Acórdão nº 0615576 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Abril de 2007

Magistrado ResponsávelBORGES MARTINS
Data da Resolução11 de Abril de 2007
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam os juízes deste Tribunal da Relação: No Proc. Comum Colectivo n.º … / 99.2, do ..º Juízo da Comarca de Bragança, foi condenada B………., filha de C………. e de D………., nascida a 28/03/1931, em ………., Ovar, viúva, professora aposentada, residente na rua ………., n.º ., .º andar esquerdo, Ovar, pela prática em autoria material de um crime de burla qualificada p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 217º, n.º 1, 218º, n.º 2, alínea a), 202º, alínea b), 26º, 1ª parte, e 14º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão; - Nos termos do disposto nos artigos 1º, n.º 1, e 5º da Lei n.º 29/99, de 12/5, foi perdoado à arguida 1 (um) ano da pena de prisão que vem de lhe ser aplicada, sob a condição resolutiva de a mesma, nos 90 (noventa) dias imediatos à sua notificação desta decisão, pagar à Fazenda Nacional a quantia indemnizatória de € 26.264,22 (vinte e seis mil duzentos e sessenta e quatro euros e vinte e dois cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, - Foi julgado o pedido de indemnização civil deduzido a fls. 524 a 526 procedente nos termos supra expostos e, em consequência, condenada a demandada a pagar à Fazenda Nacional a importância de € 26.264,22 (vinte e seis mil duzentos e sessenta e quatro euros e vinte e dois cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a notificação do pedido até integral pagamento, e remetidas as partes quanto ao mais peticionado para os tribunais civis, nos termos do disposto artigo 82º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

I - Recorreu a arguida do despacho de fls. 685 , o qual indeferiu um pedido por si formulado de suspensão da instância. Considerando, em síntese, que os presentes autos deveriam ser suspensos até ser proferida decisão final no processo n.º …/99 que corre seus termos no ..º Juízo do Tribunal de Bragança, já que é necessário para conhecer da existência do crime a procedência ou não da acção …/99; o resultado de tal acção é necessário para se conhecer do pedido cível formulado pelo Estado português; a decisão recorrida violou os arts. 7.º e 77.º do CPP.

A Exma Procuradora Adjunta junto da 1.º Instância respondeu, em síntese, que atenta a natureza do crime pelo qual os recorrentes vêm acusados, a questão da propriedade em discussão na referenciada acção cível, não é essencial para se conhecer do ilícito de burla; de todo o modo, a mesma pode ser convenientemente resolvida nos presentes autos, como preceitua o artigo 7.º, ns. 1 e 2 do CPP - termina pela confirmação da decisão recorrida.

Foi o seguinte o teor do despacho em causa: Como se sabe, e resulta do disposto no artigo 7.º do CPP, a acção penal goza de autonomia e independência para ser exercida e julgada independentemente de qualquer outra, nela se decidindo e conhecendo de todas as questões, qualquer que seja a sua natureza. Só não será assim se for necessário julgar questão que não possa ser convenientemente resolvida no processo penal.

Ora, tal não acontece nos presentes autos, atenta a natureza e os pressupostos do crime imputados aos arguidos.

II - Recorreu também a arguida da sentença condenatória, suscitando as seguintes questões: - o procedimento criminal encontra-se prescrito; - impugna os pontos 12, 13, 19, 20 e 21 da decisão sobre a matéria de facto, os quais deveriam ter sido julgados não provados; - as pessoas colectivas, designadamente o Estado, não podem ser sujeitos passivos do crime de burla; - não é possível a comissão deste crime através do recurso a uma acção cível: - impugna a medida concreta da pena, propondo uma medida não superior a 3 anos, a qual deveria ter sido suspensa na sua execução ou convertida em prisão domiciliária; - impugna a condenação cível.

Respondeu o M.º P.º junto do tribunal recorrido, dizendo em síntese, a favor da manutenção da decisão recorrida: - porque o crime de burla agravada apenas se consumou em 17.6.1996, o esgotar do prazo da prescrição apenas se verificará em 17.6.2014; - não ocorrendo qualquer nexo de prejudicialidade entre a aquisição por usucapião e a burla, não havia motivo para a suspensão do processo penal; - o recorrente limita-se a discutir a convicção do tribunal e o crédito que deu a determinadas provas; - a procuração foi junta extemporaneamente, sendo a mesma falsa e devendo ser entregue ao M.º P.º para feito de procedimento criminal; - a pessoa colectiva, através dos seus representantes legais, pode ser sujeito passivo do crime, pois que estes, em nome dela, podem ser astuciosamente enganados, de forma a disporem do património, em prejuízo da mesma pessoa colectiva e enriquecimento indevido do agente; - o recurso à acção cível foi apenas a parte final do iter criminis; - a pena concreta foi fixada em medida que fica aquém do limiar médio da moldura penal respectiva, sendo certo que revelou a arguida muita persistência e audácia no culminar do seu desígnio criminoso, logrando até ludibriar o juiz cível; pena mais baixa equivaleria a administrar clemência e a praticamente inutilizar a condenação, traduzindo incentivo à reincidência; - em conformidade, por se tratar de pena superior a 3 anos, não poderá a mesma ser suspensa na sua execução; - sempre esta medida seria impossibilitada pela postura processual da arguida, suas condições pessoais e sociais, personalidade mal formada e razões de prevenção especial; - no que diz respeito ao caso julgado da acção cível, tal questão já foi apreciada nos autos de forma que transitou em julgado; - também não se vislumbra qualquer relação de prejudicialidade entre a acção de preferência relativamente ao crime de burla tratado nestes autos e que é causa da obrigação de indemnizar.

