Acórdão nº 1680/03-2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 29 de Março de 2004

Magistrado ResponsávelMARIA AUGUSTA
Data da Resolução29 de Março de 2004
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em audiência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: No Processo Comum Colectivo nº.../02 do Tribunal Judicial da Comarca de Fafe, por acórdão datado de 12/06/03, foram os arguidos "A" e "B", ambos identificados a fls.733, absolvidos dos crimes de que eram acusados e o arguido "C", id. a fls.733, condenado: § pela prática de quatro crimes de roubo, p. e p. pelo artº210º nº1 do C.P., na pena de 2 anos de prisão por cada um deles; § pela prática de um crime de coacção, na forma tentada, p. e p. pelos artºs155º nº1 al.a), 23º nº2 e 73º nºs 1 als.a) e b) do C.P., na pena de 7 meses de prisão.

Em cúmulo, foi condenado na pena única de 4 anos e 2 meses de prisão.

Inconformado, o arguido "C" interpôs recurso no decurso da audiência, no qual, segundo refere (artº412º nº5 do C.P.P.), continua a manter interesse.

Interpôs também recurso da decisão final.

Termina a motivação do primeiro com as seguintes conclusões, que se transcrevem: “1ª - A falta de pronúncia do Ministério Público relativamente ao requerimento do arguido invocando a nulidade da utilização dos fotogramas como meio de prova, constitui nulidade insanável prevista no art. 119°, alínea b) do Código de Processo Penal.

  1. - O despacho recorrido deve ser declarado nulo, em virtude do prescrito no art. 379°, n.o 1, alínea c), uma vez que se impunha que o Tribunal se pronunciasse imediatamente sobre a requerida nulidade do meio de prova. Porquanto, se tal prova é nula e ilegal, não poderiam as testemunhas ser confrontadas com a mesma, sob pena de o seu depoimento ser totalmente subvertido por urna prova que não poderia ser usada em audiência de julgamento.

  2. - Os fotogramas constantes dos autos constituem prova ilegal que não pode ser valorada pelo Tribunal, nem as testemunhas devem ser confrontadas com a mesma; 4ª - De facto, tal prova foi recolhida sem o consentimento quer do arguido quer das demais pessoas que nesses fotogramas se apresentam e em clara intromissão na vida privada do arguido e dessas pessoas; 5ª - Os postos de abastecimento de combustíveis não são locais públicos, mas sim locais abertos ao público, pelo que o que dentro dos mesmos se passa pertence ao foro íntimo e à vida privada de cada um; 6ª - Tal prova só poderia ser valorada se fosse lícita em face da lei penal, considerando-se como tal quer a lei substantiva, quer a lei adjectiva. No entanto, a recolha de tal prova pode ser considerada como uma conduta típica criminosa, porquanto, nos dizeres do artº 199° nº2 do Código Penal, é punido quem contra a vontade do titular do direito fotografar ou filmar pessoa, utilizar ou permitir que se utilizem tais fotografias e filmes ainda que licitamente obtidos, pelo que a incriminação penal, ainda que se considere que tais provas foram licitamente obtidas, mantém-se.

  3. - Além disso, a recolha de tal prova só seria permitida se se encontrassem preenchidas as formalidades prescritas no artº 188° do Código de Processo Penal, ou seja, deveria ter sido autorizada ou ordenada pelo juiz e lavrado auto que, em conjunto com os ditos fotogramas, fosse levado imediatamente ao conhecimento do mesmo para que este aquilatasse se tal prova seria relevante (cfr. o artº188° nº1 e 3 do Código de Processo Penal).

  4. - Com efeito, se o legislador entendesse que tal prova deveria ser admitida sem quaisquer formalidades na sua recolha -como o foi no âmbito destes autos - tê-lo-ia consagrado em forma de lei. No entanto, apesar de a Lei 5/02 de 11 de Janeiro se referir a gravações de som e imagem para os crimes de o tráfico de estupefacientes, o terrorismo e organização terrorista, o tráfico de armas, a corrupção passiva e o peculato, o branqueamento de capitais, a associação criminosa, o contrabando, o tráfico e viciação de veículos furtados, o lenocínio e o tráfico de menores, a contrafacção de moeda e títulos equiparados e os crimes previstos na Lei 36/94 de 29 de Setembro, não se aplica ao crime de roubo. Sendo que, só no caso de existir investigação quanto a esses crimes é admitida tal meio de prova recolhido sem o consentimento do visado.

  5. - Ainda que se entendesse que tal prova seria admitida pelo disposto no artº 12° do D.L. 231/98 teriam de estar reunidos os pressupostos aí previstos, ou seja, só as entidades que prestem serviços de segurança podem utilizar equipamentos de vigilância e controlo, sendo que tais gravações só devem ser guardadas pelo prazo de 30 dias, usadas nos termos da lei penal, tendo o estabelecimento de ostentar um aviso com os dizeres previstos no nº3 do mesmo normativo, sendo que se ignora se tais requisitos se acham cumpridos.

  6. - De qualquer forma, seria tal recolha de prova nula por não cumprir os requisitos previstos na lei penal (cfr. o artº188° do Código de Processo Penal), sendo que a matéria restritiva de direitos, liberdades e garantias é da exclusiva competência da Assembleia da República, pelo que mesmo que se entendesse que tal meio de prova seria admissível perante tal Decreto-Lei, o Tribunal teria de desaplicar as suas normas por ocorrer inconstitucionalidade orgânica (cfr. os artºs 165° nº1 al. b), 198° al. b) e 204° da Constituição da República Portuguesa.

  7. - As testemunhas inquiridas e confrontadas com os fotogramas dados aos autos têm, ou alegam ter, conhecimento directo dos factos, pelo que ao serem confrontadas com os aludidos fotogramas e com os arguidos na audiência de julgamento, o depoimento das mesmas poderá ser subvertido e parcial em relação ao que dizem ter visto, pelo que se acha violado o artº 138° nº2 do Código de Processo Penal.

  8. - Assim, deve considerar-se a recolha de tal prova, a prova em si e a sua apresentação em juízo nula e ilegal, violando o despacho recorrido o disposto nos artºs 12° do D.L. 231/98 de 22 de Julho, no artº99° nº2 do Código Penal, nos artºs 119° al. b),125°, 126° nº3, 138° nº2, 167°, 188°, 189° e 379° al. c) do Código de Processo Penal, nos artºs 18° nº2 e 3, 26° nºl, 32° n° 8, 165° nºl al. b) e 204° da Constituição da República Portuguesa.” No recurso da decisão final conclui a sua motivação pela seguinte forma, que se transcreve: “1ª - Os fotogramas constantes dos autos relativos aos factos ocorridos no posto de abastecimento de combustível da "..." sito em Fafe constituem prova ilegal que não podia ser valorada pelo Tribunal, nem as testemunhas deveriam ter sido confrontadas com a mesma; 2ª - De facto, tal prova foi recolhida sem o consentimento quer do arguido quer das demais pessoas que nesses fotogramas se apresentam e em clara intromissão na vida privada do arguido e dessas pessoas; 3ª - Os postos de abastecimento de combustíveis não são locais públicos, mas sim locais abertos ao público, pelo que o que dentro dos mesmos se passa pertence ao foro íntimo e à vida privada de cada um; 4ª - Tal prova só poderia ser valorada se fosse lícita em face da lei penal, considerando-se como tal quer a lei substantiva, quer a lei adjectiva. No entanto, a recolha de tal prova pode ser considerada como uma conduta típica criminosa, porquanto, nos dizeres do artº 199° nº2 do Código Penal, é punido quem contra a vontade do titular do direito fotografar ou filmar pessoa, utilizar ou permitir que se utilizem tais fotografias e filmes ainda que licitamente obtidos, pelo que a incriminação penal, ainda que se considere que tais provas foram licitamente obtidas, mantém-se.

  9. - Não se obtempere em desfavor de tal tese dizendo-se que tal prova é permitida, nos termos do art.º79° do Código Civil, porquanto não se deve considerar que um posto de abastecimento de combustível é um local público, desde logo, porque o mesmo é propriedade de um particular e esta, para efeito do seu comércio, aberto ao público consumidor, o que não o torna num local público.

  10. - Além disso, não incumbe ao tribunal a quo aquilatar da ocorrência de qualquer causa de exclusão da ilicitude de tal prova, pois que tal ilicitude deve ser aferida em abstracto, só se podendo concluir da licitude de tal prova se se houvesse organizado um inquérito criminal e fosse produzida prova que levasse a considerar tal meio se prova como lícito.

  11. - A recolha de tal prova só seria permitida se se encontrassem preenchidas as formalidades prescritas no artº 188° do Código de Processo Penal, ou seja, deveria ter sido autorizada ou ordenada pelo juiz e lavrado auto que, em conjunto com os ditos fotogramas, fosse levado imediatamente ao conhecimento do mesmo para que este aquilatasse se tal prova seria relevante (cfr .o artº188° nº1 e 3 do Código de Processo Penal).

  12. - Com efeito, se o legislador entendesse que tal prova deveria ser admitida sem quaisquer formalidades na sua recolha -como o foi no âmbito destes autos - tê-lo-ia consagrado em forma de lei. No entanto, apesar de a Lei 5/02 de 11 de Janeiro se referir a gravações de som e imagem para os crimes de o tráfico de estupefacientes, o terrorismo e organização terrorista, o tráfico de armas, a corrupção passiva e o peculato, o branqueamento de capitais, a associação criminosa, o contrabando, o tráfico e viciação de veículos furtados, o lenocínio e o tráfico de menores, a contrafacção de moeda e títulos equiparados e os crimes previstos na Lei 36/94 de 29 de Setembro, não se aplica ao crime de roubo. Sendo que, só no caso de existir investigação quanto a esses crimes é admitida tal meio de prova recolhido sem o consentimento do visado.

  13. - Ainda que se entendesse que tal prova seria admitida pelo disposto no artº 12° do D.L. 231/98 teriam de estar reunidos os pressupostos aí previstos, ou seja, só as entidades que prestem serviços de segurança podem utilizar equipamentos de vigilância e controlo, sendo que tais gravações só devem ser guardadas pelo prazo de 30 dias, usadas nos termos da lei penal, tendo o estabelecimento de ostentar um aviso com os dizeres previstos no nº3 do mesmo normativo, sendo que se ignora se tais requisitos se acham cumpridos.

  14. - De qualquer forma, seria tal recolha de prova nula por não cumprir os requisitos previstos na lei...

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