Acórdão nº 0740296 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelMARIA ELISA MARQUES
Data da Resolução09 de Maio de 2007
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório No processo de instrução n.º …/01-A (NUIPC …./06.1DPRT) do ..º Juízo de Instrução Criminal da Comarca do Porto, o MP vem interpor recurso do despacho proferido pelo M.mo JIC que, na sequência de requerimento de abertura de instrução requerida pela Assistente, decidiu "(…) julgar improcedente a alegada nulidade da «falta de inquérito» prevista no art. 119° d) do C.P.P. e em consequência, ordenar o oportuno arquivamento dos autos." Com os fundamentos constantes da respectiva motivação formulou as seguintes conclusões:"Do direito substantivo A recusa de pagamento de cheque, com o fundamento em "Falta ou vício na formo da vontade", não integra o crime de falsificação de cheque! caracterizando, em princípio, a realização típica do art. 11.°, n.º 1, al. b), do Dec. Lei n.º 454/91, de 28/12.

2 Todavia, não se perfectibilizando o crime de emissão de cheque sem provisão, por força da norma do n.º 3 do art. 11.°, do Dec. Lei n.º 454/91, de 28/12, a carta enviada pelo sacador ao banco para não pagamento do cheque emitido, com os motivos supra mencionados, e caso não sejam verdadeiros, é passível de configurar a prática do crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256.°, n.º 1, aI. b), do Código PenaI.

Do direito adjectivo 3 Exceptuando os caos de julgamento em processo sumário, de processo abreviado e nos casos de processo sumaríssimo, a notícia de um crime determina a abertura de inquérito, nos termos do art. 262.° e segs., do CPP.

4 o inquérito, enquanto «actividade» é o conjunto de diligências processuais que, sob a direcção do Ministério Público, visa investigar a eventual prática de um crime, determinar os seus agentes e responsabilidade deles e descobrir as provas em ordem à decisão sobre a acusação.

Assim, participados factos passíveis de integrarem crime, o Ministério Público abre inquérito e procede aos actos que têm por fim a decisão sobre a acusação, excepto se concluir, em face da notícia do crime, que os mesmos já não integram ilícito criminal, por força de descriminalização, que o procedimento criminal se encontra extinto, que caducou o exercício do direito de queixa ou quando os factos, de forma notória, sem sombra de qualquer dúvida, não integram ilícito típico.

6 A nulidade de inquérito prevista na al. d) do art. 119.° do CPP, refere-se à completa falta de inquérito, à total omissão da prática de quaisquer actos de inquérito.43 7 Por isso, não tendo o MP efectuado quaisquer diligências em inquérito em que se participam crimes de burla qualificada e falsificação de documento, tendo ordenado o seu arquivamento nos termos do art. 277.°, n.º 1, do CPP, por entender que os factos participados não integravam tais realizações típicas ou outras, ocorre a nulidade de inquérito a que se refere a al. d), do art. 119.° do CPP44, maxime quando não está afastada a possibilidade de parte dos factos participados configurarem o crime de falsificação de documento, p. p. pelo art. 256.°, n.º 1, al. b), do Código Penal.

8 O despacho recorrido vulnerou directamente o disposto nos art. 256.°, n.º 1, al. b), do C. Penal e o art. 119.°, al. d), do CPP, e, lateralmente, os art. 262.° n.º 1 e 2 e 267.°, do mesmo diploma legal.

9 Termos em que se pede: - se declare passível de configurar o crime de falsificação de documento, p. p. pelo art. 256.°, n.º 1, al. b), do C. Penal, a carta ou declaração, ao banco sacado, feita pelo emitente de um cheque, da comunicação possivelmente falsa, de "Falta ou vício na formo da vontade", quando tal comunicação foi motivo de não pagamento do cheque, e não se configurar o crime de emissão de cheque sem provisão, mercê da norma do n. ° 3 do art. 11.°, do Dec. Lei n.º 454/91, de 28/12.

Ou - independentemente de tal reconhecimento, se declare a nulidade insanável da falta de inquérito a que alude a al. d), do art. 119.° do CPP; 43 Souto de Moura, Inexistência E Nulidades Absolutas Em Processo Penal; Maia Gonçalves, CPP, allt., 1996,p.250; 1999,p.310.

44Acs. da RL de 13.03.1990; de 29.05.1991; de 12.12.2002 e de 19.01.2006.

A assistente veio responder a tais motivações dizendo que "A excelência da motivação de recurso apresentada pelo Exmo Sr. Procurador da República dispensa a Assistente do ónus de recorrer autónoma, conservando-se na qualidade de Assistente".

Neste Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto teve vista dos autos lavrando parecer em acompanha a motivação de recurso entendendo que deve ser dado provimento.

Foi dado cumprimento ao artigo 417.º do C. P. Penal, não tendo sido junto nenhum outro articulado.

II - Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.

Consultados os autos constatamos que a assistente/ofendida apresentou a denuncia a 20/06/2006, na qual, para além de descrever os factos que imputa aos denunciados - B………., C………. e D………. - e que considerou como integrantes, em co-autoria, de pelo menos um crime de burla qualificada p. e p. pelo art. 217º n.º 1 e 218º nº 2 a) e quanto aos denunciados B………. e C………., em concurso efectivo com um crime de falsificação de documento p. e p. pelo art. 256° n.º 1 b) e n.º 3 do C. Penal, e juntou um original de cheque no valor de 11.302,17 euros e outros documentos, indicou prova testemunhal e requereu outras diligências.

Tal denúncia deu entrada no DIAP no dia 21/6/2006, conforme se extrai do carimbo aposto na mesma.

Não foi desenvolvida ou ordenada, mesmo que com delegação em qualquer órgão de policia criminal, qualquer diligência investigatória, dentre as requeridas ou oficiosamente, vindo a ser proferido despacho de arquivamento por parte do Magistrado do M.º P.º titular do inquérito e que conduziu ao requerimento de abertura de instrução.

Neste requerimento, depois de invocadas as razões de discordância do assistente quanto ao despacho de arquivamento, foi requerida que o JIC declarasse a nulidade insanável de omissão de inquérito nos termos do art. 119 al.d) do CPP, ou declarasse aberta a instrução, elencando os factos que a assistente pretendia serem submetidos a apreciação judicial, com a respectiva integração jurídica, e são requeridas diligências de prova a serem efectuadas nessa sede.

O M.mo JIC, por douto despacho constante de fls. 69-90, não deu guarida a nenhuma dessas pretensões, conforme segue (transcrição por scaner sendo eliminados os carregados e sublinhados): "(…) I - Da inadmissibilidade legal da instrução requerida contra pessoa que não foi « arguido» no inquérito.

Dispõe o n.º 1 b) do art. 287° do C.P.P. que" A abertura da instrução pode ser requerida, no prazo de 20 dias a contar da notificação do arquivamento, pelo assistente, (…) relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação".

Sobre os requisitos formais, para a admissibilidade legal do requerimento instrutório do assistente, nos crimes públicos e semi-públicos, face à decisão de abstenção de acusar do MºPº, rege o n.º 2 do citado art. 287° dizendo: " O requerimento não está sujeito a formalidades especiais (...), sendo (...) aplicável ao requerimento do assistente o disposto no alt. 283º n.º3 b) e c)".

Ou seja, nesse requerimento, deverá o assistente formular uma acusação alternativa, na qual, deverá narrar " (...) os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada e ainda a indicação das disposições legais aplicáveis".

Isto quer dizer que no requerimento instrutório, o assistente deverá narrar os factos integradores dos elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime que imputa ao arguido e indicar as disposições legais aplicáveis.

A parte final do n.º 2 do art. 287° do C.P.P. remete para o n.º 3 do art. 283°, no qual se lê: "(...) a narração, (...), dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido (...)".

Ou seja, para que a instrução a requerimento do assistente nos casos previstos no n.º 1 b) do art. 287° do C.P.P., seja legalmente admissível, é necessário que «tenha corrido inquérito» contra pessoa determinada art. 58° n.º 1 a) do C.P.P. -«o arguido», indicado no requerimento Instrutório do assistente.

Correr Inquérito

contra determinada pessoa, tem um preciso significado: a existência de fortes indícios da prática do crime pelo imputado [1], dos quais resulta, consequentemente, a realização do conjunto das diligências probatórias a que se refere o art. 262° n.º 1 do C.P.P., dirigidas contra essa pessoa concreta, determinada, enquanto tenham por finalidade comprovar a imputação do crime a essa pessoa.

E estes «fortes indícios» resultam da prova indiciária constante do inquérito.

E é por causa desta "imputação indiciária qualificada"[2]) que o art. 272º n.º 1 do C.P.P. impõe ao titular da acção penal, ou por delegação deste, ao órgão de polícia criminal, a obrigação de interrogar essa pessoa na qualidade de «arguido» e, previamente a tal inquirição, fazer a comunicação prevista no n.º 2 do art. 58° do C.P.P. com a entrega do documento referido no n.º 3 da mesma disposição legal.

É o que resulta da conjugação do art. 58° n.º 1 a) com o n.º 1 do art. 59° do C.P.P.; isto quer dizer que a constituição de arguido por iniciativa do titular da acção penal ou se dá nos termos dos arts. 58° e 59° n.º 1, ou simplesmente não se dá.

No caso em apreço, verifica-se que os denunciados B………., C………. e D……….. nunca foram « arguidos », conforme se constata da análise dos autos.

É sabido que o nosso processo penal é um processo de estrutura basicamente acusatória integrada pelo princípio da investigação judicial.

O art. 32° n.º 5 da C.R.P. consagra como princípio fundamental enformador do processo penal, o princípio do acusatório, prescrevendo que" o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de discussão e julgamento e os actos que a lei determinar...

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