Acórdão nº 1011/04-1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 31 de Maio de 2004

Magistrado ResponsávelFRANCISCO MARCOLINO
Data da Resolução31 de Maio de 2004
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Nos autos de processo comum singular n.º 529/02.6GTBRG, do 2º Juízo Criminal de Guimarães, foi pronunciado o arguido "A", casado, operário têxtil, nascido a 01/07/1943, natural da freguesia de ..., Vila Nova de Famalicão, filho de Francisco ... e de Francisca ..., residente na Rua ..., Vila Nova de Famalicão, pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio por negligência previsto e punido pelo art.º 137º, n.º 1 do Código Penal, em concurso com as contra-ordenações previstas e puníveis pelos artigos 21º e 23º, al. a) do Decreto Regulamentar n.º 22-A/98 de 01/10, bem como pelo art.º 146º, alínea e) do Código da Estrada.

"B" e mulher, residentes no Lugar da ..., Amares, deduziram pedido de indemnização cível contra "C" - C.ª de Seguros S.A., com sede na Avenida ..., em Lisboa, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia global de 174.500€ (cento e setenta e quatro mil e quinhentos euros), pelos danos morais e patrimoniais sofridos pelos demandantes, quantia a que devem acrescer os respectivos juros de mora, contabilizados à taxa legal, a partir da citação do pedido cível formulado.

Solicitam, ainda, a condenação da demandada no pagamento do montante que vier a liquidar-se em execução de sentença, relativo aos danos patrimoniais e não patrimoniais suportados pela demandante mulher, dado que, à data da entrada do pedido cível, ainda se encontrava doente e sob permanente vigilância médica.

O Instituto de Solidariedade e Segurança Social (legal sucessor do Centro Nacional de Pensões, ex vi o disposto no n.º 1 do art.º 2.º do DL n.º 316 – A/00 de 07/12), deduziu pedido de reembolso contra a Seguradora pelo montante de €897,84 (oitocentos e noventa e sete euros e oitenta e quatro cêntimos).

Contestou a demandada "C" - Companhia de Seguros S.A., dizendo aguardar a prova a produzir em audiência de julgamento quanto à culpa; e impugnando os danos alegados, que reputou de exagerados.

Efectuado o julgamento foi proferida sentença, que assim decidiu: 1. Julgou a acusação procedente por provada e, em consequência, condenou o arguido, como autor material de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo art.º 137.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 12 (doze) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos; e condenou-o na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 6 (seis) meses; 2. Julgou o pedido cível deduzido por "B" e mulher, parcialmente procedente, por parcialmente provado e, em consequência, condenou a demandada "C" - Companhia de Seguros, S.A. no pagamento aos demandantes da quantia global de €87.720 (fls. 318), acrescida dos respectivos juros, à taxa legal, a contar desde a notificação do pedido cível, no caso dos danos patrimoniais, e desde a notificação da sentença, no caso dos danos não patrimoniais, sempre até efectivo e integral pagamento.

Inconformados, os demandantes cíveis interpuseram recurso, tendo extraído da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1. O grau de culpa é elevado, já que, como refere a sentença recorrida, o motociclo em que seguia o Paulo ... era visível desse local e o arguido não reparou nele e prosseguiu a sua marcha.

  1. A situação económica dos demandantes/lesados é precária, já que, como refere a decisão recorrida, o demandante pai é uma pessoa doente, em vias de reforma por motivo de doença, e a mãe é doméstica.

  2. O falecido tinha 27 anos de idade e era um jovem saudável e activo e o direito à vida foi-lhe retirado quando vivia ainda a cerca de 1/3 da esperança normal de vida.

  3. Por isso, a indemnização pelo direito à vida deve ser a peticionada de 50.000,00 Euros.

  4. O condutor e motociclo foram projectados contra a paragem de autocarros ali existente, construída em betão armado.

  5. O Paulo ...e faleceu cerca de 10 minutos após o embate.

  6. Antes de falecer respirava com enorme dificuldade, ainda estava vivo, ainda respirava, com dificuldade, procurava falar, procurava reagir, tinha reacções.

  7. É a agonia, a ânsia o som cavo dos moribundos, a última luta contra a morte.

  8. Isto é dor física, assim como dor psicológica da pessoa que representa a antevisão da inelutável morte.

  9. Por isso, ao contrário da decisão recorrida que declara estar o falecido aparentemente inconsciente, coisa que nenhuma testemunha referiu, os factos acima referidos pelas testemunhas e até pela própria decisão, consubstanciam dano moral que não pode ser ressarcido com indemnização inferior à peticionada.

  10. O demandante é uma pessoa doente, em vias de reforma por motivo de doença, sendo a demandante doméstica.

  11. O Paulo ... entregava aos demandantes, para auxílio do sustento do seu agregado familiar, cerca de 400,00 Euros por mês.

  12. O Paulo não namorava, nunca namorou, ia continuar a viver com os pais pelos anos adiante, dizia ia ficar com os pais, que não se casava e se um dia viesse a casar, ia ficar com os pais, nunca se lhe viu uma namorada, ia ajudar os pais pela vida fora.

  13. Tais factos, que não foram, de modo algum, postos em causa, impunham ao Tribunal a fixação de uma indemnização como a peticionada, um vez que o falecido, mesmo que viesse a casar-se, ia, com referia, ajudar os pais pela vida fora.

  14. Desde a morte de seu filho, a demandante passou a necessitar de acompanhamento psicológico e permanente vigilância médica - 45 -, o que implica despesas acrescidas em despesas médicas periódicas e medicamentos.

  15. Estes danos foram relegados - no pedido cível - pelos demandantes/ recorrentes, para liquidação em execução de sentença.

  16. A decisão recorrida não condenou a demandante no pagamento dos danos morais e patrimoniais que a recorrente mulher continua a sofrer, a liquidar em execução de sentença.

  17. A decisão recorrida violou o disposto nos art.ºs 483º, 494º, 495º, 496º e 562º, todos do Código Civil e 659º do Cód. Proc. Civil.

    Não foi apresentada resposta.

    O Ex.mo PGA não emitiu parecer por carecer de legitimidade.

    Colhidos os vistos dos Ex.mos Adjuntos e efectuada a audiência com inteira observância do pertinente formalismo legal, cumpre apreciar e decidir.

    O Tribunal a quo considerou provada a seguinte factualidade: 1. No dia 27/10/2002, cerca das 15 horas e 45 minutos, o arguido "A", conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula ...-SO, na estrada municipal n.º 569, no sentido Pinheiro do Bicho/Figueiredo – Estrada Nacional n.º 101.

  18. Nas circunstâncias de tempo supra referidas no ponto 1, Paulo ... conduzia o motociclo, matrícula ...– PP, na Estrada Nacional n.º 101, no sentido Guimarães – Braga.

  19. Atento o sentido de marcha do veículo conduzido pelo arguido, a via descreve uma recta até ao entroncamento com a Estrada Nacional n.º 101, estando sinalizada com os seguintes sinais: · Sinal B1 – Perigo, cedência de passagem; · Sinal D b3 – Obrigação de contornar a placa ou obstáculo; · Sinal B2 “STOP” – paragem obrigatória em cruzamento ou entroncamento.

  20. Nesse entroncamento, para quem está colocado na posição do arguido, existe do lado direito, um muro de vedação de uma propriedade.

  21. A Estrada Nacional n.º 101, no Lugar da Granja, freguesia de Esporões, Braga, ao Km 95,450, considerado o sentido Guimarães- Braga, descreve uma curva para a direita seguida de uma recta, que permite avistar a faixa de rodagem em toda a sua largura, numa extensão de cerca de 500 metros.

  22. Nessa recta, sensivelmente a meio, entronca a estrada municipal n.º 569, e na sua primeira metade, a via apresenta um ligeiro declive descendente, atento o mesmo sentido Guimarães - Braga.

  23. A Estrada Nacional n.º 101 tem a largura de 7,10 metros, sem bermas, sendo as duas hemifaixas de rodagem separadas por uma linha longitudinal contínua e descontínua a cerca de 10 metros transposto o referido entroncamento.

  24. A velocidade máxima no local está limitada a 50 Km/hora, conforme sinalização vertical aí existente – Sinal C13.

  25. Existindo também o sinal B8 – Sinal de perigo, assinalando cruzamento com via sem prioridade.

  26. O Paulo ... conduzia o motociclo a uma velocidade de cerca de 70 Km/hora.

  27. Antes de chegar ao entroncamento já supra mencionado, o Paulo... efectuou algumas manobras de ultrapassagem de outros veículos que circulavam à sua frente, para o que conduziu na hemi-faixa esquerda de rodagem, atento o seu sentido de marcha, após o que retomou a hemi-faixa de rodagem da direita, atento o mesmo sentido, ainda antes de alcançar o dito entroncamento.

  28. O arguido pretendia mudar de direcção para a esquerda – atento o seu sentido de marcha - a fim de passar a circular na Estrada Nacional n.º 101.

  29. Para tanto, ao chegar ao entroncamento supra referido no ponto 3, imobilizou o seu veículo junto do sinal de STOP (B2) aí existente.

  30. Contudo, apesar do motociclo em que seguia o Paulo ... ser visível desse local, o arguido não reparou nele e prosseguiu a sua marcha, para mudar de direcção à sua esquerda.

  31. E, quando a frente do seu veículo já tinha passado a linha delimitadora das hemi-faixas de rodagem da Estrada Nacional n.º 101, o arguido embateu na zona do guarda-lamas da roda dianteira do motociclo do Paulo ... com a parte lateral direita do seu veículo.

  32. O arguido sabia que o sinal de STOP, colocado na proximidade imediata da intersecção aludida, implicava paragem obrigatória antes de entrar no entroncamento e cedência de passagem a todos os veículos que transitassem na via em que pretendia entrar e, não obstante, agiu da forma descrita supra.

  33. Assim originando o embate do veículo que conduzia no motociclo...

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