Acórdão nº 866/06-1 de Tribunal da Relação de Évora, 15 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelPIRES DA GRAÇA
Data da Resolução15 de Junho de 2006
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Relação de ÉvoraINos autos de recurso independente e em separado com o nº … do 2º Juízo Criminal da comarca de …, recorreu o Ministério Público da decisão que ao abrigo do artigo 55º al. a) do C.Penal aplicou ao arguido N, uma solene advertência, concluindo: 1) - O arguido N foi condenado por acórdão exarado no âmbito dos presentes autos , transitado em julgado, pela prática, em concurso real, de dois crimes de roubo, p. e p. pelo art. 210° do C.Penal , e um crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo art 40° , n° 1 do D.L. 15/93 , de 22.01 , na pena única de vinte meses de prisão e quinze dias de multa a 1.000$00 por dia, no total de 15.000$00 , as quais foram declaradas suspensas na sua execução pelo período de três anos.

2) - O referido acórdão foi depositado na secretaria do Tribunal de … no dia 24.08.1998.

3) - Por acórdão datado de 12.07.1999 , transitado em julgado, exarado no âmbito dos autos de Processo Comum Colectivo n° … que correm termos no 2° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de …, foi o referido arguido condenado, por factos ocorridos em 24.08.1999 , pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25° , alínea a) do D.L. 15/93 , de 22.01 , na pena de vinte meses de prisão, a qual foi declarada suspensa na sua execução pelo período de dois anos.

4) - Por decisão datada de 01.10.2003 , transitada em julgado, tal suspensão foi revogada e determinado que o arguido cumprisse a pena de vinte meses de prisão a que tinha sido condenado.

5) - Por acórdão datado de 01.03.2002 , transitado em julgado, exarado no âmbito dos autos de Processo Comum Colectivo n° …, que correm termos na 1 a Secção da 1 a Vara do Tribunal Criminal de …, foi a mencionado arguido condenado, por factos ocorridos em Junho de 2001 , pela prática de 3 crimes de roubo consumado e um crime de roubo tentado , na pena única de seis anos de prisão efectiva.

6) - Verifica-se , assim, que o aludido arguido praticou crimes no decurso do período de suspensão da execução da pena, pelos quais já foi julgado e condenado por decisão transitada em julgado.

7) - Sucede, porém, que a condenação pela prática de um crime no decurso do período de suspensão da execução da pena só implica a revogação dessa suspensão se a prática desse crime infirmar definitivamente o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão , quer dizer, a esperança fundada de que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição ( neste sentido, Jorge de Figueiredo Dias. Direito Penal Português , As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas , pág. 357 e art . 56° , n° 1 do C.Penal ).

8) - A prática de um crime só deve constituir causa de revogação da suspensão quando por ela se demonstre que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão daquela suspensão.

9) - No caso vertente, para ajudar a aferir tal desiderato , solicitou-se ao Instituto de Reinserção Social a elaboração de relatório sobre as condições económicas e sociais do arguido e procedeu-se à sua audição.

10) Das diligências realizadas apurou-se que toxicodependência do arguido impulsionou-o a praticar os diversos crimes pelos quais foi condenado, existindo , neste momento, um sério esforço da sua parte em libertar-se da dependência da droga e preparar a sua futura integração na sociedade.

11) - Apurou-se ainda que o arguido está actualmente a cumprir a pena de seis anos de prisão a que foi condenado no âmbito dos autos de Processo Comum Colectivo n° …, retomou o contacto com a sua família e tem mantido um comportamento exemplar dentro do Estabelecimento Prisional.

12) - Não obstante tais elementos, julgamos que a finalidade que esteve na base da decisão que suspendeu a pena de prisão ao arguido nestes autos foi, totalmente, frustada.

13) - Com efeito, não podemos olvidar que o arguido praticou, no decurso do período de suspensão, quatro novos crimes de roubo.

14) - Importa igualmente não esquecer que, poucos dias volvidos sobre a condenação nestes autos ( para ser mais preciso, no próprio dia em que foi depositado o acórdão condenatório), o arguido praticou logo um outro crime pelo qual viria a ser condenado no âmbito dos citados autos ….

15) - Embora não tenha sido praticado no decurso do período de suspensão da pena, esta condenação constitui mais um elemento que auxilia a infirmar definitivamente o juízo de prognose que esteve na base da suspensão.

