Acórdão nº 0710905 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelMARIA DO CARMO SILVA DIAS
Data da Resolução14 de Março de 2007
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:*I- RELATÓRIO 1. Findo o inquérito nº …/06.0GDGDM, que corre termos na .ª secção dos Serviços do Ministério Público de Gondomar, no qual foi constituído arguido B………., o Magistrado do Ministério Público, ao abrigo do disposto no artigo 281 do CPP, suscitou judicialmente a suspensão provisória do processo, nos seguintes termos: "O Ministério Público requer, nos termos do art. 281°, do Cód. Proc. Penal, suspensão provisória do processo quanto ao arguido B………., melhor identificado nos autos porquanto: O arguido B………. é companheiro da ofendida C………., estando juntos há cerca de 14 anos.

Desde há seis anos a esta parte que o arguido tem vindo a maltratar a sua esposa, dirigindo-lhe palavras susceptíveis de ferirem a sua honra e consideração, agredindo-a ainda frequentes vezes.

Tais episódios de agressões ocorriam no interior da residência daqueles, nesta Comarca de Gondomar, tendo a ofendida sido agredida no dia 27/03/2006 com bofetadas, pontapés e empurrões, que lhe causaram dor e mau estar físico, e lhe demandaram 5 dias de doença.

O arguido por vezes bebe imoderadamente bebidas alcoólicas, altura em que os episódios de agressão são mais violentos e frequentes.

Tais factos são susceptíveis de integrar a prática de um crime de maus tratos a cônjuge, p. e p. pelo art. 152°, n°s 1 e 2, do Cód. Penal.

Analisando o processo, parece-me que se encontram reunidos todos os pressupostos e requisitos de aplicação do art. 281° do Cód. Proc. Penal.

Na realidade, o caso sobre o qual ora nos debruçamos é merecedor das chamadas soluções de diversão previstas na nossa legislação processual penal, as quais correspondem a um novo paradigma alternativo ao até agora imobilismo próprio do carácter absoluto das reacções punitivas próprias do positivismo, pretendendo responder a uma certa crise da política criminal, que já não encontra soluções no mero castigo, e anseia percorrer os caminhos da "defense sociale"[1].

Longe de pretender usar este mecanismo processual para, de algum modo, forçar ou condicionar a reacção penal ou diminuir as garantias de defesa[2], pretende-se antes uma alternativa simples de desjudicialização do processo penal, que todavia não abdique da censura ético-penal que o desvalor da conduta dos arguidos encerra.

Neste contexto, penso que estes mecanismos de verdade consensuada[3] encontram campo fértil nesta área tão sensível como sejam as relações familiares, que, tal como outras, só têm a ganhar com a simplicidade e celeridade do procedimento.

Na verdade: - o crime em causa é punido com prisão de um a cinco anos; - o arguido tem antecedentes criminais (fls. 32-33) pelo crime de condução ilegal; - não há lugar a medida de segurança de internamento; - não obstante a culpa não ser ligeira, as consequências dos actos do arguido não foram ainda gravosas; - é de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta respondam suficientemente às exigências de prevenção que no caso se fazem sentir, - a vítima requereu a suspensão provisória do processo nos termos exarados a fls. 39, verificando-se assim os requisitos cumulativos previstos no art. 281°, n°6 do Cód. Proc. Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei n° 7/2000, de 27/05.

Na verdade, e salvo o devido respeito por opinião contraria, com a Lei nº 7/2000, quis o legislador fazer depender, no caso do crime de maus tratos, a suspensão, da vontade exclusiva da vítima, retirando do poder do arguido a sua vontade de anuência, face ao então existente regime geral.

O n° 6 do art. 281°, do Código de Processo Penal tratar-se-á assim de um regime especial a aplicar no caso dos crimes de maus tratos, o qual prescindirá da vontade do arguido, e bem assim do requisito geral relativo à existência de antecedentes criminais.

Ainda assim, e por força do disposto no art. 52°, n°2, do Código Penal, e uma vez que o tribunal só pode determinar a sujeição do arguido a tratamento médico com o seu assentimento, deverá colher-se previamente a aceitação do arguido ao tratamento de desintoxicação, o que se fez - cfr. fls. 39.

Nestes termos, pelo que se expõe e igualmente resulta dos autos, determino, se tal colher a concordância do Mm° Juiz de Instrução, no que respeita às injunções propostas e à duração da suspensão, a suspensão provisória do presente processo por um período de 18 (dezoito) meses, nos termos no art. 281° do Cód. Proc. Penal, mediante as seguintes injunções: a) não bater nem injuriar a sua esposa durante o prazo de suspensão (18 meses); b) submeter-se naquele período a tratamento de desintoxicação alcoólica, com acompanhamento pelo IRS, incluindo sujeição a exames para detecção de álcool.

