Acórdão nº 384/06-1 de Tribunal da Relação de Évora, 06 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelALBERTO BORGES
Data da Resolução06 de Junho de 2006
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em audiência, os Juízes que compõem a Secção Criminal da Relação de Évora: 1. No Tribunal Judicial da Comarca de … correu termos o Proc. Comum Singular n.º …, no qual foram julgados os arguidos IM e LF, melhor identificados na sentença de fol.ªs 324 a 329, datada de 11.07.2005, pela prática de um crime p. e p. pelos art.ºs 1, 3, 4 n.º 1 al.ª g) e 108 do DL 422/89, de 2 de Dezembro, tendo sido condenados: - O arguido IM, pela prática, como autor material, de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelos art.ºs 1, 3 e 108 n.º 1 do DL 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção dada pelo DL 10/95, de 19 de Janeiro, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de 3 (três) euros, perfazendo o montante total de 540 (quinhentos e quarenta) euros; - O arguido LF, pela prática, como autor material, de um crime de exploração de jogo ilícito, p. e p. pelos art.ºs 1, 3 e 108 n.º 1 do DL 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção dada pelo DL 10/95, de 19 de Janeiro, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária de 3 (três) euros, perfazendo o montante total de 420 (quatrocentos e vinte) euros.

  1. Inconformados com tal decisão, recorreram os arguidos, concluindo a motivação do seu recurso formulando as seguintes conclusões: 2.1.

    O arguido LF a) A decisão recorrida viola de forma impressiva o direito constitucional da presunção de inocência e atinge noutros segmentos diversos preceitos da legislação processual penal.

    b) Quem julga não se pode bastar com a mera probabilidade da ocorrência de factos que correspondem ao thema decidendum, mas sim com um juízo de certeza obtido de forma intraprocessualmente válida; ao socorrer-se de forma sumária de uma transcrição de um texto de Montesquieu, a decisão começa por transpirar incerteza e acaba a violar o princípio da livre apreciação da prova inscrito no art.º 127 do Código de Processo Penal, não satisfazendo as exigências impostas pelo art.º 374 n.º 2 do mesmo diploma.

    c) Nada legitimou a conclusão do Mm.º Juiz quanto ao conhecimento, por parte do arguido, da diferença entre jogos de fortuna e azar e jogos de perícia, pois foi a senhora procuradora que concluiu esclarecendo o arguido. Isto significa, directa e necessariamente, que a decisão padece de um vício de raciocínio e que incorre em erro evidente na análise da prova. Face à ausência de outros elementos de prova, a não aceitação da versão apresentada pelo arguido implica que este elemento probatório não seja valorado, porque assume um conteúdo axiologicamente neutro e permite a fundamentação de um juízo "non liquet". Interpretação contrária é colidente com o princípio da presunção de inocência e com a estrutura acusatória do processo penal e, ao contrariar estes ditames, a decisão viola, assim, as normas constitucionais já acima citadas.

    d) Se o Juiz não acredita no arguido, continua o Ministério Público (ou o assistente, nos casos previstos na lei) a ter de demonstrar em julgamento que "os indícios suficientes de se ter verificado o crime" (art.º 283 do Código de Processo penal) efectivamente ocorreram.

    e) Ao omitir o itinerário demonstrativo da formulação do juízo sobre a existência de determinada situação factual, o Mm.º Juiz do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de …, ali colocado em regime de estágio, impede a sua fiscalização por parte do tribunal superior, através dos mecanismos de controlo de que dispõe para avaliar a (in)correcção da decisão.

    f) O princípio da livre apreciação da prova, o princípio da presunção de inocência, o dever de fundamentação das sentenças, o direito ao recurso e o direito de tutela efectiva são colocados em crise no ponto 1.3 da sentença recorrida. O tribunal da 1.ª instância não acreditou no arguido. Certo, não se discute, mas é imperioso perguntar: acreditou em quem? g) Para além do erro notório na apreciação da prova, a fundamentação da decisão, porque equívoca e incompleta, está viciada pelo precedente lógico de não ter havido prova produzida relativamente a parte da factualidade descrita na acusação.

    h) O princípio do contraditório vigora plenamente na fase do julgamento, de recurso e, se for o caso, caso tenha havido a fase de instrução, no debate instrutório, conforme dispõem os art.ºs 32 n.º 5 da CRP, 321, 327, 355, 360, 423 e 298 do Código de Processo Penal. Diz a lei que não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência (artigo 355 n.º 1 do CPP).

    i) Resulta da decisão que o relatório pericial de fol.ªs 31 a 56 serviu para basear a convicção do tribunal, posto que, não configurando qualquer excepção ao disposto no art.º 355 do CPP, para ser válida esta asserção aquela prova deveria ter sido produzida em audiência. Porém, da acta da audiência de discussão e julgamento não consta que o aludido relatório tivesse sido lido ou exibido em audiência.

    j) Com base numa suspeita da acusação, e sem prova produzida em audiência, o arguido Carrilho foi condenado e prevaleceu o juízo acusatório sobre a verdade intraprocessual ocorrida em sede de julgamento.

    k) Na relação necessária entre o princípio constante do art.º 127 do CPP e o dever de motivação das sentenças, o Tribunal Constitucional perfilha a posição (Ac. TC de 19.11.1996, DR n.º 31, II Série, de 06.02.1997) que "a livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma actividade puramente subjectiva, emocional e, portanto, não fundamentada juridicamente. Tal princípio, no entendimento do tribunal, concretiza-se numa valoração racional e crítica. De acordo com as regras da lógica, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, o que permitirá ao julgador objectivar a apreciação dos factos, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão. Trata-se, assim, de um princípio de liberdade para a objectividade e não para o arbítrio".

    l) Ao fundamentar a decisão de facto com aquele instrumento probatório sem o submeter ao crivo do contraditório a sentença enferma de vício que a afecta e a torna nula.

    m) Em adição aos vícios apontados, existe ainda uma contradição insanável entre dois factos que tornam a decisão nula (facto 9 dos factos provados e facto não provado).

    n) O erro notório na apreciação da prova, que viola o disposto no art.º 410 do CPP, conduz à absolvição.

    o) A falta de fundamentação da matéria de facto, que conduz à nulidade da sentença e à eventual repetição do julgamento, viola os comandos dos art.ºs 27 n.º 4, 32 n.º 1 e 205 n.º 1 da CRP, e 97 n.º 4, 374 n.º 2 e 375 n.º 1, estes do CPP.

    p) A importação de um elemento probatório (relatório pericial) que não foi produzido em audiência configura uma violação do princípio do contraditório (art.º 32 n.º 5 da CRP e 321, 327 e 360 do CPP).

    q) Insuficiência da matéria de facto para a escolha da medida e da graduação da pena.

    r) Face ao erro notório na apreciação da prova e ao vício da falta de fundamentação da matéria de facto, a sentença impugnada deve ser substituída por outra que absolva o arguido.

    2.2.

    O arguido IM a) O recorrente foi condenado pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo p. e p. pelos art.ºs 1, 3 e 108 n.º 1 do DL 422/89, de 2.12, na redacção dada pelo DL 10/05, de 19.01, na pena de cento e oitenta dias de multa, à taxa diária de 3 euros, perfazendo o montante total de 540 euros.

    b) Para motivação da matéria de facto fundamentou-se o tribunal nas declarações do arguido, no depoimento da testemunha J, no relatório pericial e no CRC do arguido.

    c) Face ao objecto do recurso a questão que se coloca é a de saber se o arguido cometeu o crime pelo qual se encontra acusado de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelos art.º 1, 3 e 108 n.º 1 do DL 422/89, de 2.12, na redacção dada pelo DL 10/95, de 19.01, atenta a insuficiência de prova produzida em audiência de julgamento.

    d) Apesar do arguido ao longo do seu depoimento negar os factos pelos quais se encontra acusado, não ter o Mm.º Juiz valorado tal depoimento, apesar de confirmado com o depoimento do co-arguido …, não se ter verificado a titularidade legal da máquina onde se encontrava o jogo considerado como ilegal.

    e) Da prova produzida em julgamento resulta que o arguido IM apenas é contabilista da firma proprietária da máquina em questão, nunca ter visto a mesma nem ter tido qualquer intervenção na sua colocação ou activação, factos esses confirmados pelo co-arguido … e não resultando da restante prova qualquer intervenção por parte do mesmo.

    f) O arguido apenas teve conhecimento dos factos aquando da sua apreensão.

    g) Todavia, o Mm.º Juiz deu como provado que a máquina multijogos denominada "Total 4" foi colocada no referido estabelecimento pelo arguido IM.

    h) Para tal socorre-se do princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.º 127 do CPP, em que acaba por se fundamentar a decisão recorrida.

    i) Todavia, tal princípio tem necessariamente que se alicerçar em meios de prova concretos e objectivos, o que não se verificou.

    j) Ao apreciar livremente a prova o tribunal a quo não utilizou, no nosso modesto entender, as regras da experiência comum e os necessários critérios objectivos, violando o princípio consagrado no art.º 127 do CPP.

    k) Com efeito, a prova produzida em audiência de julgamento, dada a sua insuficiência e carácter redutor, não poderia permitir ao tribunal dar como assente, de forma integral, a responsabilidade criminal do arguido na prática dos factos.

    l) Assim sendo, sempre teriam que naufragar os elementos do tipo de crime em causa, pois que, o princípio da livre apreciação da prova constitui regra de apreciação da prova em direito penal. Para conduzir à condenação, tal prova deve ser plena, pelo que, na decisão de factos incertos, a dúvida determina necessariamente a absolvição, de harmonia com o princípio da inocência que enforma também o direito processual penal e tem consagração constitucional (art.º 32).

    m) Pelo que a douta sentença em recurso violou os art.ºs 127, 374 n.º 2, 379 e...

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