Acórdão nº 1965/05-1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Novembro de 2005

Magistrado ResponsávelFERNANDO MONTERROSO
Data da Resolução21 de Novembro de 2005
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães No processo comum com intervenção do tribunal colectivo 838/03.7PCBRG.2 da Vara de Competência Mista de Braga, foi proferido acórdão que: 1 – Condenou o arguido Miguel R...

em: a) 7 (sete) meses de prisão, por um crime de falsificação de notação técnica p. e p. pelo art. 258 nº 1 al. b) do Cod. Penal; e b) 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, por um crime de burla qualificada p. e p. pelo art. 218 nº 2 al. a) do Cod. Penal.

E, em cúmulo jurídico destas duas penas, na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 3 anos, com a condição de o arguido no prazo de 10 meses pagar ao ofendido a quantia de € 3.250,00.

2 – Condenou o arguido Miguel R...

a pagar ao demandante Pedro P... a quantia de € 3.250,00, acrescida de juros à taxa de 4% a contar da notificação do pedido até integral pagamento.

* O arguido Miguel R...

interpôs recurso desta sentença, suscitando as seguintes questões: - a nulidade do acórdão – art. 379 nº 1 al. a) do CPP; - a impugnação da matéria de facto; - a invocação dos vícios do art. 410 nº 2 do CPP; - a existência de «factos novos dados por assentes e não constantes da acusação»; - o consentimento presumido do ofendido; e - a incriminação dos factos.

Respondendo, o magistrado do MP junto do tribunal recorrido defendeu a improcedência do recurso.

Nesta instância o sr. procurador-geral adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso merecer provimento.

Cumpriu-se o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.

Colhidos os vistos, realizou-se a audiência.

* No acórdão recorrido foram considerados provados os seguintes factos: 1 – No dia 19 de Outubro de 2002, Pedro P... dirigiu-se ao Stand S..., sito no lugar de Porto Martim, Cabreiros, na cidade de Braga.

2 - Uma vez aí acordou com o arguido a venda do veículo, de matrícula 7...-64-LT, da marca BMW., modelo 320D, cor preta, com 112.000 Km efectuados, conforme constava no conta quilómetros do veículo, pelo valor de € .25.937,00 3 - Para tal, o arguido garantiu ao ofendido Pedro que o referido BMW estava em bom estado e tinha 112.000Km e que só não lhe entregava, naquele momento, o livro de revisões por o veículo vir de uma retoma e logo que fosse possível lho entregaria.

4 - Atendendo ao que foi referido pelo arguido e porque confiasse na palavra do mesmo Pedro, adquiriu o veículo tendo pago pelo mesmo os referidos 25.937,00 €.

5 – Por diversas vezes Pedro solicitou a entrega do livro de revisões do veículo ao arguido, nunca este o tendo entregue.

6 – Na data de aquisição o veículo indicava no contaquilómetros 112.000 km, o que foi factor relevante para a aquisição do veículo, uma vez que dada a marca e modelo em causa, fez o ofendido sentir-se seguro quanto ao bom estado de funcionamento da viatura.

7 – A viatura apresentava bom estado de conservação.

8 – No mês de Março de 2003, após diligências que efectuou veio o ofendido a descobrir que, em Julho de 2002, aquele veículo tinha estado em revisão no Stand da B..., SA, no Porto e, nessa altura, constava no conta-quilómetros do veículo 202.000 Km, ou seja, em Julho de 2002 o carro já tinha mais 100.000 Km. dos que os que constavam do conta-quilómetros em Outubro de 2002 quando o veículo foi adquirido.

9 - De facto, em data que não foi possível apurar, mas posterior a Julho de 2002 e anterior ao dia 19 de Outubro de 2002, o arguido adulterou o conta-quilómetros da viatura BMW acima referida colocando os números 112.000 visando dar a aparência enganosa de que o veículosó tinha circulado aqueles quilómetros.

10 - O ofendido Pedro só adquiriu o carro por estar convencido que o mesmo apenas tinha 112.000 Km, pois se soubesse que tinha mais quilómetros não o tinha adquirido.

11 – Ao alterar o conta-quilómetros, sabia o arguido que fazia em benefício próprio e em prejuízo de terceiros, pondo em causa a credibilidade do referido instrumento, já que é idóneo a certificar o estado do veículo e desgaste do mesmo.

12 – Com a alteração do conta-quilómetros visou o arguido prejudicar o ofendido e obter enriquecimento ilegítimo, através de engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinando com tal conduta que o ofendido adquirisse viatura que se fosse conhecedor da sua real situação não teria adquirido, sofrendo, por isso, um elevado prejuízo.

13 – Em todo o processo referido, o arguido agiu deliberadamente, livre e consciente, bem sabendo do carácter proibido das suas condutas.

14 – O arguido exerceu a actividade de comerciante, também na qualidade de sócio da Araújo & C..., Lda., vendendo e comprando carros, durante cerca de 20 anos, explorando dois estabeecimentos, um em Braga e outro em Monção.

15 – Há cerca de um ano deixou de exercer essa actividade, não exercendo qualquer outra.

16 – É casado e a mulher exerce a profissão de professora do ensino secundário.

17 – Desconhece-se o destino dos aludidos estabelecimentos e qual a situação da sociedade.

18 – O arguido era pessoa considerada no meio comercial da compra e venda de carros, onde mantém ligações e é respeitado.

19 - É primário.

20 – Uma viatura automóvel com as mesmas características da viatura adquirida pelo ofendido, com mais 10.000Km. custava menos 2.500,00 € do que a quantia efectivamente paga.

Considerou-se não provado que: - na aquisiçãoda viatura o ofendido tivesse um prejuízo de € 6.000,00.

FUNDAMENTAÇÃO 1 – Questão prévia A fls. 212, na sequência de informação de que o arguido não efectuara o preparo para as despesas de transcrição, conforme estipula o art. 89 nº 2 do CCJ, foi proferido despacho considerando que ficou inutilizado o recurso sobre a matéria de facto.

Tal decisão, no entanto, não cabe no âmbito dos poderes do tribunal recorrido, ao qual compete decidir a admissão do recurso e instruí-lo com os elementos necessários. Admitido este, apenas o tribunal a quo, e não o tribunal ad quem, pode emitir decisão sobre a sua procedência. Diferente seria se o tribunal recorrido tivesse apenas decidido que não seria feita a transcrição, deixando à Relação a definição das consequências desse facto. O caso destes autos é exemplar. O recorrente não ataca a matéria de facto apenas pela via da impugnação prevista no art. 412 nºs 3 e 4 do CPP, mas também pela invocação dos vícios do art. 410 nº 2 do CPP, que não está dependente de transcrição. A decisão de considerar “inutilizado o recurso sobre a matéria de facto”, equivaleria a impedir que a Relação conhecesse de tais vícios, os quais, aliás, são de conhecimento oficioso, conforme acórdão de fixação de jurisprudência do STJ de 19-10-95, DR – Iª Série de 28-12-95 2 – A nulidade do acórdão – art. 379 nº 1 al. a) do CPP Alega o recorrente que não foi feito o exame crítico da prova.

Mas lendo-se aparte da motivação da matéria de facto, resultam absolutamente claros os motivos da decisão quanto à matéria de facto: porque nas suas declarações o arguido nunca afirmou que outra pessoa, seu sócio ou empregado, tivesse...

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