Acórdão nº 2247/04-1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Julho de 2005

Magistrado ResponsávelRICARDO SILVA
Data da Resolução04 de Julho de 2005
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação de Guimarães 1. Por sentença, proferida em 2004/10/20, no processo comum n.º 25/02.1EAPRT, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, além do mais, foram condenados: – A, com os demais sinais dos autos, pela prática do crime de contrafacção, imitação e uso ilegal da marca, p. e p. pelo art. 264.º, n.º 1, al. a) do Código da Propriedade Industrial (CPI) anterior ( () CPI aprovado pelo Decreto Lei n.º 16/95, de 24 de Janeiro.

), na pena de 110 (cento e dez) dias de multa, à razão diária de € 6,00 (seis euros), num total de € 660,00 (seiscentos e sessenta euros); – “S, Ldª” pela prática do crime de contrafacção, imitação e uso ilegal da marca, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art. 264.º, n.º 1, al. a) do CPI anterior e arts. 3.º e 7.º do Decreto-Lei (DL) n.º 28/84, de 20/01, aplicáveis ex vi art.º 258.º do CPI citado, na pena de 110 (cento e dez) dias de multa, à razão diária de € 10,00 (dez euros), num total de € 1.100,00 (mil e cem euros); 2. Inconformados, recorreram desta decisão os arguidos A e «Sajunior – Bordados, L.da» .

Remataram a motivação de recurso que apresentaram com a formulação das seguintes conclusões: « 1 – O arguido A foi condenado pela prática de um crime de contrafacção, imitação e uso ilegal da marca, p. e p. pelo artigo 264º, n.º 1, alínea a) do C.P.I. anterior e a arguida S., Lda., foi condenada pela prática do mesmo crime, pelas disposições conjugadas dos artigos 264º, n.º 1, alínea a) do C.P.I. anterior e artigos 3º e 7º do Decreto-lei nº 28/84, aplicáveis ex-vi, artigo 258º do C.P.I. citado.

« 2 - O regime legal em vigor à data da prática dos factos conferia àquele crime carácter público, o qual, com a entrada em vigor, no dia 1 de Julho de 2003 do Decreto-lei nº 36/2003, que aprovou o novo Código da Propriedade Industrial, passou a ter natureza semi-pública, atento o disposto no artigo 329º do mesmo.

« 3 - As marcas ofendidas não exerceram o seu direito de queixa, do qual são legítimas titulares.

« 4 - Analisando os autos, constata-se que nenhum dos lesados apresentou queixa, ou sequer participou os factos, ou demonstrou por qualquer meio o objectivo de demandar criminalmente os arguidos e o prazo para o fazerem já expirou.

« 5 - Desta forma, não estava o Ministério Público investido da legitimidade legal que a lei exige para fazer prosseguir, por si só, o procedimento criminal quanto ao ilícito em apreciação.

« 6 - Tratando-se de um crime que à data da prática dos factos era legalmente tipificado como público e à data do julgamento semi-público de acordo com o Decreto-Lei n.º 36/2003, de 05/03, a lei a aplicar teria que ser esta última por ser mais favorável aos aqui recorrentes.

« 7 – O M.P. deduziu acusação sem prévia apresentação de queixa e tinha legitimidade para o fazer porque se tratava de um crime público. Com a entrada em vigor do novo C.P.I. a queixa passou a constituir um pressuposto da legitimidade do M.P. para a acção penal.

« 8 - Por isso, as ofendidas tinham ao seu dispor, para formulação da queixa o prazo de 6 meses a contar da data da entrada em vigor da lei nova - 01/07/2003.

« 9 - Não o tendo feito, o direito de queixa das ofendidas extinguiu-se por caducidade e o M. P. perdeu a sua legitimidade para a respectiva acção penal.

« 10 - A norma do artigo 5º do C.P.P., por se referir às normas processuais formais cede perante a norma do artigo 2º do C.P., a qual constitui um instrumento de garantia dos direitos fundamentais consagrados no artigo 29º da C.R.P.

« 11 – A douta sentença recorrida violou o artigo 2º do C.P., bem como o princípio constitucional subjacente da aplicação retroactiva da lei penal de conteúdo mais favorável ao arguido, previsto no artigo 29º, n.º 4 da C.R.P. .

Terminou a pedir, com o provimento do recurso, a revogação da sentença recorrida e a absolvição dos recorrentes.

  1. Admitido o recurso, o Ministério Público (MP) apresentou resposta no sentido de lhe ser dado provimento.

  2. Nesta instância, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto (PGA) foi de parecer de que o recurso merece provimento.

  3. Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do C. P. P., os recorrentes não responderam.

  4. Efectuado exame preliminar e não havendo questões a decidir em conferência, colhidos os vistos, prosseguiram os autos para audiência, que se realizou com observância do formalismo legal, como a acta documenta, mantendo-se as alegações orais no âmbito das questões postas no recurso.

    II.

    O recurso é restrito a matéria de direito e as questão, complexa, posta no mesmo é se a alteração da natureza do crime de contrafacção, imitação e uso ilegal de marca, de público a semi-público, determina, no caso, a absolvição dos arguidos, por falta de apresentação de queixa das ofendidas, e, assim, sendo, se o regime penal em vigor é o mais favorável, em concreto, aos arguidos, devendo ser aplicável.

