Acórdão nº 2270/05-2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Abril de 2006

Magistrado ResponsávelPEREIRA DA ROCHA
Data da Resolução19 de Abril de 2006
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: Maria ««««, residente na Rua «««, propôs contra "B – Sociedade «««, SA", com sede na Rua «««, e contra "Companhia de Seguros «««, S.A", com sede no Largo do Chiado, 8, Lisboa, a presente acção com processo comum sumário pedindo a condenação da 1.a Ré a pagar-lhe a quantia já liquidada de 11.419,79 Eur. ou 4.834,75 se proceder a expensas próprias à reparação do veículo, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos por força do incêndio que deflagrou no seu veículo, e ainda na indemnização que se vier a liquidar quanto a danos resultantes da sua privação e das peças do mesmo retiradas, tudo acrescido de juros de mora; e subsidiariamente, para a hipótese de improcedência do peticionado contra a 1.a Ré, pede ainda a condenação da 2.a Ré a pagar-lhe as mesmas quantias.

Alega para tanto, no essencial, ter adquirido à 1.a Ré em 8 de Outubro de 2001 um automóvel ligeiro de passageiros de marca Seat, modelo Ibiza 6K, em estado de novo e com garantia de 24 meses, o qual, no dia 22 de Outubro de 2003, apresentava todo o seu interior ardido em consequência de um incêndio que havia deflagrado por força de um curto-circuito ocorrido na respectiva parte eléctrica, devido a uma deficiência de fabrico de uma das peças do airbag. À 1.a Ré competia reparar o veículo ou proceder ao pagamento da respectiva indemnização, por o mesmo se encontrar dentro do prazo de garantia ou, caso assim não se entenda, tal responsabilidade deve recair sobre a 2.a Ré, com a qual a Autora celebrou um contrato de seguro de responsabilidade civil que cobria danos próprios do veículo, mormente causados por incêndio ou explosão.

Citada a 1.a Ré contestou, alegando, no essencial, não ter vendido o veículo à Autora, tendo unicamente sido importador oficial e distribuidor em Portugal dos veículos automóveis da marca "Seat", actividade que cessou a 30 de Setembro de 2003.

A 2.a Ré contestou igualmente, alegando em síntese, que nos termos dos arts.5.º, n.º 1, al. j) e 37.º, n.º 1. al. o) das Condições Gerais da apólice, estão excluídos "os danos directa e exclusivamente provenientes de defeito de construção, montagem ou afinação, vício próprio ou má conservação do veículo seguro", sustentando, em conformidade, que o acidente em questão se encontra excluído das coberturas do contrato de seguro.

A Autora apresentou resposta às duas contestações, mantendo a sua versão dos factos alegados na sua petição inicial e concluindo como anteriormente.

Deduziu ainda a primeira Ré incidente de intervenção principal provocada de "Seat – Sociedade Española de Automoviles de Turismo, S.A", produtora do veículo, sustentando que, a demonstrar-se a versão da Autora , será a "Seat Española" a única responsável pelo pagamento das quantias peticionadas, na qualidade de produtora do veículo sinistrado.

Admitido o incidente de intervenção principal, com oposição da Autora, foi citada a "Seat – Sociedade Española de Automoviles de Turismo, S.A", que não contestou nem teve qualquer intervenção nos autos.

Proferido o despacho saneador, com selecção da matéria de facto assente e elaboração da base instrutória, realizou-se a audiência de julgamento, após a qual, decidida a matéria de facto, sem reclamação, foi proferida sentença, pela qual foi julgada a acção parcialmente procedente contra a chamada "Seat – Sociedade Española de Automoviles de Turismo, S.A", condenando-se a mesma a proceder à reparação integral do veículo de matrícula ««-««-««, colocando-o a funcionar regularmente, suportando todos os custos inerentes, no prazo máximo de 90 dias, após o trânsito em julgado da decisão, por provada, e totalmente improcedente em relação às Rés "S.H.A – Sociedade Hispânica de Automóveis Seat, S.A" e "Companhia de Seguros Mundial Confiança, S.A", em consequência do que se absolveu estas duas Rés de todos os pedidos contra as mesmas formulados.

