e numa base literal, legalista e de estrito paralelismo disciplinar, entenda aplicável tal diploma.

XX – Ao assim não ter aplicado e interpretado os preceitos legais supracitados, a douta decisão, ao ter aplicado o n.° 4 do artigo 3° da Lei n.° 30/2002 com o sentido com que o fez, violou o disposto nos artigos 43°, n.° 4, 75°, n.° 2 e 204°, todos da Constituição da República Portuguesa, tendo assim aplicado normas e princípios nelas contidas que infringem o disposto naqueles preceitos da Constituição; o preceituado nos n.°s 1 e 2 do artigo 54° da Lei de Bases do Sistema Educativo, o artigo 92° do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo -, infracção que determina a ilegalidade da decisão -; o preceituado nos artigos 1154°, 1170°, n.°s 1 e 2 (ex vi do artigo 11565 e o disposto nos artigos 4320, 4330 e 4366°, n.° 1, todos do Código Civil.

XXI – Inexistiram os pressupostos legais que pudessem conduzir ao decretamento e manutenção das providências referidas, e ainda por inexistência do direito invocado pelos ora recorridos, atenta a revogação ou resolução contrate invocada e na pelo ora recorrente.

XXII – Deverá a oposição ser julgada procedente por inexistir também qualquer prejuízo para os recorridos e alunos em causa.

XXIII – A douta decisão ao assim não ter considerado violou o preceituado no n.° 1 do artigo 381°, e o disposto nos artigos 384° e 387°, n.°s 1 e 2, todos do C.P.C.

XXIV – É nula a decisão visto os seus...

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