Acórdão nº 0616784 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Março de 2007
Magistrado Responsável | MARIA LEONOR ESTEVES |
Data da Resolução | 14 de Março de 2007 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam, em audiência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: 1. Relatório No .º juízo criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, em processo comum com intervenção do tribunal singular, foi submetida a julgamento a arguida B………., devidamente identificada nos autos, tendo no final sido proferida sentença, na qual se decidiu condenar a arguida, pela prática de um crime de injúria p. e p. pelo art. 181º nº 1 do C. Penal, dispensando-a, no entanto, de pena, e, na procedência parcial do pedido indemnizatório contra ela deduzido pela assistente C………., condená-la a pagar à demandante a quantia de 250 €.
Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso a arguida, pugnando pela sua absolvição e pela exclusão da indemnização arbitrada, e formulando as seguintes conclusões: I. O tribunal a quo fez um errado julgamento da matéria de facto ao considerar que a afirmação proferida pela arguida era apta a ofender a honra e consideração pessoal da assistente.
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Resultou provado que > "Os ânimos exaltaram-se, tendo a assistente e o seu marido dito, referindo-se à administração do condomínio, e dirigindo-se à arguida, que eram todos uns ladrões, tendo inclusive a assistente avançado na direcção da arguida para a agredir, o que acabou por não acontecer, por no meio das duas se ter interposto uma terceira pessoa. " (19)) > "Então a arguida respondeu à assistente dizendo-lhe, pelo menos, que não era como ela, que se era ladra então o que era a assistente que havia roubado os sofás da vizinha" (20)) III. Julgamos que a expressão usada não é socialmente recomendável, foge claramente às regras sociais da boa vizinhança e da boa educação, mas não tem a virtualidade de lesar a honra e dignidade da assistente e, nessa medida, de ser considerada crime.
Entendemos em suma que, no contexto e com o significado com que foram proferidas as expressões em causa, as mesmas não são criminalmente puníveis.
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De todos os depoimentos prestados, nenhum, à excepção dos da assistente e marido, omitiu as circunstâncias em que a afirmação proferida pela arguida o foi. Mesmo testemunhas partidárias da facção da assistente, por assim dizer, relataram o facto de a arguida ter efectuado uma comparação, ao jeito de - "Se me chamas isto, então o que se te pode chamar por teres feito aquilo?".
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A afirmação proferida pela arguida, em reunião de condomínio, à qual presidia pelo facto de ser administradora do mesmo, em que, pelo menos, a arguida foi apelidada de ladra pela assistente e marido, na presença dos demais condóminos, relatando um facto verdadeiro o facto de assistente ter, sem autorização da legitima proprietária, retirado da casa desta, por à mesma ter tido acesso, pela arguida lhe ter emprestado a respectiva chave, com o propósito de esta ali fazer limpeza, depois de a assistente a ter mesmo tentado agredir, o que só não conseguiu pela interposição de terceiro, não é facto susceptível de lesar a honra e consideração da assistente, como não lesou.
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De resto, ainda que assim não fosse, como se nos afigura ser, não resulta sequer provado que a arguida tivesse agido dolosamente, isto é com consciência de que a afirmação proferida, dando conta de um comportamento da assistente, nas aludidas condições de tempo e lugar em que foi proferida, atentasse contra a honra e consideração da assistente, pois que de facto a afirmação em causa dava conta de um facto objectivamente verdadeiro conforme resultou provado (vd. ponto 8) e 25) da matéria fáctica considerada de interesse para a causa e provada), na medida em que a própria assistente foi levada a admitir perante todos os presentes que os sofás eram da vizinha E………., mas agora eram seus porque havia gasto neles 60 euros (vd. depoimento da testemunha D………., cassete nº 4 desde o n° 1477 ao n° 3566 e n" 5 desde o n° 0001 a 0274).
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Nos termos do art. 16°, 2 do Cód. Penal, exclui-se o dolo quando o agente tenha agido em "erro sobre um estado de coisas que, a existir, excluiria a ilicitude do facto, ou a culpa do agente".
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Acresce que, tal como supra alegamos, a arguida agiu em "animus retorquendi ", o que afasta a existência de dolo, E não poderá considerar-se como actuação delituosa a que ocorre apenas com "animus retorquendi" ou seja, com o espírito de devolver a ofensa ou responder à que lhe é feita com outra de idêntica grau ofensivo -Ac. RP de 18-04-79 in CJ 1979 PAG 495 IX. Sem prescindir, nos termos do n° 2 do art. 180º do CP a conduta não é punível quando a imputação for feita para realizar interesses legítimos e o agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.
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A lei fala de interesse legítimo, como causa de justificação. A realização do interesse legítimo no quadro das ofensas à honra, no nosso caso dependerá do facto de a recorrente ter proferido tal afirmação num contexto em que a própria foi ofendida pela assistente que a apelidou de ladra a propósito de a mesma ter apresentado as contas do exercício anterior em que tinha sido administradora do condomínio em que ambas as partes envolvidas são condóminas.
O interesse público surge como o cerne de aplicação da causa justificadora, aqui confundindo-se com o interesse legítimo a que alude o normativo.
Dizer isto não significa, porém, que o interesse público seja equivalente ao interesse nacional, nem ao simples interesse do público, nem que decorra, por força, do facto de as pessoas visadas pertencerem à chamada vida pública, ou da natureza pública do facto narrado. Com efeito, e em primeiro lugar, o interesse público não se verifica, apenas, quando os factos digam respeito a toda a comunidade nacional. Na verdade, existem acontecimentos cuja relevância directa é limitada apenas a algumas pessoas, mas que podem assumir um significado emblemático para a vida da colectividade inteira. Decisiva é, pois, a circunstância de a narração possuir uma ressonância que ultrapasse o círculo restrito das pessoas envolvidas (Prof José faria Costa em anotação ao preceito no Comentário Conimbricense.).
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Ainda neste domínio do interesse público, a doutrina exige a necessidade do meio.
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Havia necessidade do meio porquanto naquelas circunstâncias concretas apenas o retorquir ao insulto da forma em que o fez poderia dar a necessária satisfação social e funcional à arguida porquanto o que a assistente colocou em causa foi a sua honestidade esquento admiradora de condomínio e, como tal, apenas em reunião de condomínio teria sentido retorquir da forma como a arguida o fez, julgando desta forma garantir a paz social.
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Sem prescindir de tudo quanto vem de ser alegado, e caso assim se não entenda, concluindo-se como na douta sentença sub júdice, então sempre se referirá que em circunstância alguma se deveria ter atribuído à assistente uma indemnização em espécie.
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Em primeiro lugar, porque não resultaram provados os factos em que a demandante alicerçou o seu pedido (constantes de fls. 69 ss e reproduzidos na sentença a fls ... na parte dos factos não provados).
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Em segundo lugar porque a aplicação do direito aos factos no que ao pedido civil concerne, sintética mas sem reparo, efectuada na douta sentença em análise, não cuidou de analisar e ter em consideração que o disposto no art. 570°, n° 1 do CC, onde se lê que "quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou o agravamento dos danos, cabe ao Tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída, impõe que se analise e valorize a culpa do próprio lesado na produção do dano.
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Sabemos que para que o tribunal goze da faculdade conferida de excluir a indemnização é necessário que o acto do lesado tenha sido uma causa do dano, consoante os mesmos princípios de causalidade aplicáveis ao agente (art. 563º do Código Civil). Deve, além disso, o lesado ter contribuído com a sua culpa para o dano. E a culpa do lesado tanto pode reportar-se ao facto ilícito causador dos danos, como directamente aos danos provenientes desse facto. Falando no concurso do facto culposo para a produção dos danos ou para o agravamento deles, a lei pretende sem dúvida abranger os dois tipos de situações.
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E as culpas do lesado e do responsável tanto podem ser simultâneas como sucessivas (cf Prof Antunes Varela em anotação ao art. 5700 do Código Civil.).
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Ponderando todos estes factores, a matéria dada como provada e o disposto no art. 5700 e art. 5630 do Código Civil a recorrente entende, acima de tudo, que a indemnização por danos patrimoniais deve ser excluída.
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Basta o facto de a arguida ter agido apenas por que foi provocada pela demandada, corroborado pela experiência comum e a análise objectiva dos demais factos para concluir que o tribunal decidiu incorrectamente quando atribui à assistente uma indemnização no valor, ainda que francamente diminuído face ao pedido da demandante, de 250 euros.
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Se a assistente "provocou" ou concorre para o eclodir do evento final estão é forçoso concluir-se que a demandada também contribuiu de forma decisiva para o seu dano, de natureza unicamente não patrimonial, quando insulta a arguida perante várias pessoas estamos perante culpas concorrentes na verificação do evento e produção dos eventuais danos, devendo pois excluir-se a indemnização fixada, mesmo a entender-se, o que só em teoria se concebe, que foi cometido um ilícito.
O recurso foi admitido.
Na resposta, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da confirmação da decisão recorrida e consequente improcedência do recurso, não se encontrando tal decisão afectada por qualquer erro notório na apreciação da prova e não ocorrendo, em seu entender, a invocada causa de justificação da conduta da recorrente.
O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido do provimento do recurso, entendendo que, no contexto em que a recorrente fez a afirmação, a mesma não merece...
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