Inconformada com esta decisão, dela interpôs a Autora a presente apelação, formulando as seguintes conclusões: 1- A 1.ª Ré, tal como a chamada, deve ser condenada a proceder à reparação da viatura, "Seat", modelo Ibiza 6 k, de matrícula ««-««-«« ou ao pagamento do custo da mesma reparação. Com efeito, 2- quem vendeu o veículo à Autora foi a 1.

a Ré e foi esta quem, através do seu agente e concessionário, lhe entregou o certificado que garantia o seu bom funcionamento, por um período de tempo de 24 meses, conf. doc. junto com a p.i. sob o n.º 27. Ora, 3- a 1.ª Ré ao integrar nas condições de venda este compromisso de garantia que entregou à Autora, assumiu ipso iure perante esta as obrigações que decorrem do respectivo clausulado, e desde logo a obrigação de garantia do bom funcionamento do veículo durante os 24 meses posteriores à concretização do negócio, de harmonia com as disposições combinadas dos artigos 874.º, 879.º, 913.º, 914.º e 921.º, do Cód. Civil. Mais, 4- a 1.ª Ré não se pode eximir a esta obrigação pelo facto da apólice ter sido emitida em nome da chamada. Isto porque, 5- a 1.ª Ré é quem em Portugal representa a chamada e, consequentemente, tem de assumir perante os seus clientes portugueses, como sucede com a Autora, a obrigação da garantia do bom funcionamento dos veículos vendidos nos termos que constam das respectivas condições da venda, vide intróito da garantia emitida - doc. junto com p.i. sob o n.º 27. De resto, 6- este documento é parte integrante do contrato de compra e venda em causa, e perante o mesmo, a Autora que é portuguesa, que comprou o veículo à 1.ª Ré, através de um seu agente ou concessionário em Portugal, pode exigir desta (1.ª Ré) a reparação da viatura avariada por defeito de fabrico. Mais, 7- do contrato celebrado entre a 1.ª Ré e a chamada junto aos autos a fls. 207 e ss, resulta claro que é a importadora quem, em Portugal, tem de cumprir todas as obrigações resultantes do mesmo como um empresário independente, não podendo actuar em representação do fornecedor, vide respectivos art.ºs. 3.º n.º 2, 6.º e seus anexos l e 6. Acresce ainda que, 8- a 1.ª Ré vendeu à Autora um veículo que importou da chamada, tal como outros da mesma marca, para serem vendidos em Portugal, no exercício da sua actividade comercial normal. Além de que, 9- in casu a chamada apôs no veículo e nos respectivos documentos (livrete e registo de propriedade) a sua marca ou sinal distintivo.

Pelo que, 10- perante a Autora assumiu a qualidade de produtor desse veículo e, consequentemente, a responsabilidade pela garantia do seu bom funcionamento, nos moldes que constam do respectivo certificado de garantia, conf. artigos l e 2, n.ºs. l e 2, al. a) do Dec-Lei 383/89, de 6/11, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 83/374/CEE, do Conselho, de 25 de Julho de 1985. De resto, 11- tal responsabilidade da 1.ª Ré perante a Autora é solidária com a da chamada, face ao estatuído no n.º 6 daquele citado diploma legal. Ademais, 12- foi a 1.ª Ré quem ordenou que se efectuasse o diagnóstico à avaria da viatura numa sua concessionária e que fosse remetida para uma outra, "Garagem V««", no Porto para sujeição a nova vistoria e reparação; foi por ordem da primeira Ré que nesta garagem se procedeu à desmontagem da parte danificada do veículo e foi ainda ela quem após a sentença e face ao seu teor comunicou por escrito à autora que o pretendia analisar (o veículo) para a sua eventual reparação. Ora, 13- todos estes actos praticados pela 1.ª Ré fizeram-lhe crer e acreditar, tal como a qualquer pessoa normal colocada na posição da Autora, que foi aquela quem assumiu perante esta a obrigação de garantir o bom funcionamento da viatura vendida e de proceder à sua reparação em caso de avaria. Pelo que, 14- também, à luz do preceituado nos art.ºs. 227.º, n.º l e 762, n.º 2 a 1.ª Ré é responsável perante a autora pela reparação da viatura, pelos danos resultantes do seu incumprimento ou mora indesculpável no seu cumprimento. Por outro lado, 15- as cláusulas invocadas na douta decisão recorrida que excluem a responsabilidade do produtor fabricante ou vendedor pelos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes da não reparação do veículo, no prazo de garantia, são nulas e ineficazes em relação à Autora. Com efeito, 16- o contrato de garantia de bom funcionamento do veículo assume m casu a natureza de um contrato de adesão, no qual à A. apenas era permitido aceitá-lo no seu todo sem interferir no seu conteúdo ou clausulado. Por isso, 17- tal contrato está sujeito ao controle judicial ao nível da tutela da vontade do beneficiário e também ao nível da fiscalização do conteúdo das condições gerais do...

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