16) - A inflexão actual do comportamento do arguido não pode ser valorada para aferir se as finalidades que estiveram na base da suspensão da pena foram ou não alcançadas , como fez a Mma Juiz .. a quo .. no despacho ora recorrido.

17) - Tal inflexão é fruto da sua condenação no âmbito daqueles referidos autos … e não da suspensão da execução da pena a que foi condenado nestes autos.

18) - Na verdade, só agora, ao ser condenado a cumprir pena de seis anos de prisão efectiva, o arguido tomou consciência de que tinha que aproveitar esse período para transformar a sua vida.

19) - A condenação do arguido em pena de prisão efectiva naqueles referidos autos … é, ao invés, mais um elemento que permite concluir que já se encontram esgotadas as possibilidades de uma socialização do arguido em liberdade.

20) - A ponderação de todos estes elementos , permite-nos concluir que o juízo de prognose favorável está definitivamente infirmado e, por conseguinte, deveria ter sido revogada a suspensão da execução da pena de prisão a que o arguido N foi condenado - art. 56° , no 1, alínea b) do C.Penal.

21) - A Mma Juiz " a quo " decidiu aplicar, ao invés, uma solene advertência ao arguido, ao abrigo do disposto no art. 55° , alínea a) do C.Penal.

22) - E, ao fazê-Io , violou, em nosso entender, o disposto nos arts. 50°, n° 5, 55°, alínea a) e 56°, n° 1, alínea b) do C.Penal.

23) - Com efeito, à Mma Juiz ,. a quo .. só restavam duas soluções possíveis - a revogação da suspensão da execução da pena, ao abrigo do estabelecido no art. 56° , n° 1 alínea b) do C.Penal ( solução que preconizamos) , ou a extinção da pena, ao abrigo do preceituado no art. 57° , n° 1 do C.Penal.

24) - No caso vertente, a aplicação de uma solene advertência ao arguido não era uma solução juridicamente viável. Assim , 25) - Em primeiro lugar, conforme decorre do corpo do art. 55° do C.Penal , tal possibilidade está apenas prevista para as situações em que o condenado deixou de cumprir algum dos deveres ou regras de conduta a que a suspensão da pena foi subordinada ou em que não correspondeu ao plano de readaptação traçado pelo Tribunal e aceite pelo condenado, ou seja, para os casos de suspensão condicionada, nos termos do disposto nos arts. 50°, n° 2, 51 o, 52° e 54°do C.Penal.

26) - Ora, no caso concreto, tal não sucedeu, pois a suspensão da pena imposta ao arguido revestiu a modalidade de suspensão pura e simples, não tendo sido subordinada ao cumprimento de específicos deveres ou regras de conduta, nem a qualquer plano de readaptação que o arguido houvesse de observar.

27) - Em segundo lugar, afigura-se-nos que também carece de sentido aplicar ao arguido tal advertência quando já se extinguiu ( e há muito) o prazo de suspensão da pena consagrado no acórdão condenatório - 3 anos - e , igualmente, já se extinguiu o prazo máximo de suspensão consagrado no n° 5 do art. 50° do C.Penal.

28) - A aplicação da solene advertência a que alude o art. 55° , alínea a) do C.Penal só faz sentido se os prazos supra referidos não se mostrarem esgotados.

29) - Aliás, não conseguimos vislumbrar o conteúdo da advertência que a Mma Juiz pretende levar a cabo nesta fase, face ao decurso dos referidos prazos. Que consequências poderiam advir para o arguido do não cumprimento da advertência ? 30) - Para além do mais, importa não esquecer que a aplicação ao arguido da solene advertência implica uma nova prorrogação do prazo da suspensão, já esgotado , por tempo indeterminado ( pelo menos, por ora! ) , uma vez que a pena não é declarada extinta nem é revoga da a suspensão decretada.

31) - Assim sendo, a Mma Juiz não podia decidir aplicar , como decidiu, uma solene advertência ao arguido, mas , ao invés, deveria ter decidido revogar a suspensão da execução da pena, ao abrigo do disposto no art. 56° , n° 1 , alínea b) do C.Penal.

32) - Face ao exposto, a decisão ora objecto de recurso deve ser revogada e substituída por...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT