Acórdão nº 386/06-1 de Tribunal da Relação de Évora, 18 de Abril de 2006
Magistrado Responsável | MARTINS SIMÃO |
Data da Resolução | 18 de Abril de 2006 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em audiência, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I- No processo comum colectivo nº …, do Círculo Judicial de …, por acórdão de …, a acusação foi julgada parcialmente procedente, e em consequência: a) O arguido J, id. a fls. 1286, foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artºs 21º, nº 1 e 24º, al. i), do DL 15/93, de 22/1, na pena de 8 (oito) anos e (seis) meses de prisão; b) A arguida C, id. a fls. 1286, foi condenada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artºs 21º, nº 1 e 24º, al. i) do DL 15/93, de 22/1, na pena de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão; c) O arguido M foi absolvido da prática do crime de passagem de moeda falsa, na forma tentada que lhe era imputado e condenado pela prática: - de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº 21º, nº 1 do DL 15/93, de 22/1, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão; - de um crime p. e p. pelo artº 275º, nº 3, do C.P., na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 4,00, o que perfaz a multa de € 480,00 e, subsidiariamente, se for caso disso, em 80 dias de prisão.
Em cúmulo foi condenado na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão e em 120 dias de multa, o que perfaz a multa de € 480,00 e, subsidiariamente, se for caso disso, em 80 dias de prisão.
Inconformados, os arguidos recorreram.
J e C extraíram da motivação as seguintes conclusões: I- Os arguidos vêm condenados por douto Acórdão tirado pela Primeira Instância pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos arts. 21º, nº 1 e 24º. al. i) do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro; II- Pelo qual, o Tribunal a Quo aplicou ao arguido J, a pena de oito anos e seis meses de prisão efectiva e à arguida C, a pena de nove anos e seis meses de prisão efectiva.
III- Perante a matéria de facto provada, considerou o Tribunal a Quo (cfr.. a parte da fundamentação de Direito), que os recorrentes incorreram na prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado que lhes era imputado pela acusação.
IV- Contudo, embora os recorrentes aceitem inquestionável uma condenação pela prática de actos previstos no nº 1 do artº 21º do DL. nº 15/93, de 22-01, que ambos confessaram, não se conformam com a condenação pela forma agravada, pelo preenchimento da circunstância agravante p. e p. pela al. i) do artº 24º do referido diploma.
V- Entendem os recorrentes, que tal condenação se deve, com base no texto da decisão ora recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência, à insuficiência da matéria de facto provada para fundamentar a solução (decisão) dada pelo Tribunal e por erro notório na apreciação da prova produzida.
DA AGRAVAÇÂO DA CONDUTA: VI- Pese embora o facto de pela prova produzida não restarem dúvidas de que o menor, R, recebeu dinheiro e entregou heroína a alguns consumidores que se dirigiram à casa dos arguidos, não ficou provado: - Que o arguido J utilizou o menor ou que tinha conhecimento e aceite que a arguida C o tivesse feito, - Nem o dolo específico do tipo qualificador, pelo qual foram condenados.
VII- Como resulta do texto da sentença, em relação à prova da intervenção do menor R (...) o Tribunal deu relevância aos depoimentos das testemunhas …, todos eles confirmativos da referida intervenção e que à saciedade convenceram o Tribunal que os arguidos J e C utilizaram o menor R nos termos provados.
VIII- Resultou dos depoimentos das testemunhas da acusação que os recorrentes (...) actuavam em conjunto, pois que quando se dirigiam à casa onde ambos residiam, eram atendidos, indiscriminadamente por um ou por outro.
IX- Se os consumidores eram atendidos indiscriminadamente por um ou por outro dos arguidos e se a intervenção do menor dava-se para efeitos de receber o dinheiro e entregar o produto estupefaciente à mãe, seria imprescindível que ficasse provado que o arguido J tinha utilizado ou que tivesse conhecimento e aderido a essa utilização.
X- Tal prova não foi realizada em audiência de julgamento sem qualquer dúvida inultrapassável, nem com base nos depoimentos das testemunhas supra identificadas, as quais foram relevantes para o Tribunal formar a sua convicção nesse sentido.
XI- Como se pode retirar do registo do depoimento das referidas testemunhas relativamente ao arguido J, nenhuma delas disse que sabia, pensava ou ouvia dizer que este utilizou ou utilizava o R nas transacções de heroína, bem como, que quando se dirigiam à casa dos arguidos para comprarem estupefaciente o J se encontrava em casa, tendo sempre negado.
XII- Por isso não resultou provado sem qualquer dúvida, que o arguido J utilizou o menor ou que tinha conhecimento e aceite a sua utilização, o que seria necessário provar para aferir a comparticipação criminosa do arguido J, na parte dos factos integradores da circunstância qualificativa do tipo fundamental.
XIII- Da prova produzida no sentido de ambos os arguidos terem actuado em co-autoria relativamente à prática do tipo fundamental (artº 21º, nº 1 do DL nº 15/93), não se pode considerar também provado a co-autoria em relação ao tipo qualificado (artº 24º do mesmo diploma), porque teria de ficar provado a existência de um acordo entre ambos ou de que o arguido J tinha consciência de estar a cooperar na utilização do menor,, sob pena de não existir comparticipação mas apenas co-autoria paralela.
XIV- Nem as regras da experiência e de conhecimento comum poderiam fundamentar a convicção do Tribunal nesse sentido, uma vez que inexiste dados objectivos suficientes provados nos autos para retirar, com um mínimo de certeza, a actuação do menor em conjunto pelos arguidos.
XV- Pelo exposto, o Tribunal deveria ter condenado o arguido J pelo tipo p. e p. pelo nº 1 do artº 21º do DL nº 15/93, de 22-01 e não pelo tipo agravante, como fez, e ao condenar o arguido J pelo tipo agravante, violou o artº 26º do Código Penal, bem como o artº 127º do CPPenal.
Por outro lado e num plano hipotético, XVI- mesmo considerando provado que o R foi utilizado por ambos os arguidos não ficou provado o dolo específico do tipo, ou seja, que ambos os arguidos conhecessem, soubessem, tivessem representado correctamente ou tivessem a consciência (psicológica ou intencional) de que ao utilizar o menor estavam a incorrer na prática de um crime qualificado.
XVII- Sufragando a doutrina do STJ, com as devidas adaptações para o caso concreto, apesar dos factos provados demonstrarem que a utilização do menor constituiu um acto voluntário e consciente dos arguidos, isso não indicia mais do que tinham consciência de que utilizavam o menor, XVIII- falta a demonstração da representação dessa circunstância qualificativa, que não decorre, como consequência necessária, da verificação de que o menor foi utilizado, o que impede que se possa afirmar o elemento intelectual do dolo do tipo, o qual exige que os agentes representem correctamente ou tenham consciência das circunstâncias do facto que preenchem o tipo de ilícito objectivo e do seu significado, nos termos do artº 16º, nº 1 do C.P., doutrina que vale não só para a as circunstâncias que fundamentam o ilícito mas também para todas aquelas que o agravam.
XIX- Por isso, os arguidos não poderiam ser condenados pelo crime agravado, p. e p. oela alínea i) do art. 24º, mas apenas pelo artº 21º, nº 1 do DL 15/93, de 22-01.
XX- Pelo exposto, a decisão do Tribunal a Quo está ferida dos vícios de insuficiência da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova, XXI- Consequentemente, a Primeira Instância violou os artigos: - 26º do Código Penal; - 127º do Código de Processo Penal; - 9º do Código Civil e 21º e 24º, do DL nº 15/93, de 22-01, por ter feito uma incorrecta interpretação destes artigos e errada subsunção dos factos no tipo qualificador.
SEM PRESCINDIR, DA MEDIDA DAS PENAS: XXII- Entendem os recorrentes que, com base nos factos provados, as penas aplicadas revelam-se excessivas, reflectindo que os critérios de determinação da medida das penas e as subjacentes finalidades das mesmas não foram respeitadas.
XXIII- O Tribunal a Quo não tomou em consideração que: - Os arguidos são pessoas pouco instruídas e provenientes de famílias carenciadas e viviam num círculo alargado de pessoas dependentes de produtos estupefacientes, mascado pela criminalidade; - As suas condutas foram impulsionadas pelos consumidores que os procuravam, nunca as oferecendo ou propondo a terceiros a sua compra; - O arguido J era já um forte dependente de estupefacientes quando começou a vender heroína, e a arguida C, por ascendência do seu irmão, o arguido M, e, posteriormente, do arguido J, seu companheiro, tornou-se também uma forte dependente de drogas, situação que se agravou nos últimos meses antecedentes à sua detenção e a levou a aderir ao tráfico.
- A prática não ocasional do tráfico deveu-se à forte dependência de droga, visando sustentar e financiar as necessidades do próprio consumo, revelado pela decadência em que viviam.
XXIV- Pelo que, a liberdade dos arguidos em se autodeterminarem conforme as exigências do Direito estava diminuída.
XXV- Não considerou que: - actividade criminosa prolongou-se por um curto período de tempo, limitando-se a vender pequenas doses, em regra de € 10,00, o que fizeram a consumidores toxicodependentes, sem colocar em perigo a saúde de terceiros não consumidores, revelando um menor desvalor do resultado, e - O facto de os arguidos terem desenvolvido progressivamente a sua actividade ao tempo deveu-se a um menor poder de resistência ao dever imposto pelo Direito, provocada pela contínua procura e facilidade de vender, o que revela um menor desvalor da acção.
XXVI- Por isso, o grau de ilicitude é médio.
XXVII- Pelos actos praticados e as finalidades dos arguidos, é demonstrativo que se está perante o pequeno/médio tráfico, indiciador de uma menor ilicitude.
XXVIII- Apesar de ter ficado provado que os arguidos utilizaram um "saco...
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