Acórdão nº 0750669 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelANABELA LUNA DE CARVALHO
Data da Resolução09 de Maio de 2007
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B……….., S.A., sociedade comercial, com sede na ………., n.º .., nesta cidade, intentou a presente acção declarativa, na forma ordinária, contra C………., residente na Rua ………., n.º …, Apartado …., em Vila Nova de Gaia, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de 88.027,81 euros, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 31/01/2002 e até integral pagamento.

Fundamenta o seu pedido no facto de, no âmbito das relações bancárias com o R. ter creditado na sua conta de depósitos à ordem, em 14/09/99, a quantia de 14.352.979$00, quantia titulada por um cheque sacado sobre um banco americano, devolvido por alegada irregularidade de endosso.

Face à devolução do cheque, a A. debitou na referida conta do R., em 31/01/2002, a quantia peticionada a título de capital, quantia que nunca lhe foi paga, apesar das sucessivas interpelações efectuadas ao R..

O R. contestou e deduziu pedido reconvencional.

Aduziu a excepção da não devolução do original do cheque em causa; alegou nunca ter solicitado à A. qualquer atribuição de crédito; esta encerrou unilateral e definitivamente a sua conta bancária e, por sua vez, nunca o interpelou para o pagamento da quantia pedida.

Acrescenta que a actuação negligente da demandante lhe causou prejuízos patrimoniais e morais que quantifica em 71.592,35 euros, e cujo pagamento pede em sede de reconvenção.

Conclui pela total improcedência da acção e pela procedência da reconvenção.

A A. replicou, pugnando pela improcedência das excepções aduzidas na contestação, e contestou o pedido reconvencional, mantendo tudo o por si alegado na p.i..

Prosseguindo os autos, teve lugar a audiência de julgamento e veio a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente por não provada e a reconvenção parcialmente procedente, por provada.

Consequentemente, foi o R. C………. absolvido do pedido formulado pela A. B……….., S.A., e condenada esta a pagar ao R. a quantia de 25.000,00 euros, a título de indemnização pelos danos morais sofridos.

Inconformada com tal decisão veio a A. recorrer, concluindo as suas alegações pela seguinte forma: 1.º) O acordo existente entre o A. e o R., era no sentido de que se a cobrança do cheque não se efectivasse (o que pressupõe qualquer vício no mesmo - desde logo a falsidade do endosso), o Banco levaria a débito na mesma conta a quantia anteriormente creditada, pelo que em rigor não houve reabertura da conta, mas apenas um lançamento na mesma, de valor anterior ao seu encerramento.

  1. ) Tendo-se provado que o R. não operava com recurso a crédito do A., a operação por este protagonizada - que não é de desconto mas de depósito dependente de "boa cobrança" - significa a abertura de um crédito de montante igual ao do cheque a cobrar, a favor de quem entrega o título, traduzindo o endosso apenas o meio técnico de possibilitar a sua cobrança.

  2. ) Entre o Autor e o Réu estabeleceram-se relações próprias de mandante e mandatário.

  3. ) Para que o devedor incorra na obrigação de indemnizar o prejuízo sofrido pelo credor, é necessário que o não cumprimento lhe seja imputável. Quer isto dizer que vários pressupostos se devem reunir para o efeito: o facto objectivo do não cumprimento a ilicitude, a culpa, o prejuízo sofrido pelo credor, o nexo de causalidade entre o facto e o prejuízo.

  4. ) O Banco Autor não garantiu ao Réu a cobrança do cheque, que obteria o seu pagamento ou que responderia pela sua importância ainda que não fosse cobrada: obrigou-se apenas a praticar actos para a sua cobrança, a efectuar diligencias no sentido de o sacado efectivar o pagamento. (Assumiu uma obrigação de meios e não uma obrigação de resultado - Cfr. Acórdão do STJ de 8 de Maio de 1984 (B.M.J. 337) 6.º) Cumprida que foi a obrigação do Autor como mandatário, o saldo negativo em questão nos presentes autos, corresponde a um verdadeiro empréstimo do autor ao réu, que corresponde em gíria bancária ao chamado "descoberto em conta" operação pela qual um banco consente que uma conta de um seu cliente seja debitada para além do saldo efectivamente existente, até certo limite e por determinado prazo, configurando-se como um verdadeiro contrato de mútuo.

  5. ) Dos elementos constantes dos autos, desde logo o historial bancário entre A. e R., resulta claramente aquela que era a inequívoca vontade das partes no que se refere ao procedimento a seguir na cobrança de cheques sobre o estrangeiro, ou seja o Réu (ou Autor?) enviava os cheques e lançava a crédito na conta do cliente o seu contravalor em escudos, sendo tal lançamento provisório e dependente de "boa cobrança".

