Acórdão nº 921/05-1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Junho de 2005

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução22 de Junho de 2005
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em Conferência no Tribunal da Relação de Guimarães.

* Os recorrentes A e L (idºs no processo) foram condenados, por sentença oportunamente transitada em julgado, nas penas únicas de dez meses de prisão (por crimes de abuso de confiança fiscal, sob a forma continuada, p. e p. pelos arts. 24º nº 1, 27º - A do RJIFNA e pelos arts. 30º nº 2 e 79º do CP) cuja execução foi suspensa pelo período de três anos na condição de pagarem ao estado, no prazo de dois anos, respectivamente, as quantias de 53.026.923$00 e 55.226.621$00 acrescidas de juros moratórios e compensatórios.

* Ambos fizeram o seguinte requerimento: 1° - Nos presentes autos foram ambos os arguidos condenados a uma pena de prisão de dez meses de prisão suspensa pelo prazo de três anos "sob a condição de, no prazo de 2 "dois” anos comprovar nos autos o pagamento ao Estado da quantia de 54.155.623$00 acrescida de juros moratórias e compensatórios legais…".

  1. - Acontece que ambos os arguidos já no momento em que foram condenados encontravam-se desempregados por ter sido decretada a falência da sociedade de que eram trabalhavam; 3° - Só em Maio de 2003 é que o arguido L começou a trabalhar recebendo o salário mínimo nacional de 356,60 € e o arguido A, embora tenha trabalhado sempre como trabalhador independente desde a falência da sociedade de que era sócio e gerente, auferiu e aufere um salário médio de 550 €.

  2. - Ora, o arguido L não tem outros rendimentos e é com o seu salário e o da sua mulher que é operária e que aufere um salário de 453,03 € que sustentam todo o agregado familiar composto por ambos e por uma filha menor.

  3. - O arguido A também não tem outros rendimentos é com o seu salário de 550 € liquido que começou a auferir como trabalhador independente desde que ficou sem emprego na sociedade de que era sócio e que foi judicialmente declarada falida, e o da sua mulher que é enfermeira e aufere o salário de 1.100 € ilíquidos que sustentam o agregado familiar composto por ambos e por dois filhos menores. Acresce que foi ordenado o desconto mensal de 1/4 do vencimento da mulher do arguido, o que reduz para 825 €.

  4. - Não têm assim os arguidos possibilidades económico-financeïras para pagar ao Estado no prazo designado na douta sentença a quantia que, a título de indemnização, foram condenados a pagar, visto que a situação financeira de ambos por força do longo período de desemprego e do salário que auferem não lhes permite cumprir a obrigação que lhes foi imposta como condição da suspensão da pena.

  5. - Por essa razão e só por essa os arguidos não puderam cumprir o dever a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena, tanto mais que o dever imposto a ambos objectivamente constitui para cada um dos arguidos obrigação cujo cumprimento razoavelmente não poderá ser exigido aos arguidos tanto mais que tal dever - o de pagar no prazo de dois anos 54.155.623SOO - foi-lhes impostos no exacto momento em que ficavam desempregados e sem fontes de rendimentos, sendo, portanto, excessivo 8° - Tendo em atenção o que se acaba de alegar, a personalidade dos arguidos e o facto destes não terem actualmente nem ser previsível que venham a ter num futuro próximo bens que lhes permitam cumprir o dever que lhes foi imposto como condição de suspensão da pena, essa condição deve ser substituída por outra que ambos possam cumprir.

Termos em que e nos mais de direito requerem a modificação do dever imposto e a substituição por multa da pena em que foram condenados.

* Foi proferido o seguinte despacho que incidiu sobre o requerimento antecedente: “Por sentença proferida nestes autos, transitada em julgado em 15 de Maio de 2002, foram os arguidos A e L condenados numa pena única de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, sob condição de, no prazo de 2 anos, comprovarem nos autos o pagamento das quantias de 53.026.923$00 e 55.226.621$00, respectivamente, acrescida dos juros moratórios e compensatórios legais.

Vêm os mesmos, por meio do requerimento de fls. 277 e 288, requerer que a pena que lhe foi aplicada seja substituída por multa e ainda que sejam modificados os deveres que lhes foram impostos na sentença condenatória, alegando, em síntese, não terem possibilidades económico-financeiras para pagar ao Estado, no prazo assinalado na sentença, as aludidas quantias em que foram condenados em termos cíveis.

* O Ministério Público, na douta promoção que antecede, pronuncia-se no sentido de ser prorrogado o período de suspensão de execução da pena de prisão pelo prazo máximo legalmente permitido.

* Cumpre decidir: E fazendo-o, desde logo se impõe concluir que a primeira pretensão formulada pelos arguidos não pode ser atendida. Com efeito, nenhum fundamento legal existe para substituir a pena de prisão em que os arguidos foram condenados por uma pena de multa.

Quanto à modificação dos deveres impostos aos arguidos, cabe recordar que, nos termos do artigo 11°, n° 7 do Decreto-Lei n° 20-A/95, de 15 de Janeiro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n° 394/93, de 25 de Novembro - o regime que aqui é aplicável -, a suspensão da execução da pena de prisão em crimes desta natureza é sempre condicionada ao pagamento do imposto devido e acréscimos legais. Assim, não pode também o tribunal, neste momento, eximir os arguidos do cumprimento desse dever, legalmente consagrado e imposto, no caso concreto, por sentença transitada em julgado.

Impõe-se aferir, contudo, se os arguidos infringiram grosseiramente e de forma culposa aquele dever.

Quanto a este particular, estamos em pleno acordo com a posição manifestada nos autos pelo Ministério Público.

Com efeito, tanto quanto resulta dos autos, a situação económica dos arguidos não se alterou substancialmente desde a data em que foi proferida a sentença. Todavia, os mesmos exercem actividades por conta própria, das quais tiram rendimentos - rendimentos esses que, de resto, lhes permitiram pagar as quantias em dívida nos presentes autos a título de custas.

Sendo assim, não obstante os rendimentos dos arguidos - ao menos quanto resulta do processo - não serem elevados, sempre poderiam os mesmos tentar cumprir, ao menos parcialmente, a obrigação que lhes foi imposta como condição de suspensão da execução da pena.

Ao o não terem feito entende-se que violaram de forma culposa aquele dever.

Ainda assim, pelas mesmas razões apontadas pela Digna Procuradora-Adjunta, designadamente tendo em consideração o elevado montante das quantias que foram condenados a entregar ao Estado e os valores dos rendimentos que percebem, entende-se que essa violação não é grosseira, não se justificando, pois, revogar a suspensão da execução das penas aplicadas aos arguidos.

Pelo exposto, indeferindo o requerido pelos arguidos, decido, ao abrigo do disposto no artigo 55°, al. d) do Código Penal, prorrogar o período da suspensão da execução da pena aplicada aos arguidos por mais um ano, passando a mesma a vigorar, assim, pelo período de 4 (quatro) anos contados desde o trânsito em julgado da sentença proferida nestes autos. Notifique”.

* Os arguidos interpuseram recurso da sobredita decisão e apresentaram as seguintes conclusões: 1ª - A concreta situação de cada um dos arguidos foi levada a conhecimento do Tribunal, para justificar o pedido de modificação do dever que lhes foi imposto como condição da suspensão da execução da pena de prisão em que foram condenados, mas que pela sua desrazoabilidade era mais do que previsível que os arguidos não poderiam, nem conseguiriam, nunca cumprir.

  1. - O Tribunal a quo entende que, por estar vinculado ao cumprimento das disposições do n° 7 do artigo 11° do Deereto-Lei ° 20-A/90 - RJIFNA -, "não pode (...), neste momento, eximir os arguidos do cumprimento desse dever, legalmente consagrado e imposto, no caso concreto, por sentença transitada em julgado", optando, por essa razão, pela prorrogação do período de suspensão por mais um ano.

  2. - Com base nesse entendimento, o Tribunal a quo agravou a situação jurídico-penal dos arguidos, prorrogando o período de suspensão da pena e mantendo inalterada a condição da suspensão da execução da pena, o que é manifestamente ilegal.

  3. - Quando não ignora que com essa prorrogação não elimina, antes agrava, a desrazoabilidade da condição de suspensão da execução da pena e que ela acaba por corresponder a uma condenação da pena de prisão por dívidas ou a uma expectativa de novo pedido de modificação da condição imposta, por manifesta impossibilidade de cumprimento.

  4. - Com a Lei 15/2001, de 5 de Junho torna-se possível outras alternativas legais de condicionar a suspensão da execução da pena que revelam a novação da vontade punitiva do legislador, que agora entende ser aceitável o pagamento de uma multa para que se torne admissível legalmente a suspensão da pena.

  5. - Esta tem sido a jurisprudência unânime desde que entrou em vigor Lei 15/2001, de 5 de Junho - RGIT. Por essa razão, a jurisprudência tem aplicado as normas desse diploma por entender que são mais fevoráveis ao arguido e não tem condicionado a suspensão da execução da pena ao pagamento da dívida fiscal, mas sim de uma multa fixada de acordo com os critérios estabelecidos na lei penal, nomeadamente o da concreta situação económica e da vida dos arguidos.

  6. - Por o dever imposto representar para os arguidos obrigações cujo cumprimento não é razoavelmente de lhes exigir, sempre poderiam ter sido modificados, no sentido de compor a suspensão da execução da pena com o cumprimento de um dever ou obrigação, que, razoavelmente, possa ser-lhes exigido, em conformidade com as disposições dos números 2 e 3 do artigo 51 do Código Penal e com a jurisprudência dominante 8ª - Ao contrário do que se sustenta na douta decisão ora recorrida, nada impedia o Tribunal a quo de modificar os deveres impostos, mesmo que para o efeito tivesse de desaplicar, por inconstitucional - inconstitucionalidade material -, a norma de n° 7 do artigo 11° do Decreto-Lei ° 20-A/90 - RJIFNA -, e em consequência...

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