Acórdão nº 1113/04-1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28 de Junho de 2004
Magistrado Responsável | FRANCISCO MARCOLINO |
Data da Resolução | 28 de Junho de 2004 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Nos autos de processo comum singular n.º 2964/01.8TAGMR, da 1ª Vara Mista de Guimarães, mediante acusação do Ministério Público, foi julgado o arguido L, pela prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137º, do Código Penal, em concurso efectivo com um crime de omissão de auxílio, p. e p. pelo artigo 200º, n.º 1 do C. Penal, e com um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação, p. e p. pelo artigo 3º n.º 2, do Dec Lei n.º 2/98, de 3/1.
O I.S.S.S./C.N.P. deduziu contra o arguido e o Fundo de Garantia Automóvel pedido de reembolso da quantia de €2.225,66, posteriormente ampliado para a quantia de €4.664,08.
Efectuado o julgamento foi proferida sentença, que assim decidiu: 1. Condenou o arguido na pena de (1) ano de prisão pela prática de um crime de homicídio negligente, p. e p. pelo artigo 137º, n.º 1 do C. penal; na pena de sete (7) meses de prisão pela prática de um crime de omissão de auxílio, p. e p. pelo artigo 200º, n.º 1 e 2 do C. Penal; e na pena de sete (7) meses de prisão pela prática de um crime condução sem carta, p. e p. pelo artigo 3º, n.º 1 e 2 do Dec Lei n.º 2/98, de 03/01. Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de um (1) ano e seis (6) meses de prisão, declarada suspensa na sua execução pelo período de três (3) anos.
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Julgou procedente o pedido de reembolso formulado pelo ISSS/CNP e, em consequência, condenou os demandados civis, solidariamente, a pagarem--lhe a quantia de €4.658,86 (quatro mil seiscentos e cinquenta e oito euros e oitenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora sobre esta quantia, à taxa legal de 7% ao ano, desde a notificação do pedido cível, até integral pagamento. Caso tal pagamento seja satisfeito pelo FGA, há que descontar a franquia legal de €299,28 (duzentos e noventa e nove euros e vinte e oito cêntimos), prevista no artigo 21º, n.º 3, do Dec Lei n.º 522/85, de 31/12.
Inconformado, o Fundo de Garantia Automóvel interpôs recurso, tendo extraído da sua motivação as seguintes conclusões: 1. Dada a matéria de facto assente, afigura-se-nos que a posição mais correcta seria a de considerar que a conduta de ambos os veículos concorreu para a verificação do acidente pois que, se se pode afirmar que o embate se não daria se o HJ se mantivesse a circular na sua metade direita da faixa de rodagem, juízo semelhante se pode formular em relação ao condutor do ciclomotor, caso ele circulasse o mais possível junto à berma da estrada.
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Sendo certo que não havia qualquer impedimento a que este circulasse junto à berma direita, atento o seu sentido de marcha.
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No entanto e na medida em que o HJ invadiu em parte a metade esquerda da faixa de rodagem, não poderá deixar de se considerar que a conduta do seu condutor é ligeiramente mais censurável que a do tripulante do ciclomotor e isto apesar de este dispor de espaço bem superior do que aquele de que dispunha o condutor do ligeiro.
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Destarte, será justo referir que as circunstâncias apuradas não autorizam que se formule um juízo de censura a propósito da conduta do arguido, em termos de o responsabilizar exclusivamente.
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Por tudo isso, entendemos que a proporção em que cada um deles contribui para a verificação do acidente deverá ser fixada em 60% para o condutor do HJ e 40% para o condutor do ciclomotor.
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Face ao que ficou dito, a decisão recorrida violou, neste particular, entre outros, os art.ºs 483º, 487º do Código Civil e os art.ºs 127º do CPP, 653º, n.º 2 do CPC, ex vi art.º 4º do CPP.
Não foi apresentada resposta.
Nesta Relação, o Ex.mo PGA emite douto parecer no sentido da manutenção da sentença recorrida.
Colhidos os vistos dos Ex.mos Adjuntos e efectuada a audiência com inteira observância do pertinente formalismo legal, cumpre apreciar e decidir.
O Tribunal a quo considerou provada a seguinte factualidade que, por não ter sido impugnada nem se verificarem os vícios do n.º 2 do art.º 410º do CPP, se tem por definitivamente assente: 1. No dia 8 de Setembro de 2001, pelas 20 h 15 m, na Rua …, o arguido tripulava o veículo ligeiro de passageiros de matrícula HJ, sem que fosse titular de carta de condução, ou de outro documento que o habilitasse a tripular tal veículo.
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Circulava no sentido Gémeos - Calvos.
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Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, F conduzia o ciclomotor de matrícula 1-GMR no sentido oposto, isto é, Calvos - Gémeos.
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O arguido conduzia o HJ sem a atenção e cuidados devidos.
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Por este motivo e, ainda, pelo facto de não se encontrar legalmente habilitado e preparado para o exercício da condução automóvel, o veículo conduzido pelo arguido ocupou a faixa de rodagem contrária num espaço necessariamente superior a 10 cm, indo embater violenta e frontalmente com a sua frente esquerda - na zona entre o farolim esquerdo e a parte central - no ciclomotor da vítima F.
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O embate ocorreu cerca de 10 cm dentro da faixa de rodagem correspondente ao ciclomotor.
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Deste acidente resultou, como consequência directa e necessária, a morte de F, a qual ficou a dever-se às lesões traumáticas torácicas e vertebro - medulares descritas no relatório de autópsia de fls. 16 e 17, cujo teor foi dado por reproduzido.
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O arguido podia e devia ter previsto que a forma por que conduzia o veículo sem a necessária habilitação e sem o dominar devidamente, invadindo a faixa de rodagem contrária, era apta a produzir a morte da vítima. No entanto, actuou sem se conformar com a possibilidade da produção de tal morte.
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O arguido tinha perfeito conhecimento de que não podia conduzir sem habilitação e, não obstante, quis agir como agiu, bem sabendo que a sua conduta era punível.
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Após o acidente, o arguido retirou-se do local sem prestar socorro à vítima.
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Tinha perfeito conhecimento da situação de perigo para a vida da vítima que criara e, não obstante, deixou de prestar ao sinistrado o auxílio necessário ao afastamento desse perigo, ou por acção pessoal, ou promovendo o seu socorro.
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O arguido confessou os factos provados e mostrou-se arrependido.
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Está desempregado, vivendo com o pai, que o sustenta.
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Tem o 4º ano do Ensino Básico.
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O arguido conduzia o HJ-, sem que este veículo fosse objecto de seguro de responsabilidade civil, nos termos da legislação em vigor.
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Foram requeridas no Centro Nacional de Pensões, pela viúva M, as respectivas prestações por morte, as quais foram deferidas.
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Em consequência, o ISSS/CNP pagou à referida M, a título de subsídio por morte e pensões de sobrevivência, no período de 10/2001 a 01/2003, a quantia total de €4.658,86, sendo o valor mensal actual da pensão de sobrevivência de €144,40.
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O ISSS/CNP continuará a pagar as pensões de sobrevivência à viúva do beneficiário enquanto esta se encontrar nas condições legais para o efeito.
E considerou que não se provaram quaisquer outros factos.
As conclusões da motivação balizam o objecto do recurso.
A única questão colocada à apreciação deste Tribunal é a de apurar se, face à matéria de facto provada, a culpa na produção do acidente é exclusiva do arguido, como se decidiu na sentença recorrida ou se, pelo contrário, a conduta da vítima, ao circular próximo do eixo da via, concorreu para a sua produção.
Ou, dito por outras palavras: se a vítima cometeu uma qualquer contraordenação causal do acidente.
Importa, para resolver a questão, passar em revista a teoria da causalidade adequada.
Para tanto, socorrer-nos-emos da lição do Prof. Antunes Varela.
E, para melhor compreensão, fá-lo-emos nas duas vertentes: a relativa ao facto gerador do evento e a relativa aos danos e sua extensão, se bem que, numa segunda fase, nos centremos apenas no facto já que nos autos não se discutem os danos.
Pois bem: A este respeito escreveu o Prof. Varela in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 8ª ed., pg. 897 e segs.: “246.
O problema da causalidade: 1) A causa como condição sine qua non (teoria da equivalência das condições). A experiência da vida e a simples reflexão do jurista sobre a realidade das coisas ensinam que no processo causal conducente a qualquer dano, como na verificação de qualquer outro facto, concorrem no geral múltiplas circunstâncias.
Se o automobilista atropelou mortalmente o peão, a morte deste pode ter resultado, não apenas do acto de imperícia do condutor, mas também da constituição débil da vítima, da natureza do pavimento sobre o qual esta foi projectada, da demora do seu transporte para o hospital, da falta de meios ade-quados de tratamento, da pouca prática do cirurgião, que ope-rou, etc.
… Ora, se no conceito de causa do dano fosse incluído todo o conjunto de circunstâncias que concretamente interferem no respectivo processo causal, muito poucas vezes por certo o não-cumprimento do devedor ou o facto ilícito culposo praticado pelo agente poderia ser considerado como causa de danos que ninguém duvida por a seu cargo, na obrigação de indemnizar.
Daí que os autores procurem distinguir, no acervo de circunstâncias que concorrem para a produção do dano, entre aquelas sem cujo concurso o dano se não teria verificado e as outras, que também contribuíram para o mesmo evento, mas cuja falta não teria obstado à sua verificação.
As primeiras constituem, cada uma delas de per si, verdadeira condição s.
q. n. do dano. Embora...
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