  6. ) E a prova de que assim era, foi o facto de quando foi devolvido o cheque de USD 28.567,15, o réu e porque o mesmo não teve boa cobrança, veio de imediato repor o descoberto que a devolução tinha gerado na sua conta de depósitos à ordem.

  7. ) Duvidas não restam que o Autor remeteu o cheque em causa ao Banco responsável pelo mesmo, que o devolveu com a indicação de não pagamento. (Através do debito do respectivo valor na conta daquele, com fundamento na falsidade do endosso do cheque em causa).

  8. ) O D………. em 27-07-01 devolveu o cheque enviado à cobrança e informou o Autor que debitou a sua conta com o valor 74,216.16 USD em 14-06-01 por causa da reclamação anexa.

  9. ) Cumpre desmontar mais três "cavalos de batalha" aportados aos autos pelo réu e que a douta sentença recorrida acolheu sem reservas.

    - A veracidade dos documentos 2 a 5 juntos com a PI; - A presumível não devolução do cheque; - O presumível débito tardio (em 31-01-02, com data valor de 04-07-01) na sua conta de depósitos à ordem da importância de 88.027,81 €, que corresponde ao valor do crédito efectuado na mesma conta em 14-09-99 de Esc. 14.352.979$00, calculado à taxa de cambio do dólar Norte Americano em 04-07-03.

  10. ) Face ao modo de funcionamento das Instituições Financeiras Norte Americanas, existe ainda a possibilidade de ser recepcionada a devolução dos valores entretanto cobrados junto destas.

  11. ) Ou seja e como ocorreu com o cheque dos autos, o mesmo foi enviado para o D………., que debitou o seu valor numa conta do Autor.

  12. ) Dadas as relações bancárias que se estabelecem entre instituições financeiras e à semelhança do que aconteceu entre o Autor e o Réu, o D………. lançou a credito na conta do Autor a importância representada pelo cheque que aquele lhe entregou para cobrança, sendo tal lançamento provisório e dependente de "boa cobrança".

  13. Como resulta provado do Doc. 5 junto com a PI, o D………. comunicou ao Autor que "Debitamos a sua conta com o valor 74, 216.16 USD em 14.06.01 por causa da reclamação anexa. Os documentos juntos contem a razão da reclamação bem como o cheque original. Verifique se o cheque original ou uma fotocópia estão juntos, temos instruções para aceitar ou actuar sobre qualquer um dos documentos que são igualmente validos nos Estados Unidos".

  14. ) Face à Declaração de Fraude de cheque do E………., o D………. (dado que tal cheque era fraudulento), debitou a conta do Autor pela sua importância, utilizando o mesmo procedimento que o Autor aplicou ao Réu. (Através de lançamento a débito, correspondente à operação anterior ao encerramento daquela conta).

  15. ) Segundo a comunicação do D………. "De acordo com a lei que vigora nos Estados Unidos, mais especificamente segundo o Código Comercial Uniformizado, o reclamante tem 3 anos para requerer a devolução de endosso fraudulento de cheques e de um ano por cheques materialmente alterados." 18.º) Daqui resulta claro que nos termos da lei norte-americana (Código Comercial Uniformizado), os reclamantes (in casu a F………., S.A.) têm 3 anos para requerer a devolução do valor dos cheques por endosso fraudulento dos mesmos.

  16. ) Tal facto deve-se às necessidades das operações bancárias internacionais, muito prementes nos EUA, que lidam com um volume de negócios e com um número de países impensáveis à nossa escala e constituem uma garantia dessas mesmas transacções, o que explica a razão do "irrazoável atraso" alegado pelo Réu em o Autor debitar a sua conta com o valor do cheque devolvido.

  17. ) E ainda que a comunicação de tal situação ao R. tivesse sido tardia, o que não se admite e só por mera hipótese de raciocínio se concede, não seria o Autor responsabilizado por esse facto, na medida em que não tendo o Banco depositário avisado o cliente com prontidão que o cheque não foi cobrado e porque razão o não foi, aquele não responde pelo prejuízo sofrido pelo cliente se não se tiver provado qualquer facto que permita afirmar que foi por isso que o cheque não foi cobrado ou que o cliente deixou ou deixara de ter possibilidade de haver, pelo menos do seu endossante, a importância correspondente a do cheque e seus juros - não existe nexo de causalidade entre o prejuízo sofrido e o facto da tardia comunicação (Acórdão do STJ de 8 de Maio de 1984 (B.M.J. 337)...

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