    É claro que a resposta a dar sobre qual é o regime concretamente mais favorável aos arguidos depende da solução da questão das consequência jurídicas concretas da passagem do crime de público a semi-público, pois tendo o regime penal de ser aplicado em bloco, torna-se indiferente a consideração das normas relativas à punição do crime, na perspectiva de estas não chegarem a ser aplicadas, ainda que, a serem-no, configurassem o regime concretamente manos favorável.

    Assim, O que está, aqui, verdadeiramente em causa, é saber-se o que é que acontece se, após o MP ter promovido um processo penal para a punição dos autores de certo crime público, tal crime passa a ser semi-público, isto, mesmo se a Intervenção do MP, no quadro da sua competência exclusiva de promoção da acção penal, puder ter-se já esgotado, com a ultrapassagem da fase da dedução da acusação pública. Dito de outro modo, se pode pôr-se a questão da exigência de uma queixa – denúncia ou participação de factos – ao MP, queixa que, como se sabe, tem o único fim de desencadear o procedimento criminal (() Note-se que o queixoso, nos crimes semi-públicos, não tem qualquer outro intervenção obrigatória no processo (para além, naturalmente, da que lhe possa vir a ser exigida no esclarecimento da verdade material), pois só no caso dos crimes particulares lhe é exigida a constituição de assistente.

    ), relativamente a um processo em que a acusação já tenha sido validamente deduzida pelo MP e, no caso afirmativo, o que sucede se, ao tempo da alteração legislativa, já tiver decorrido o prazo que a lei estabelece para a apresentação da queixa.

    “Nuance” esta introduzida, desde já, não só porque é a situação que corresponde à dos presentes autos, como porque o problema se complica à medida que o tempo decorre e o processo avança. Assim, v.g., no caso de a alteração legislativa determinativa da alteração da natureza do crime ocorrer após o momento da prática dos factos, mas antes do decurso do prazo legal para a apresentação da queixa e do início do processo, não é difícil chegar-se a uma solução harmónica com as regras do processo e a tutela dos direitos dos interessados Vejamos, então a situação concreta dos presentes autos, para o que nos basearemos nos elementos de facto e de direito dos autos, que não estão postos em crise pelo recurso.

    Em 2002/03/05 foi detectada a acção dos arguidos que veio a ser qualificada e sancionada penalmente como autoria de um crime de “contrafacção, imitação e uso ilegal da marca”, p. e p. elo art.º 264.º do CPI então em vigor.

    À mesma data o referido crime era público.

    Os autos tiveram origem num auto de notícia da Inspecção Geral das Actividades Económicas (IGAE), seguindo-se-lhe o competente inquérito.

    Em 2003/05/30 o MP deduziu acusação nos autos, vindo esta a ser recebida pelo despacho de 2003/09/18 que designou data para a realização de julgamento.

    Entretanto, em 2003/03/05 foi publicado o DL 36/2003, que aprovou o novo CPI, para entrar em vigor em 2003/07/01, nos termos do art.º 16.º do mesmo decreto-lei No novo CPI, o tipo legal de crime de “contrafacção, imitação e uso ilegal de marca” passou a estar previsto no art. 323.º, dispondo o art.º 329.º do mesmo diploma legal que “o procedimento por crimes previstos neste Código depende de queixa”.

    Passaram, assim, os crimes previstos e punidos no CPI a ter natureza semi-pública.

    Em 2004/09/29 deu-se início ao julgamento dos presentes autos e, em 2004/10/13 foi proferida a sentença, com a decisão já conhecida.

    Temos, em resumo, que, decorridos um ano três meses e vinte seis dias sobre a notícia do crime e um mês e um dias sobre a dedução da acusação pública, o crime passou de público a semi-público.

    Esta situação coloca um problema de aplicação de lei no tempo, cuja solução, aliás, é causa e fundamento do recurso Quid juris, quando ocorre esta mudança.

    Diferentes soluções têm sido avançadas, dependendo de a alteração da natureza do ilícito ser anterior ou posterior ao início do processo ou, mesmo, à dedução da acusação, e ser ela, também, anterior ou posterior ao decurso do prazo para apresentação da queixa, com as possíveis variantes que a intersecção destes dois vectores comporta. Fixemo-nos da situação concreta dos autos, que se nos afigura das mais, se não a mais complexa.

    Antes seja-nos permitida a expressão de alguma perplexidade da, para nós insólita, alteração da natureza dos crimes de públicos para semi-públicos.

    Desde logo, porque nos bens jurídicos tutelados pela protecção penal das marcas há um patente interesse público, no saneamento e credibilização do funcionamento dos mercados e, por consequência, da saúde da economia.

    Depois, porque sendo notório que as pessoas titulares das marcas mantém uma luta permanente, junto das autoridades dos estados e do público, pela defesa da genuinidade dos produtos e da protecção dos seus interesses, sendo difícil de prefigurar uma situação em que não lhes interesse a perseguição penal da contrafacção dos produtos das marcas.

    Por fim, porque dificilmente os referidos titulares terão conhecimento dos factos puníveis antes das autoridades...

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