O Exmo PGA junto deste Tribunal da Relação pronunciou-se a favor da manutenção da sentença recorrida, dizendo, em síntese no seu parecer, que o despacho recorrido acolheu bem o princípio da suficiência do processo penal, consagrado no n.º 1 do art.º 7.º do CPP, inexistindo qualquer erro de julgamento.

Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º2 do CPP.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Foi a seguinte a fundamentação de facto da decisão recorrida: Com relevo para a decisão do mérito da causa, provou-se a seguinte matéria de facto: 1) No dia 21/11/1985, faleceu em Bragança, solteira e sem herdeiros conhecidos, E……., que ali residiu na rua do ………., n.º .. .

2) A falecida E………. tinha como únicos parentes, em grau muito afastado e não sucessíveis, os irmãos F………., G………., H………., Q………. e I………., os quais ajudou a criar, por serem órfãos de mãe, e viviam numa casa situada na rua do ………., n.º .., em Bragança.

3) Do património da E………. faziam parte os seguintes prédios:

  1. Fracção AC do imóvel sito na ………., n.º .., em Lisboa, descrito na 8ª Conservatória do Registo Predial sob o n.º 13/93/1992 0701; b) Prédio urbano, sito na Rua ………., freguesia da ………., em Bragança, composto por r/c e 1º andar, com a área de 90 m2, e quintal, com a área de 75 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 01433/100491 e inscrito na matriz respectiva sob o artigo 4º; c) Prédio urbano, sito na Rua ………., freguesia da ………., em Bragança, composto por r/c, 1º e 2º andar e quintal, com a área coberta de 130 m2 e descoberta de 231 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 01434/100491 e inscrito na matriz respectiva sob o artigo 23º; d) Prédio rústico, sito no ………. ou ………., freguesia da ………., em Bragança, composto de terra de vinha com árvores, com a área de 1.000 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 01435/100491 e inscrito na matriz respectiva sob o artigo 305; e e) Prédio rústico, sito na ………., freguesia da ………., em Bragança, composto de terra de cultura, com a área de 1.200 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 01578/060192 e inscrito na matriz respectiva sob o artigo 303.

    4) À E………. pertencia também o conteúdo de um cofre de aluguer do J………., dependência de Bragança, que tinha o n.º … .

    5) À data da sua morte, a E………. era titular das seguintes contas bancárias, as quais apresentavam, naquela data, os seguintes saldos: - L………., Lisboa, conta n.º ……./001 - 905.798$60; - L………., Bragança, conta n.º ……./001 - 25.605$30; - M………., Bragança, conta n.º …/….. - 258. 452 $00; e - J………., Bragança, conta n.º …/. - 103.941$80.

    6) Por volta de 1975, a E………. manifestou aos irmãos N………. a sua intenção de lhes deixar o prédio urbano identificado em 3) b) e os prédios rústicos identificados em 3) d) e e).

    7) Por volta de 1980, a E………. deu conhecimento à família N………. e a outras pessoas da sua confiança que era sua intenção fazer testamento, com vista a que os seus bens referidos em 3) b), d) e e) ficassem para os irmãos N………., o seu bem aludido em 3) c) para a Cruz Vermelha de Bragança e o seu bem referido em 3) a) para os sobrinhos de um seu falecido cunhado.

    8) Ao tempo do óbito da E………., o F………. estudava no Porto e tinha como companheiros na residência universitária onde se alojava dois filhos da arguida, O………. e P………. .

    9) Nessa altura, o F………. comentou com ambos os referidos irmãos que procurava descobrir onde teria a falecida E………. feito testamento ou doação dos seus bens, uma vez que esperava ser contemplado, tendo-se os mesmos prontificado a apresentá-lo a uma sua tia de Ovar, com a justificação de que ela o poderia ajudar em tal descoberta.

    10) Contactada tal tia, a mesma nada descobriu, tendo sido então que a arguida, que estava ao corrente de todo o caso, se prontificou a solucioná-lo ela própria, mantendo para o efeito alguns contactos com o F………., onde se apresentou como pessoa muito diligente e bem relacionada com notários e magistrados e por isso capaz de resolver o assunto.

    11) Para esse fim, o F………. entregou à arguida um conjunto de documentos com a descrição e identificação dos bens imóveis, a identificação do cofre do J………., o bilhete de identidade da E………. e todos os dados a ela relativos, nomeadamente a data da sua morte, tendo-a informado também da inexistência de sucessíveis legais e de que por isso a herança...

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