Acórdão nº 526/06-1 de Tribunal da Relação de Évora, 16 de Maio de 2006

Magistrado ResponsávelPIRES DA GRAÇA
Data da Resolução16 de Maio de 2006
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em audiência, na Relação de Évora a- Nos autos de processo comum (tribunal singular) com o nº … da comarca de …, foi pronunciada: A, solteira, nascida a…, natural de …, …, filha de … e de …, residente na Rua do …, em …, como autora material de um crime de burla qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.°s. 217° e 218°, n° 1, com referência à alínea a) do art.°. 202°, todos do Código Penal, pelos factos descritos na acusação formulada pelo Ministério Público b- Foi deduzida acusação pelo assistente (entretanto falecido) G (nos termos do art. 284° do Cód. Processo Penal) e formulado pedido de indemnização civil contra a arguida, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de esc. 2.021.346$00, correspondente a € 10 082,43, para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo assistente em consequência da conduta da arguida.

c- Por despacho de fls. 365, face ao óbito do assistente G, foi este substituído naquela posição processual pelo seu descendente D.

d- Realizado o julgamento, foi proferida sentença, em 5 de Abril de 2005, que decidiu: "a) Julgar a pronúncia e a acusação improcedentes por não provadas e em consequência, absolver a arguida A, da prática do crime de burla qualificada que lhe foi imputado; b) Julgar o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante totalmente improcedente e em consequência absolver a demandada de tal pedido.

  1. Condenar o assistente nas custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs (art. 515° a) do Cód. Processo Penal e art. 85°/1 b) do Cód. Custas Judiciais).

  2. Condenar o demandante nas custas atinentes ao pedido de indemnização civil."* Inconformado recorreu o Ministério Público concluindo: Art. 1 A arguida A foi acusada e pronunciada pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punível pelos arts. 217 e 218, n° 1, por referência ao art. 202 alínea a), todos do Código Penal.

Art.2 Em súmula, imputava-se à arguida A o facto de, em 04-01-1999, ter convencido o avô G a levantar da sua conta de depósitos n° …, da … e a entregar-lhe a quantia de 1.240.211$00, sob o falso pretexto de que iria utilizar esse dinheiro no sustento do seu tio deficiente psico-motor J (filho do G).

Art.3 O Tribunal "a quo" absolveu a arguida A porque, não obstante ter dado como provado que o G transferiu a quantia de 1.240.211 $00 da sua conta de depósitos para a conta n° … da arguida, considerou que não se provou que esse facto tenha resultado de uma conduta ardilosa por parte da A.

Art.4 Segundo o Tribunal "a quo" havia a possibilidade do G ter doado esse dinheiro à arguida "ainda que sob a condição/garantia de esta vir a cuidar do tio" e na dúvida havia que absolvê-la.

Art.5 Para chegar a esta conclusão, o Tribunal "a quo" estribou-se no depoimento das testemunhas arroladas pela defesa, as quais, terão "revelada bastante convicção".

Art.6 Ora, o Tribunal "a quo" fez errada valoração do depoimento das testemunhas arroladas pela defesa e dessa sorte deu como não verificados os factos que preenchem o elemento do tipo de crime "erro ou engano astuciosamente provocados".

Art.7 A testemunha M, colega da mãe da arguida, veio contar ao tribunal que durante uma refeição o ofendido G, pessoa com quem só tinha privado duas vezes, súbita e inopinadamente saiu-se com esta expressão: "olhe …, sabe, tenho uma notícia para lhe dar" e vai daí conta-lhe que deu a poupança da sua vida à neta para a compensar pelo facto do pai e dele próprio não lhe terem dado atenção durante a juventude da arguida 18.

Art.8 Fere a lógica inerente às regras da experiência comum que alguém tenha produzido tal afirmação de uma forma descontextualizada a pessoa com quem não tinha qualquer relação; sendo certo que, tirando este reduzidíssimo extracto do seu depoimento, tudo o resto é por "ouvir dizer" à arguida e à mãe.

Art.9 A testemunha MO aos "costumes" começa logo por dizer espontaneamente à Ma Juíza de que a arguida não via o avô porque estava proibida e que ela, testemunha, estava de mal com o pai da A porque este lhe tinha "prometido pancada". Dando a ideia que queria atirar para cima do pai da arguida o odioso da neta não ver o avô, não obstante, posteriormente, não saber explicar quem é que proibia quem e do quê Art.10 Mas, a testemunha MO diz algo de fantástico: que ouvia o ofendido G "a gritar" do interior da sua casa (note-se que entre o apartamento do ofendido e da testemunha existe um átrio) que ia dar o dinheiro à neta, esclarecendo que não o ouvia gritar nada mais para além desta frase, nem sabendo contextualizar a frase sendo certo que, a testemunha V, que privava com o ofendido G todos os dias, foi claro ao dizer que ele falava alto mas não gritava.

Art.11 Por último o depoimento da testemunha MO evolui quanto à questão da propriedade do dinheiro: inicialmente começa por dizer ter ouvido o G dizer que ia dar dinheiro à neta porque sabia que a neta não o gastava e que seria para mais tarde ir tomar conta do tio, depois a instâncias do Sr. Advogado da arguida diz que o G dizia que o dinheiro era para a neta fazer o quisesse com ele e por último quando a Ma Juíza lhe perguntou se o dinheiro era para a arguida tratar do tio ou se era para ela própria não soube responder.

Art.12 Srs. Desembargadores, começando pela "pancada", passando pela "gritaria" e acabando na ausência de resposta, parece-nos que não é necessário tecer considerações quanto à valoração deste depoimento.

Art.13 O N, namorado da arguida entre 1998 e 2003, ouviu o ofendido G dizer várias vezes que queria dar o dinheiro à neta para a compensar da má relação que esta tinha tido com o pai, . . . mas logo a seguir refere que acha que o G não se sentia culpabilizado de ter estado afastado da neta.

Art.14 O N disse que nada mais sabia sobre o assunto, designadamente, quanto a valores, e que nunca a A comentou com ele que o avô lhe tinha dado cerca de 1.200 contos (note-se que o G entregou o dinheiro à arguida a 04-01-1999 e a testemunha intervém na escritura de nomeação da arguida como tutora do J) a 12-01-1999 Art.15 Um depoimento que não deixa de ser estranho para uma pessoa que esteve emocionalmente ligado à arguida durante cinco anos, justamente durante o período em que ele beneficiou dos 1200 contos e para uma pessoa que esteve no miolo do testamento do G. Fere claramente as regras da experiência comum. . . sabe o que interessa à arguida. . . mas não sabe mais nada, apesar da relevância histórica que assumiu.

Art.16 A testemunha V começou por dizer sem que lhe tivesse sido perguntado que o G lhe tinha dito que o "dinheiro era do Z, mas que o ia oferecer à neta"; posteriormente baralhou-se não sabendo explicar se o dinheiro era da arguida ou do J e termina por afirmar que o dinheiro era para a arguida. . . um depoimento no mínimo contraditório e obscuro.

Art.17 Pelo meio do seu depoimento, a testemunha V foi dizendo que o D, pai da A, tinha ido ao seu estabelecimento para o ofender e avança com uma data segundo a qual teria conhecido a arguida: 1998. Perguntado porque razão se lembrava dessa data - aperrou-se à data e não soube explicar porque se lembrava dela.

Art.18 Que juízo se pode fazer sobre a razão de ciência de um depoimento de alguém que teimosamente se agarra a uma data mas não explica o porquê de avançar com ela. . . não é preciso apelar à experiência de V. Excias.

Art.19 Estas são as testemunhas da arguida.

. . . . Vejamos se agora se o tipo de crime foi preenchido pela prova produzida Art.20 Há um dado de facto que não é possível ultrapassar.

no dia 04-01-1999, a arguida depositou o dinheiro do avô na sua conta bancária, a queixa do avô G dá entrada nos serviços do Ministério Público a 31-05-2001, a arguida é ouvida nessa qualidade a 03-01-200223 e não obstante a provecta idade do G (84 anos) e de se tratar da poupança da sua vida, não há noticia de que tenha feito menção em devolver o dinheiro ou que o tenha utilizado em proveito do tio deficiente ou do próprio rio G.

Art.21 Claramente a arguida quis fazer do dinheiro coisa sua. Prosseguindo: Art.22 O avô G é cristalino: levantou o dinheiro e entregou-o à arguida porque esta o convenceu de que o ia depositar numa conta bancária em nome dela e do filho deficiente J, com o fito de prover às necessidades deste não cobertas pela fundação … Art.23 A testemunha MC, directora da fundação …, corroborou o depoimento do G, afirmando que este lhe tinha proposto afectar um dinheiro da sua poupança ao custeio das despesas do "J" após a sua morte e que esta era a sua grande preocupação.

Art.24 Outrossim, a testemunha MC foi clara ao afirmar ao Tribunal "a quo" que o G lhe havia dito, de forma espontânea e denotando magoa, que a "neta queria era ficar com o dinheiro".

Art.25 A testemunha MJ, socióloga da fundação, atestou igualmente o depojmento do ofendido G, ao dizer que a vontade daquele era afectar um dinheiro que garantisse às necessidades do J após a sua morte, que não fossem cobertas pela fundação ….

Art.26 De igual forma, a testemunha D foi clara ao dizer que o G lhe havia dito que Art.27 A testemunha JM, funcionário da …, elucidou o tribunal da inabilidade do G para lidar com a sua conta bancária.

Art.28 Foi referido unanimemente por todas as testemunhas, que o ofendido G vivia exclusivamente para o seu filho J e que o bem-estar deste era a sua preocupação dominante, chegando ao ponto de não ingerir a comida que lhe dava a … para a dar ao "J".

Art.29 Foi dito pelas testemunhas MC e ME que o ofendido G vivia obcecado pelo futuro do J após a sua morte e da melhor maneira de garantir o seu sustento após esse facto.

Art.30 A corroborar isto, está o testamento de fls. 59 cujo único objecto era nomear a arguida tutora do tio, o qual é temporalmente próximo à deslocação patrimonial (12-01-1999104-01-2004).

Art.31 Todos os meios de prova vão no sentido de conferir relevância ao depoimento do ofendido G, mormente de que só entregou o dinheiro à arguida porque esta falsamente o convenceu de que o iria utilizar para...

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