Acórdão nº 831/06-2 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelRUI VOUGA
Data da Resolução08 de Junho de 2006
EmissorTribunal da Relação de Évora

* Apelação nº 831/06 Acção Ordinária nº 92/04 do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de …….

ACÓRDÃO Acordam, na Secção Cível da Relação de ÉVORA:JOSÉ ………….., casado e residente na Rua …………., intentou acção declarativa de condenação, com processo comum na forma ordinária, contra DONZÍLIA ………, residente na Rua……………. e "ÉGÓ……….., LDA", com sede na ……………., pedindo: a) (a título principal) que se declare o incumprimento definitivo do contrato promessa celebrado entre o Autor e as Rés e, em consequência, sejam as Rés condenadas a entregar ao Autor o dobro do que prestou a título de sinal, isto é, 30.000 € acrescidos de juros de mora vencidos, contados desde a data do incumprimento definitivo (4 de Fevereiro) até à citação, e dos juros de mora vincendos, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento; b) (a título subsidiário) caso assim se não entenda, e se considere inexistir qualquer contrato entre o Autor e as Rés, sejam as Rés condenadas, solidariamente, a devolver ao Autor a quantia entregue, no valor de 15.000 €, acrescida de juros vencidos até ao dia 5.1.2004 e de juros vincendos contados desde essa data até efectivo pagamento, acrescida de todas as despesas em que o Autor incorreu, que atingem já o montante de 7.869 €, apurando-se em sede de julgamento a importância exacta, acrescida de juros de mora contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento; e a condenação das Rés a indemnizar o Autor, solidariamente, pelos danos patrimoniais que lhe infligiram, no montante mínimo de 10.000 €, acrescido de juros contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

Para tanto, o Autor alegou, nuclearmente, que: 1) acordou com a 1ª Ré que esta lhe venderia uma moradia, tendo-lhe entregue, na data da conclusão desse acordo, a título de princípio de pagamento, 15.000 €, mais ficando acordado entre ambas que o contrato de compra e venda seria celebrado no mês seguinte; 2) veio, porém, a constatar que a moradia tinha sido vendida em 1994 à 2ª Ré (sociedade da qual eram sócias a 1ª Ré e a filha) e que tinha uma área menor do que a que constava da planta, tendo, por isso, sido acordada entre as partes uma redução do preço originariamente estipulado e que se procederia primeiro ao registo da compra efectuada pela 2ª Ré, a qual outorgaria depois a escritura de compra e venda com o Autor; 3) apesar das inúmeras tentativas feitas pelo Autor nesse sentido, não conseguiu celebrar a escritura por causa imputável às Rés, tendo sofrido, com a situação assim criada, vários prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, pois viu frustradas as suas expectativas de aquisição da moradia e viu a sua reputação prejudicada.

As Rés contestaram, dizendo que o Autor, a pretexto de que a área da moradia prometida comprar/vender era inferior, pretendeu uma redução do preço convencionado ou a compra doutra moradia situada ao lado - o que foi recusado - e, porque o registo de aquisição da moradia em nome da 2ª Ré demorou um pouco mais que o previsto, o Autor foi tentando impor novas exigências, levando finalmente a que as Rés concluíssem que ele tinha deixado de ter interesse na outorga do contrato definitivo de compra e venda.

Em reconvenção, as Rés pediram a condenação do Autor a pagar-lhes a quantia de 26.405 €, acrescida de juros à taxa legal desde a data da notificação da contestação. Alegaram, para tanto: que, por virtude da expectativa que o Autor lhes criou de que ia adquirir a moradia, dispenderam 6.790 € com o transporte de bens que ali se encontravam para Lisboa; perderam 1.000 € de rendimentos que a moradia lhes proporcionaria; tiveram que recorrer a um financiamento bancário que envolveu um encargo mensal de 241 €, que ainda se mantém e que, à data da reconvenção, se cifrava em 3.615 €; e que a 1ª Ré sofreu um agravamento do seu estado de saúde, pois o Autor aproximou-se de pessoas suas conhecidas dizendo que a Ré o tinha burlado e ainda procedeu ao arresto de uma moradia da contestante, privando-a dos rendimentos da mesma, o que tudo causou prejuízos que não devem ser computados em quantia inferior a 15.000 €.

O A.

replicou, pronunciando-se pela improcedência do pedido reconvencional formulado pela Rés.

A reconvenção foi admitida, apenas com a ressalva de que não podiam ser considerados danos não patrimoniais directamente relacionados com o arresto decretado.

O processo foi saneado, tendo-se procedido à selecção da matéria de facto relevante.

Instruída e discutida a causa em audiência de julgamento, veio a ser proferida, em 15/9/2005, sentença que: 1) julgou a acção parcialmente procedente e, consequentemente, condenou a 1ª Ré a devolver ao Autor a quantia de 15.000 €, acrescida de juros de mora contados à taxa legal desde 19.2.2003 e até efectivo e integral pagamento, e a pagar-lhe a quantia de 8.244,75 € acrescida dos respectivos juros de mora contados a partir do trânsito em julgado desta sentença e até efectivo e integral pagamento, bem como a remuneração da taxa de juro de 3% ao ano sobre a quantia de 255.000 € (270.000 € - 15.000 €) deduzida da remuneração efectivamente recebida pelo Autor por ter tal quantia em conta à ordem, durante o período de 1 de Setembro de 2002 até 19.2.2003, a apurar em sede de liquidação para execução de sentença; 2) absolveu a 2ª Ré do pedido; 3) julgou a reconvenção improcedente e, em consequência, absolveu o Autor do pedido reconvencional.

Inconformados com o assim decidido, tanto o Autor como a Ré DONZÍLIA apelaram da referida sentença, tendo extraído das respectivas alegações as seguintes conclusões: 1) O Autor: "1ª. Ao julgar improcedente o pedido principal com fundamento em que o documento escrito de fls. 36 dos autos de arresto não pode ser considerado uma promessa unilateral de venda, o Tribunal a quo procedeu a uma errada interpretação e qualificação do referido documento, desconsiderando factos assentes e dados como provados nos autos e as regras que devem reger a interpretação das declarações negociais, violando, em consequência, o preceituado nos arts. 217°, 227°, 236°, 237°, 238° e 410° do CCv, fazendo ainda uma errada aplicação do preceituado no art. 442° do mesmo Código.

  1. Com efeito, considerando que no supra identificado documento- se fizeram constar elementos que ultrapassam em muito o simples recibo, como são a referência à venda que irá ser efectuada, a identificação da moradia, o preço da venda e a data da realização da escritura, e considerando as regras de interpretação das declarações negociais contidas nos supra referidos arts. 236°, 237° e 238°, não pode deixar de se interpretar aquele documento como contendo as seguintes obrigações de "facere" assumidas pela sua subscritora: assunção da obrigação de vender a moradia n° 28 do ……… ao emissor do chegue - José ……… - ou a quem ele indicar; assunção da obrigação de vender a identificada moradia pelo preço global de 270 000 €; e assunção da obrigação de celebrar o contrato de venda do imóvel, através de escritura pública, a realizar em Setembro de 2002, para além da declaração da subscritora de que, na data referida no documento, recebeu parte do preço combinado entre as partes, no montante de 15 000€, pelo qual ela se obrigou a vender a moradia identificada, comprovando igualmente esse recebimento.

  2. A referida interpretação é ainda corroborada pelo facto de o próprio Tribunal a quo ter dado como provada a relevada intenção e vontade das partes de celebração de um contrato-promessa de compra e venda (relembrando-se que a vontade das partes integra matéria de facto, tal como é entendimento jurisprudencial constante), designadamente nas als. B), C) e parte inicial da al. D) da matéria assente.

  3. Acresce que o acordo celebrado entre as partes observa a forma escrita exigida como requisito de validade de uma promessa de venda de bens imóveis no art. 410°, n° 2, encontrando-se assinado pela parte que por ele se vincula e tendo ainda a promessa assumida pela 1a r. sido imediatamente aceite pelo a., conforme resulta dos factos contidos nas als. A), D) e Q) da matéria assente.

  4. Deste modo, em face do próprio texto do supra-identificado documento, da matéria de facto assente e dada como provada e da correcta interpretação de um e outra conforme supra exposto, dúvidas não podem subsistir quanto à qualificação do acordo celebrado entre a. e r. e titulado pelo aludido documento como um verdadeiro e válido contrato-promessa unilateral de compra e venda.

  5. No caso dos autos, é irrelevante a falta de reconhecimento da assinatura da promitente vendedora, como impõe o art. 410°, n° 2, do CCv, uma vez que, nos termos da referida disposição, essa falta não pode ser aproveitada pela subscritora, desde logo, porque não a invocou, nem tão pouco se provou que a ausência daquele reconhecimento fora imputável ao Autor.

  6. Por outro lado, igualmente não suscita dúvidas que a quantia entregue pelo a. A 1ª r. em 21 de Agosto de 2002 deve ser qualificada como sinal, uma vez que se encontra assente nos autos que tal quantia foi entregue a título de princípio de pagamento do preço (cfr. al. C) dos factos assentes) e, de acordo com o disposto no art. 441° do CCv, «no contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento», sendo certo que a referida presunção não foi ilidida.

  7. Em face do exposto e tendo ainda em consideração a demais matéria de facto assente e provada nos autos, maxime a constante das als. D), E), F), G), N), O), Q), R), S), T), U), V), Z), AB) e AG) dos factos assentes, e das respostas aos quesitos n°s. 11, 16, 19, 20, 21 e 22, não pode deixar de se concluir que entre as partes foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda unilateral e que a 1ª r. o incumpriu culposa e definitivamente, pelo que, para além do direito à resolução do contrato, o a. tem, nos termos do preceituado no art. 442°, n° 2, do CCv, direito a receber em dobro...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT