Acórdão nº 890/04-2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Outubro de 2004

Magistrado ResponsávelANSELMO LOPES
Data da Resolução11 de Outubro de 2004
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Após audiência, acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: TRIBUNAL RECORRIDO Tribunal Judicial de Barcelos – 1º Juízo Criminal – Pº nº 59/02.6TABRG ARGUIDOS/DEMANDADOS CIVIS Manuel …; e Maria … OFENDIDO/ DEMANDANTE CIVIL António … RECORRENTES Os arguidosRECORRIDOS O Ministério Público; e O ofendidoOBJECTO DO RECURSO Os arguidos foram acusados da prática, em co-autoria material e concurso real, de um crime de denúncia caluniosa p. e p. pelo artº. 365º, nº. 1 e um crime de difamação agravada p.p. pelos artºs. 180º e 184º, com referência ao artº. 132º, j), todos do C. Penal.

O ofendido – António … – deduziu pedido de indemnização civil contra ambos os arguidos, pedindo a sua condenação solidária no pagamento da quantia de € 40.000,00, acrescida de juros de mora e de sanção pecuniária compulsória, quantia que entende ser a adequada para compensação dos danos morais resultantes da conduta imputada aos arguidos.

Os arguidos apresentaram contestação, na qual se limitam a afirmar que não actuaram com intenção de caluniosamente denunciar ou de difamar, oferecendo, no restante, o merecimento dos autos.

No final, veio a ser proferida a seguinte decisão: Julgar procedente, por provada, a pronúncia, pelo que cada um dos arguidos vai condenado: - pela prática do crime de denúncia p.p. no artº. 365, nº. 1, do C. Penal, na pena de quatro meses de prisão; - pela prática de um crime de difamação agravada p. e p., respectivamente, nos artºs. 180, 184 e 132, nº. 2, j), do C.Penal, na pena de dois meses de prisão.

Em cúmulo, vai cada um dos arguidos condenado na pena única cinco meses de prisão.

Vão ainda os arguidos solidariamente condenados nas custas do processo, fixando-se em 5 Ucs. a taxa de justiça (complexidade do processo, três sessões de julgamento, com gravação da prova, estatuto económico dos arguidos), com o mínimo de procuradoria.

São devidos honorários à ilustre defensora – de acordo com a tabela.

Julgar parcialmente procedente, improcedendo na parte restante, o pedido de indemnização formulado nos autos, condenando solidariamente os requeridos a pagarem ao requerente, a título de indemnização por danos morais, a quantia de €18.000,00 , acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a presente data e até integral pagamento, acrescida ainda de 5% de juros, contados desde o trânsito da presente sentença, a título de sanção pecuniária compulsória.

*É desta decisão que vem interposto o presente recurso, defendendo os recorrentes que não foi feita a gravação integral do julgamento, o que constitui a irregularidade prevista no artº 123º nº 2 do C.P.Penal; que a sentença padece dos vícios elencados no artº 410º, nº 2, als. a), b) e c) do mesmo Código; que deve ser revogada a decisão quanto ao pedido cível e, por fim, e sem prescindir, que a escolha de uma pena privativa de liberdade viola o preconizado no artº 70º do Código Penal.

*Entretanto, e com manifestação de interesse na sua apreciação, tinham já sido interpostos dois recursos interlocutórios, nos seguintes termos: No primeiro, o de fls. 1.072, os arguidos atacam a decisão de fls. 1004, que lhes indeferiu um requerimento para a audição das testemunhas de defesa sobre os factos que estavam relacionados com o objecto da acção criminal, concretamente sobre os contratos celebrados entre as partes das acções cíveis das quais o presente processo emerge e, em especial, sobre as questões do alvará, da celebração das escrituras públicas, das procurações e dos registos feitos na Conservatória do Registo Predial de Braga.

No segundo, de fls. 1.139, os arguidos reagem contra a decisão de fls. 1.061 lhes indeferiu o incidente da incompetência do Tribunal Judicial de Barcelos, ao abrigo de interpretação extensiva do disposto no artº 23º do C.P.Penal.

*FACTOS PROVADOS A decisão recorrida assentou na seguinte matéria de facto: Da acusação: Os arguidos, que são casados entre si, requereram na Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Braga providência cautelar não especificada, por apenso ao processo nº. 477/00-S que ali corre termos.

Produzida a prova, decidiu o Sr. Juiz de Círculo titular do processo, Dr. António..., julgar improcedente a providência cautelar requerida, assim a indeferindo, conforme decisão proferida a 13 de Fevereiro de 2001.

Descontentes com essa decisão, e não obstante terem dela interposto recurso, os arguidos, de comum acordo, com vista a ser instaurado procedimento criminal, redigiram e subscreveram uma participação criminal contra aquele senhor juiz – Sr. Dr. António... -, denúncia que deu entrada na Procuradoria da Republica de Braga no dia 11/9/2001, onde foi registada e autuada como inquérito e posteriormente transmitida à Procuradoria Geral Distrital do Porto.

Nessa denúncia, que consta de 78 folhas e 537 artigos, entre outras coisas, lê-se o seguinte: “Em 24-11-2000, foi pelos denunciantes requerida uma providência cautelar não especificada (...).

“Em 16-02-01, foram os denunciantes notificados de que o dito procedimento tinha sido julgado improcedente pelo Sr. Juiz da causa, António…, aqui denunciado.

“Tal decisão é susceptível de consubstanciar os delitos de DENEGAÇÃO DE JUSTIÇA (art. 369 do C.Penal), FAVORECIMENTO PESSOAL (artº. 368 do C. Penal), FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO (artº. 256 do C. Penal), AUXILIO MATERIAL (artº. 232 do C. Penal) e ABUSO DE PODER (artº. 382 do C. Penal). Com efeito, O Sr. Juiz, sistematicamente, baralha, deturpa ou ignora os factos alegados pelos denunciantes.” Fazendo considerações sobre o teor da decisão proferida, referem depois: “Ele (o Sr. Juiz) altera o sentido dos documentos e escamoteia o cerne da questão que assenta na destruição do Contrato de Urbanização de 26 de Maio de 1993 pelo 1º requerido, a quem os denunciantes tinham conferido um mandato representativo com o objectivo de permitir que ele cumprisse esse contrato”.

Pondo depois em causa a decisão, os arguidos passam a descrever os factos que foram alvo de apreciação na providência cautelar, impugnando na própria participação criminal o teor da decisão proferida, com o intuito de imputar ao Sr. Juiz Dr. António… os mencionados crimes.

Descrevem toda a matéria que foi alvo da apreciação pelo Sr. Juiz, discutindo-a e criticando-a, recorrendo de forma sistemática ao sublinhado e a letras maiúsculas para chamar a atenção para factos que, no seu entender, a decisão deveria levar em conta e que determinaria que fosse proferida decisão a favor dos requerentes, aqui arguidos.

Assim, pode ler-se nessa participação, entre outras as seguintes afirmações e expressões: “...não pode deixar de ser surpreendente que o Sr. Juiz tenha escamoteado a lesão efectivamente causada pelo 1º requerido. Com efeito, o valor dos quarenta e seis lotes que integram a urbanização é mais de dois milhões de contos e esse valor foi ilicitamente deslocado para a esfera jurídica do 1º requerido.” “O Sr. Juiz no uso dos poderes que constitucionalmente lhe foram cometidos pode escamotear esta realidade, alterando o alcance dos documentos assinados?” “Pelo contrário, o Sr. Juiz tem o dever “ex ofice”, de denunciar esses indícios de delitos ao M.P.” Mais à frente, pronunciando-se sobre “aquilo que o S. Juiz adjectiva de fundamentação”, afirmam ainda: “... tal constatação revela uma incapacidade de síntese e uma vontade de desviar o Tribunal, como ORGÃO DE SOBERANIA, da finalidade que lhe foi imposta pelos artºs. 202, 203 e 205, nº. 1, da Constituição”.

E mais à frente ainda: “Face ao disposto no artº. 4º do ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS, esta DECISÂO CONTRA DIREITO é ainda susceptível de constituir uma infracção disciplinar prevista no artº. 82”.

“Cabe ao Sr. Juiz julgar e aplicar o direito ao caso concreto e não dar cobertura e protecção às actividades delituosas de que tomou conhecimento no exercício das suas funções e por causa delas e que foram PROVADAS por documentos ou confissão, de alguns requeridos”.

“QUAL É A INTENÇÃO DO SR. JUIZ AO AFIRMAR CONTRA DIREITO QUE O CONTRATO DE 26 DE MAIO DE 1993 ESTÁ A SER CUMPRIDO PELOS REQUERIDOS” “PORQUE RAZÃO O SR. JUIZ TENTA DISSIMULAR QUE ESSE CONTRATO FOI DEFINITIVAMENTE REDUZIDO A CINZAS QUANDO FOI EMITIDO O ALVARÁ EM NOME DO 1º REQUERIDO?” “QUAL A RAZÃO PELA QUAL O SR. JUIZ NÃO APLICA A LEI E NÃO QUALIFICA DE FLAGRANTE VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NAS ALÍNEAS 7 E 8 DO ARTº. 32 DO D.L. 334/95 A DOAÇÃO DO TERRENO DE 34.532 M2 À CÂMARA?” “PORQUE MOTIVO AS ACTIVIDADES POUCO TRANSPARENTES DA REQUERIDA CÂMARA MUNICIPAL DE BRAGA E DO 1º REQUERIDO SÃO PELO SR. JUIZ ESCAMOTEADAS A PRETEXTO QUE ELAS «TÊM A CONCORDÂNCIA DOS PROPRIETÁRIOS DE RAIZ DO PRÉDIO EM QUESTÃO, REPRESENTATIVOS DE 61/64 QUANDO ESTES ANTERIORES COMPROPRIETÁRIOS TINHAM JÁ VENDIDO A QUOTA IDEAL DELES EM 20-5-96 E NADA MAIS TEM A DIZER DESDE ESSA DATA SOBRE ESSE TERRENO?” “O SR. JUIZ POR OUTRO LADO NÃO TERÁ DESCORTINADO QUE ESSA VENDA INTEGRA UMA NOTÓRIA BURLA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA, NA MEDIDA EM QUE O PRIMEIRO REQUERIDO PAGOU OITOCENTOS CONTOS (8%) DE IMPOSTO DE SISA CALCULADO SOBRE O PREÇO SIMULADO DE DEZ MIL CONTOS CONSTANTES NA ESCRITURA”.

Mais à frente, e tecendo considerações sobre o depoimento das testemunhas e o modo como foram apreciados pelo Sr. Juiz, escrevem os arguidos: “Face a estes esclarecimentos efectivamente prestados, o Sr. Juiz distorceu as declarações das testemunhas, atribuindo-lhes afirmações que elas não fizeram:” “Na verdade, as testemunhas dos denunciantes nem conhecem o contrato de 26 de Maio de 1993, nem se pronunciaram sobre ele, conforme se pode comprovar na gravação. ESTAS AFIIRMAÇÕES, INVENTADAS PELO SR. JUIZ, DESLOCARAM O FUNDO DO PLEITO DO SEU CENTRO”.

Prosseguem depois os arguidos: “Perante a desintegração, mais que comprovada, do contrato de 26 de Maio de 1993, e os indícios da prática, por parte de alguns requeridos, de ilícitos civis e penais, não pode o Sr. Juiz alterar o sentido dos documentos juntos aos autos principais de modo a branquear o colarinho deles”.

“Aquilo que, para os Denunciantes, constitui um ENORME...

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