Conclua os autos ao Mmº Juiz de Instrução.

Proferido despacho judicial de concordância (e se): a) Notifique o arguido do presente despacho, advertindo-o expressamente para o período de suspensão de 18 meses e da obrigatoriedade de cumprir com as injunções impostas, sob pena de, não as cumprindo, poder ser deduzida acusação e submetido o processo a julgamento (art. 282°, n° 3 do Cód. Proc. Penal); b) Comunique superiormente, com envio de cópia do presente despacho e do judicial." 2. Em face de tal requerimento, o Mmº Juiz de Instrução proferiu a seguinte decisão: "Em face dos elementos indiciários colhidos, e tendo por referência o teor do auto de notícia de fls. 2 a 4, está em causa nos presentes autos a eventual prática pelo arguido B………. de um crime de maus tratos a cônjuge, previsto e punido pelo art. 152°, n.° 1 e 2 do Código Penal, a que corresponde pena de prisão de 1 a 5, se o facto não for punível pelo art. 144° do mesmo diploma legal.

O Digno Procurador Adjunto decidiu-se pela suspensão provisória do processo por um período de 18 meses, com a obrigação do arguido não bater nem injuriar a sua esposa durante o prazo de suspensão e submeter-se naquele período a tratamento de desintoxicação alcoólica, com acompanhamento pelo I.R.S., incluindo sujeição a exames para detecção de álcool.

O art. 281°, n.° 1 do Código de Processo Penal (CPP) permite ao Ministério Público decidir-se pela suspensão provisória do processo se, para além do mais, o crime, ou crimes (em situações de cúmulo), não for punido com pena de prisão superior a 5 anos ou for punido com sanção diferente da prisão.

O instituto da suspensão provisória do processo, previsto nos arts. 281° e 282° do CPP, é uma manifestação dos princípios da diversão, informalidade, cooperação, celeridade processual e da "oportunidade", princípios estes que assumem uma importância crescente no processo penal.

Sempre que possível, deve evitar-se o uso do processo penal, pois a própria sujeição do arguido a um julgamento pode ter efeitos socialmente estigmatizantes, não obstante a presunção de inocência de que beneficia durante o julgamento, nos termos do disposto no art. 32°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa.

Por outro lado, a eventual aplicação de uma pena de prisão pode ter ainda efeitos criminógenos e, por isso mesmo, contrários aos que se pretendem atingir (interiorização do desvalor da conduta e subsequente preparação para a ressocialização).

Há ainda que considerar a importância deste instituto pelo papel que desempenha na pacificação social, privilegiando soluções de consenso em detrimento de um aprofundamento da conflituosidade social, sem que simultaneamente a confiança da comunidade nas normas jurídicas violada seja abalada ou sem que os bens jurídico-penais deixem de ser penalmente tutelados.

Extrai-se do art. 281°, n.° 1 do CPP que são requisitos legais de cuja verificação depende a possibilidade de recurso à suspensão provisória do processo: 1. Estar-se perante um crime punível com pena de prisão não superior a 5 anos ou com pena diferente da prisão; 2. Concordância do arguido, do assistente (quando haja) e do juiz de instrução; 3. Ausência de antecedentes criminais do arguido; 4. Não haver lugar a medida de segurança de internamento; 5. Carácter diminuto da culpa; e, 6. Ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda suficientemente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir.

Nos termos acima enunciados é da competência do Ministério Público desencadear os mecanismos necessários à aplicação do instituto da suspensão provisória do processo, cabendo ao Juiz de Instrução "fiscalizar o juízo de oportunidade e a adequação da iniciativa protagonizada pelo Ministério Público, devendo a sua posição ter como referência valorações político-criminais substantivas que lhe impõem a obediência a critérios objectivos que permitam obter a solução mais justa e apropriada ao caso concreto" (Fernando Pinto Torrão - A relevância Político-Criminal da Suspensão Provisória do Processo, pág. 276).

Apesar do instituto da suspensão provisória do processo assentar no princípio da oportunidade, impõe-se que se tenha presente um dos princípios basilares do direito processual penal - o da legalidade - daí que aquele princípio (o da oportunidade) não possa deixar de estar condicionado aos requisitos e pressupostos enunciados no n.° 1 do artigo 281° do CPP.

Também a concordância do Juiz não pode deixar de estar vinculada pelo princípio da legalidade, daí que a decisão deva obedecer aos requisitos exigidos por lei, impondo-se que o Juiz indique e fundamente os motivos e razões da sua não concordância.

No caso em apreço, entendo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT