Acórdão nº 1474/05-3 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelMARIA ALEXANDRA SANTOS
Data da Resolução22 de Março de 2007
EmissorTribunal da Relação de Évora

* PROCESSO Nº 1474/05 ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA O DIGNO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, junto do Tribunal Judicial da Comarca de …, intentou contra "A", a presente acção declarativa com processo ordinário, pedindo que seja: A - Declarada a anulabilidade do acto de divisão e fraccionamento consubstanciado na escritura de divisão de 16/10/97 do prédio denominado "…", sito no …, freguesia da …, concelho de …, com todas as consequências legais daí decorrentes; B - Declarada a anulabilidade dos negócios jurídicos de compra e venda dos imóveis (novos prédios) eventualmente realizados, com todas as consequências; C - Ordenado o cancelamento dos registos das parcelas resultantes da divisão e que deram origem aos novos prédios rústicos descritos na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 03865/100190.

Alegou para tanto e em síntese, que o fraccionamento efectuado é ilegal porque teve como pressuposto estarmos perante um terreno hortícola, o que não sucede. Mas, mesmo que esse terreno fosse hortícola, as parcelas resultantes do fraccionamento teriam que ter uma área mínima de 1 ha, de acordo com a área de cultura resultante da aplicação dos valores da RAN pelo que, nesse fraccionamento, violou-se o art° 1376 nº 1 do C. C., ou seja, a unidade de cultura aplicável. Por outro lado, tratando-se de prédio encravado, o fraccionamento não era permitido nos termos do seu nº 2. Por outro lado ainda, a escritura de fraccionamento viola o art° 20° n° 1 al. c) do DL 384/88 de 25/10, porquanto os prédios resultantes da divisão não têm viabilidade económica, já que nunca produzirão rendimento líquido superior a 40.000$00/mês ou 480.000$00/ano.

Citada, contestou a Ré alegando que do fraccionamento não resultou o encrave do prédio, pois o prédio inicial estava cativo de uma servidão e após o fraccionamento, dois dos novos prédios ficaram servientes de outro não pertencente à Ré. O fraccionamento tinha como objectivo possibilitar uma exploração mais intensiva. O actual regime jurídico do emparcelamento e fraccionamento só visa impedir a divisão em substância de prédio rústico se daí resultarem explorações agrícolas economicamente inviáveis. No caso dos autos o fraccionamento visava a exploração para substituir terreno, antes ao abandono, por não compensar economicamente a sua exploração. Tem requerido e efectuado captação de águas e tem semeado espécies agrícolas.

Foi proferido o despacho saneador e seleccionados os factos assentes e controvertidos com organização da base instrutória, sem reclamação.

Realizada a audiência de julgamento, o tribunal respondeu à matéria de facto pela forma constante de fls. 362/368, também sem reclamação.

Foi por fim proferida a sentença de fls. 379 e segs. que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido.

Inconformado, apelou o Magistrado do Ministérios Público, nos termos constantes de fls. 416 e segs, onde, além do mais, impugnou a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, terminando pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que julgue a acção procedente.

Apresentadas as contra-alegações e remetido o processo a esta instância, foi proferido o acórdão de fls. 468 e segs. que julgando improcedente a apelação confirmou a sentença recorrida.

De novo inconformado, interpôs o Magistrado do Ministério Público recurso de revista para o STJ, alegando nos termos de fls. 487/530 e concluindo dever aquele Tribunal: - declarar verificada a nulidade do art° 201° do CPC e determinar a anulação do julgamento e de todos os termos subsequentes que dele dependem, nos termos do art° 201 n° 2 do mesmo diploma; - mandar repetir o julgamento desta Relação de Évora para que, efectuada tal reapreciação, seja fixada definitivamente a matéria de facto.

Apresentada a resposta de fls. 532 e segs., e remetido o processo ao STJ, foi neste Tribunal proferido o acórdão de fls. 553 e segs. onde, concedendo revista, foi decidido anular o acórdão recorrido e determinar a baixa dos autos a esta Relação, a fim de se fazer a reforma da decisão anulada, nos termos do nº 2 do art° 731 ° do CPC.

*Remetido o processo a esta Relação foi dada vista dos autos, por cinco dias, aos Exmºs Desembargadores Adjuntos, cumprindo agora apreciar e decidir, de acordo com o determinado pelo STJ, o recurso interposto pelo M.P. da sentença proferida na 1ª instância, desde logo, quanto à impugnação da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto.

Delimitando-se o âmbito dos recursos pelas conclusões da alegação do recorrente, abrangendo apenas as questões aí contidas (art°s 684 nº 3 e 690 nº 1 do CPC), impõe-se conhecer desde já a respectiva formulação que é do seguinte teor: Violação da área mínima da cultura A - Consta da escritura de fraccionamento, lavrado em 16/10/1997, que o prédio objecto deste processo é "destinado a cultura arvense de regadio com destino hortícola", isto é, a Ré declarou perante um oficial público que no terreno se praticavam culturas arvenses de regadio e que era sua intenção, no futuro, ali cultivar hortaliças, desejo que nunca concretizou.

B - A Ré confessa de forma clara e inequívoca na sua contestação que, na data do fraccionamento, não explorava horta no prédio e que se encontrava quase todo ao abandono por não compensar economicamente a sua exploração com culturas ditas extensivas - V.g. art°s 36 e 37.

Poderá dizer-se que a Ré confessa que o terreno não era cultivado e quando o era apenas o era com culturas de sequeiro.

Estas confissões não poderão passar em claro e terão, segundo cremos, consequências a nível da procedência do pedido - art° 659° nº 3 do CPC.

C - O depoimento da testemunha …, que esteve no prédio em 1997 em missão de fiscalização, é muito esclarecedor quanto à utilização cultural dada ao prédio.

Esta testemunha afirma que no local, para além da casa, só viu árvores, terra sem nada, pasto e uma área verde sensivelmente igual ao dobro da área da sala de audiências, isto é, uma área inferior a 100 m2 - v.g. o seu depoimento gravado de voltas 327 a 1002 do lado B, da cassete 1.

D - Do relatório da perícia, junto a fls. 157 e segs., elaborado em Abril de 2002, resulta que as couves, ervilhas e favas ali existentes nos prédios 261 e 262 tinham um deficiente aspecto vegetativo; que no prédio 263 havia 34 oliveiras dispersas e pasto natural; que no prédio 264 havia cerca de 140 árvores, sendo que 70 eram oliveiras.

E - O deficiente aspecto vegetativo das espécies hortícolas impressionou os senhores peritos.

Não basta semear essas espécies em qualquer lugar para que o terreno possa ser automaticamente considerado hortícola. Importa também que, além de semear, o terreno permita o crescimento e a colheita dessas culturas sem uma intervenção extraordinária do homem.

F - Sem ignorar que o critério legal da classificação dos terrenos assenta na efectiva ocupação cultural, não poderemos esquecer que o quase deserto alentejano, sem uma intervenção extraordinária do homem, não poderá transformar-se numa horta.

G - Creio que os meios de prova produzidos e disponíveis impunham decisão diferente sobre a matéria de facto.

Na realidade, parece-nos, salvo o devido respeito, que o Tribunal "a quo" fez uma incorrecta apreciação da prova, isto é, deveria ter considerado que nos prédios em causa não se cultivavam, no momento da escritura de fraccionamento nem posteriormente, de forma exclusiva ou predominantemente, produtos hortícolas.

Os meios de prova impunham uma decisão no sentido de que os prédios 261 e 262 se encontravam incultos - (é que couves, ervilhas ou favas com deficiente aspecto vegetativo é o mesmo que nada) e que o prédio 263 tinha árvores e pasto e o 264 apenas árvores.

H - Assim, a decisão consentânea com a realidade só poderá ser de que os prédios 261 e 262 são de sequeiro e o 263 e 264 são arvenses, isto é, para aqueles a área mínima de cultura seriam 7,5 hectares e para estes 2,5 hectares Portaria 202/70 de 21/04.

I - Esse Venerando Tribunal fazendo uso do que se dispõe no art° 712° nº 2 do CPC poderá/deverá, apreciando a mesma matéria, alterar a decisão da 1ª instância, fazendo-o sempre dentro do princípio da livre apreciação da prova, que ambas as instâncias deverão observar.

No caso concreto, verifica-se uma flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e a decisão sobre a matéria de facto, desconformidade que se pede seja colmatada.

Impunha-se, segundo cremos, fosse dada resposta cabalmente positiva aos quesitos 3°,4° e 16° e negativa aos quesitos 23° e 25°.

Viabilidade económica dos novos prédios: J - Os senhores peritos concluíram, por unanimidade, que "são os encargos do capital fundiário que, de facto, inviabilizam economicamente estas unidades" .

Cremos que se poderá dizer que os senhores peritos, por unanimidade, concluíram pela inviabilidade económica dos prédios resultantes da divisão.

K - O Tribunal "a quo", aceitando embora a opinião dos senhores peritos, entende que não ficou demonstrada a viabilidade técnico-económica do primitivo prédio tal como o exige o art° 20° n° 1 al. c) do D.L. 348/88 de 25/10. A interpretação que é feita do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT