Acórdão nº 0646803 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 06 de Junho de 2007
Magistrado Responsável | JOSÉ PIEDADE |
Data da Resolução | 06 de Junho de 2007 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: No Tribunal da Comarca de Gondomar, processo supra referido, a sociedade comercial B……….., SL, posteriormente constituída assistente nos autos, apresentou queixa-crime contra C………., D………. e E………., atribuindo-lhes a prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo art. 218º, nº 1, do CP.
Concomitantemente, aquela pessoa colectiva apresentou, em separado, outra queixa-crime contra o E………., atribuindo-lhe a prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art. 11º, al. a) do DL. 316/97, de 19/11.
As duas queixas-crime, por respeitarem aos mesmos factos, foram reunidas num só Inquérito.
Pelo MºPº, entidade encarregue de dirigir o Inquérito, foi proferido o seguinte Despacho: «Compulsados os autos, verifica-se que a fotocópia de fls. 4 foi extraída do original do cheque junto a fls. 13, pelo que se trata, indubitavelmente, dos mesmos factos.
Diga-se, também, que tal cheque se mostra rasurado no tocante à menção do local de emissão.
E ainda a fls. 2 v se afirma ser tal cheque "pré-datado" enquanto que a fls. 12 se diz que o mesmo cheque foi emitido e entregue em 15 de Novembro de 2000!!! Não obstante, resulta do ponto 4º a fls. 2 v que os factos participados ocorreram em ………., Espanha.
Ora, atento o disposto no art. 5º do CP, a lei penal portuguesa é susceptível de ser aplicada a factos ocorridos no estrangeiro, desde que reunidos os pressupostos constantes do nº 1-c) e nº 2 da citada norma legal e se não ocorrerem as restrições previstas no art. 6º do referido código.
Todavia, tal como se encontram descritos, os referidos factos não constituem ilícito criminal; com efeito, dado que a própria queixosa afirma terem sido os cheques entregues "pré-datados", não se verifica crime de emissão de cheque sem provisão - ver art. 11º, nº 3 do DL 454/91, de 20/12, alterado pelo DL. 316/97, de 19/11.
Por outro lado, também não se indicia a prática do crime de burla, uma vez que a entrega de cheques "pré-datados" como forma de pagamento de mercadoria comprada nesse momento, por si só, não é meio adequado a provocar astuciosamente erro ou engano de outrem.
Assim, ao abrigo do art. 277º, nº 1, do CPP, determino o arquivamento do Inquérito.»*Pela queixosa, após ter requerido a sua constituição como Assistente, foi pedida a abertura de Instrução, em requerimento, com este teor: 1- Recebida a participação, o MºPº, ordenou o arquivamento do Inquérito; 2- "A notícia do crime dá sempre lugar à abertura de Inquérito" (art. 262º, nº 2); 3- "O Inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas" (art. 262º, nº 1); 4- Não foram realizadas quaisquer diligências instrutórias; 5- A falta de Inquérito constitui nulidade insanável (art. 119º, al. d), do CPP); 6- Os factos denunciados integram inequivocamente o crime de burla (p. e p. no art. 217º, do CP), não tendo o MºPº considerado, no Despacho ora sob censura, a globalidade dos factos invocados; 7- O MºPº pratica os actos e assegura os meios de prova necessários à realização das finalidades referidas no nº 2 (art. 267º) e só o pode arquivar nas condições referidas no art. 277º, nºs 1 e 2; 8- Mesmo que se entendesse que (ao contrário do que refere o art. 262º, nº 1) a leitura parcial da notícia do crime constitui acto de Inquérito, a não realização das diligências referidas traduzir-se-ia em "insuficiência do Inquérito" o que igualmente integra a nulidade do art. 120º, nº 2, al. d), do CPP.
*Foi declarada aberta a Instrução e, de imediato, designada data para a realização do Debate Instrutório, sem ser determinada a realização de alguma diligência, uma vez que nenhuma era pedida no requerimento de abertura de Instrução.
*O Debate foi adiado, por não se ter logrado notificar um dos arguidos.
*Após esse adiamento, houve mudança de titular do processo, e este, na data designada para o Debate, proferiu o seguinte Despacho: «O Tribunal entende que a questão pode ser apenas técnico-jurídica ou pode dizer respeito ao mérito da causa. De forma a evitar uma decisão exclusivamente formal, o Tribunal vai ouvir a prova testemunhal indicada, bem como o representante da Assistente, no próximo dia 23 de Abril de 2004, pelas 14 horas.»*O Debate Instrutório foi efectuado por um terceiro Juiz titular do processo, sendo o seguinte o teor da Decisão Instrutória recorrida: «B………., SL, assistente nos presentes autos, notificada do Despacho de arquivamento de abertura do inquérito, veio requerer a abertura de instrução (fls. 24), defendendo que os factos denunciados integram a prática de um crime de burla.
Ora, o requerimento de abertura de instrução não cumpre, de todo, as formalidades legais exigidas. Apesar disso foi admitido, declarada aberta a instrução e realizadas diligências, as quais, a nosso ver, seriam desnecessárias, atenta a decisão a proferir, considerando o teor do requerimento de abertura de instrução.
Como é sabido, a instrução não se substitui ao inquérito, antes visando a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (art. 286º, nº 1 do CPP).
Em Processo Penal vigora o princípio da vinculação temática. Isto é, o Juiz de Instrução está limitado pela factualidade relativamente à qual se pediu instrução. Se esta não existe, legalmente não pode existir instrução. Não pode o juiz suprir essa falta. Oficiosamente, o juiz só pode suprir as nulidades e as irregularidades nos termos dos arts. 119º e segs, do CPP. Mas não pode, de todo, substituir-se aos participantes processuais e praticar os actos que só a eles pertencem e...
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